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Valor na Colação de Bens: O Desafio da Isonomia Sucessória

Artigo de Direito
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A Temporalidade na Avaliação de Bens Colacionados e a Batalha Hermenêutica no STJ

A colação de bens é, indubitavelmente, o “campo minado” do Direito das Sucessões brasileiro. Embora a definição clássica a descreva como um mecanismo de nivelamento patrimonial para assegurar a igualdade das legítimas, a prática forense revela uma realidade muito mais áspera: uma disputa econômica complexa onde a escolha do critério temporal de avaliação define quem enriquece e quem empobrece. Não se trata apenas de aritmética, mas de enfrentar uma antinomia legislativa vigente e perigosa entre o Direito Civil material e o Processo Civil.

A doutrina tradicional ensina que a doação feita em vida constitui adiantamento de legítima. Contudo, a aplicação literal da regra temporal prevista no Código Civil de 2002 — que remonta a uma lógica econômica do Código de 1916, época de inflação quase inexistente — tem gerado distorções flagrantes. O advogado especialista não pode se contentar com a leitura rasa da lei; é preciso compreender a tensão entre o valor histórico e o valor real de mercado, sob pena de conduzir o cliente a uma partilha iníqua.

O Elefante na Sala: A Antinomia entre o Art. 2.004 do CC e o Art. 639 do CPC

A maior controvérsia técnica reside no confronto direto entre duas normas do nosso ordenamento. De um lado, o Artigo 2.004 do Código Civil determina taxativamente que o valor de colação dos bens será aquele, certo ou estimativo, que lhes atribuir o ato de liberalidade (época da doação). Do outro, surge o Artigo 639 do Código de Processo Civil de 2015, que, ao tratar dos bens que não mais existem no acervo, sugere a avaliação com base no valor ao tempo da abertura da sucessão.

Aqui, o causídico se depara com um conflito clássico de critérios de solução de antinomias:

  • Lex Specialis: Defensores da tese de que o Código Civil deve prevalecer por ser a norma especial que regula o direito material;
  • Lex Posterior: Uma corrente doutrinária robusta (incluindo nomes como Flávio Tartuce e Zeno Veloso) defende que o CPC/15, sendo lei posterior e buscando a efetividade da jurisdição, revogou tacitamente o critério anacrônico do Código Civil.

Ignorar esse debate hermenêutico é fatal. Profissionais que buscam atualização através de um curso de sucessão de alto nível aprendem que a petição deve ser construída antecipando qual tese será adotada pelo magistrado, pois a diferença financeira entre avaliar um imóvel com base no valor dos anos 90 (ainda que corrigido) e o valor de mercado atual pode representar milhões de reais.

Decompondo o Valor: Correção, Esforço e “Sorte” de Mercado

Um erro comum na advocacia generalista é confundir mera correção monetária com valorização imobiliária. Para atuar com excelência, é imperativo distinguir três fenômenos econômicos distintos que incidem sobre o bem doado:

  • Atualização Monetária: É o mínimo existencial para evitar o enriquecimento sem causa. O STJ já pacificou que o valor histórico deve ser corrigido, mas isso apenas repõe o poder de compra da moeda, não refletindo o valor real do ativo.
  • Valorização por Fatores Intrínsecos (Esforço): Ocorre quando o donatário investe, reforma ou amplia o bem. Juridicamente, é justo que essa mais-valia não seja colacionada, sob pena de os demais herdeiros enriquecerem às custas do trabalho alheio.
  • Valorização por Fatores Extrínsecos (Mercado/Conjuntura): É aqui que reside a injustiça do Art. 2.004. Se um terreno valorizou 500% apenas porque a cidade cresceu ou o zoneamento mudou, essa valorização é fruto do acaso, não do esforço do donatário. Ao fixar o valor na data da doação, a lei entrega esse “lucro de sorte” exclusivamente ao donatário, prejudicando a isonomia da legítima dos demais herdeiros.

O “Forum Shopping” Jurisprudencial: 3ª Turma vs. 4ª Turma do STJ

A insegurança jurídica é real e palpável na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. O advogado estrategista deve saber que o resultado do processo pode depender de qual Turma julgará o Recurso Especial:

  • A 3ª Turma (Tendência à Realidade Econômica): Tem proferido decisões (vide REsp 1.166.568/MS) inclinadas a aplicar o valor à época da abertura da sucessão. O argumento central é a vedação ao enriquecimento sem causa e a busca pela igualdade material entre os herdeiros, aproximando-se da regra do CPC/15.
  • A 4ª Turma (Tendência Legalista): Historicamente, demonstra maior apego à literalidade do Art. 2.004 do Código Civil, defendendo o valor à época da liberalidade para garantir a segurança jurídica do negócio realizado no passado, ainda que isso gere distorções econômicas presentes.

Conhecer essa divergência é crucial para a elaboração de memoriais e para a sustentação oral, permitindo ao advogado modular seus argumentos conforme a composição do órgão julgador.

A Estratégia Processual e a Colação em Substância

Muitos esquecem que a regra primária do sistema é a colação in natura (em substância), ou seja, o retorno do próprio bem ao acervo. A colação por estimação (em valor) deveria ser subsidiária, aplicada apenas quando o donatário já não possui o bem. No entanto, a dinâmica moderna e a fluidez patrimonial tornaram a colação por valor a regra prática.

Para advogados que atuam na área, dominar o inventário extrajudicial e judicial envolve saber jogar com essas regras.
Se você defende o donatário: Utilize o argumento da segurança jurídica, do ato jurídico perfeito e da valorização pelo esforço próprio, apegando-se à literalidade do CC/02 e aos precedentes da 4ª Turma.
Se você defende o herdeiro prejudicado: Invoque o princípio da isonomia constitucional, o Art. 639 do CPC/15, a vedação ao enriquecimento sem causa e os precedentes da 3ª Turma que privilegiam o valor de mercado atual (descontadas as benfeitorias).

Conclusão: A Necessidade de Advocacia de Precisão

O debate sobre a temporalidade na colação prova que o Direito das Sucessões não admite amadorismo. A “segurança jurídica” do Art. 2.004 muitas vezes protege a iniquidade, enquanto a busca pela “justiça real” pode desestimular a circulação de riquezas. O ponto de equilíbrio deve ser buscado caso a caso, com uma advocacia técnica, capaz de diferenciar a origem da valorização do bem.

Enquanto não houver uma reforma legislativa que unifique os critérios ou uma súmula vinculante que pacifique a matéria, caberá ao advogado construir a tese que melhor proteja o patrimônio de seu cliente, navegando com destreza nesse mar de incertezas jurisprudenciais.

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Acesse a lei relacionada em Código Civil – Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002

Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-09/momento-de-avaliacao-dos-bens-colacionados-da-abertura-da-sucessao-ou-da-liberalidade-a-resolucao-da-divergencia-historica-pelo-projeto-de-reforma-do-codigo-civil/.

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