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Tributação RPPS: Doença Grave e Direito à Isenção

Artigo de Direito
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A Tributação de Inativos e a Isenção por Doença Grave no Regime Próprio de Previdência Social

A interseção entre o Direito Tributário e o Direito Previdenciário constitui um dos campos mais férteis e complexos para a análise jurídica contemporânea. No centro deste debate, encontra-se a tributação dos proventos de aposentadoria e pensão no âmbito do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS). A questão ganha contornos de alta indagação constitucional quando confrontada com a tutela dos direitos fundamentais de servidores portadores de doenças graves. A evolução legislativa recente, especialmente após a promulgação da Emenda Constitucional nº 103/2019, alterou drasticamente a arquitetura da seguridade social no serviço público, reacendendo discussões sobre a vedação ao retrocesso social e a capacidade contributiva.

Compreender a dinâmica da contribuição previdenciária sobre inativos exige um retorno aos fundamentos do sistema solidário. Diferentemente do regime privado, onde a inatividade pressupõe o fim da obrigação contributiva, o setor público brasileiro adotou um modelo onde o aposentado continua vinculado ao financiamento do sistema. Contudo, essa solidariedade não é absoluta. Ela encontra, ou deveria encontrar, limites na dignidade da pessoa humana, especialmente quando o contribuinte se encontra em situação de vulnerabilidade extrema decorrente de enfermidades severas.

O ordenamento jurídico historicamente protegeu essa categoria de contribuintes através de faixas de isenção ampliadas. A lógica era cristalina: quem suporta o ônus financeiro de um tratamento de saúde complexo tem sua capacidade contributiva reduzida. O Direito, portanto, atuava como um equalizador, reduzindo a carga tributária para preservar o mínimo existencial. A controvérsia atual reside na modificação desses parâmetros protetivos e na competência dos entes federados para majorar a base de cálculo dessas contribuições, muitas vezes eliminando benefícios anteriormente consolidados.

A Natureza Jurídica da Contribuição Previdenciária do Servidor Inativo

Para dominar este tema, é imperativo dissecar a natureza jurídica da exação. A contribuição previdenciária do servidor público possui natureza tributária, especificamente de contribuição social, sujeita às limitações constitucionais ao poder de tributar. Isso atrai a aplicação de princípios como a legalidade, a anterioridade e, crucialmente, o não confisco. Ao contrário de um prêmio de seguro, onde há correlação sinalagmática entre pagamento e benefício, a contribuição social é marcada pela referibilidade, mas orientada pelo princípio da solidariedade.

O Supremo Tribunal Federal, ao validar a cobrança de inativos nas Emendas Constitucionais nº 20/1998 e nº 41/2003, consolidou o entendimento de que não existe direito adquirido ao não pagamento de tributos. No entanto, a Corte também estabeleceu que a tributação não pode atingir a totalidade dos proventos, devendo incidir apenas sobre o que exceder determinado teto. Esse teto, tradicionalmente vinculado ao limite máximo do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), funcionava como uma “imunidade parcial”.

A complexidade aumenta quando analisamos os regimes jurídicos estaduais e municipais. A autonomia federativa permite legislações específicas, mas estas devem obediência ao texto constitucional federal. A especialização nesta área é vital para o advogado que atua com servidores públicos. Para aqueles que desejam aprofundar-se nas nuances específicas deste sistema, a Pós-Graduação em Prática no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) e Previdência Complementar oferece uma visão detalhada das regras de custeio e benefícios.

O Instituto da Isenção por Doença Grave: Histórico e Fundamentos

Antes das reformas mais recentes, o texto constitucional (art. 40, § 21, da CF/88, incluído pela EC 47/2005) previa uma regra clara de proteção. Para os portadores de doenças incapacitantes, a contribuição previdenciária incidiria apenas sobre as parcelas de proventos de aposentadoria e pensão que superassem o dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS. Essa norma funcionava como uma isenção parcial qualificada, reconhecendo o descompasso financeiro causado pela moléstia grave.

A “ratio legis” desse dispositivo era a proteção do patrimônio jurídico do servidor aposentado que, já fragilizado pela doença, não poderia suportar a mesma carga tributária de um inativo saudável. Juridicamente, trata-se de uma aplicação direta do princípio da isonomia tributária na sua vertente material: tratar os desiguais na medida de suas desigualdades. A doença grave atua como um discriminem justificador para a tributação diferenciada.

É fundamental distinguir este benefício previdenciário da isenção do Imposto de Renda sobre proventos de aposentadoria por moléstia grave, prevista na Lei 7.713/88. Embora possuam finalidades sociais semelhantes, são institutos distintos com bases legais diversas. O advogado deve estar atento para não confundir os requisitos e a extensão de cada benefício, visto que a jurisprudência tem tratado ambos de maneira autônoma, embora a lógica protetiva seja convergente.

As Alterações da Emenda Constitucional nº 103/2019 e o Déficit Atuarial

A promulgação da Emenda Constitucional nº 103/2019 representou uma mudança de paradigma. A reforma revogou expressamente o parágrafo 21 do artigo 40 da Constituição Federal, suprimindo do texto constitucional a garantia da “dobra” do limite de isenção para portadores de doenças graves. Mais do que isso, a reforma introduziu a possibilidade de os entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) ampliarem a base de cálculo da contribuição em caso de déficit atuarial.

O artigo 149, § 1º-A, da Constituição, inserido pela reforma, permite que, havendo déficit, a contribuição ordinária dos aposentados e pensionistas incida sobre o valor dos proventos que supere o salário-mínimo. Esta autorização constitucional gerou uma onda de legislações estaduais e municipais que majoraram a carga tributária sobre inativos, inclusive aqueles portadores de doenças graves, que perderam a proteção constitucional expressa da base de cálculo diferenciada.

A discussão jurídica central passou a ser: a revogação do dispositivo constitucional autoriza a tributação irrestrita? A doutrina se divide. Uma corrente defende que, sem a previsão constitucional explícita, a isenção depende inteiramente da discricionariedade do legislador ordinário local. Outra corrente, baseada nos direitos fundamentais, sustenta que a proteção à saúde e à dignidade impede a tributação excessiva sobre verbas de natureza alimentar de pessoas enfermas, configurando o confisco vedado pelo artigo 150, IV, da Constituição.

Compreender os limites da tributação é essencial para a defesa do contribuinte. O estudo aprofundado sobre o que constitui uma imunidade ou uma isenção e como elas podem ser revogadas é abordado em detalhes no curso sobre Imunidades Tributárias, que fornece a base teórica para questionar excessos fiscais.

O Princípio da Vedação ao Retrocesso Social

Um dos argumentos mais fortes contra a supressão da isenção tributária para doentes graves reside no Princípio da Vedação ao Retrocesso Social. Este princípio, implícito no ordenamento constitucional brasileiro e decorrente da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana, impede que conquistas sociais já consolidadas sejam desmanteladas sem medidas compensatórias adequadas.

Ao retirar a proteção da base de cálculo diferenciada para portadores de doenças graves, o Estado estaria promovendo um retrocesso na concretização do direito à saúde e à previdência social. A tributação que incide sobre o que excede o salário-mínimo, em muitos casos, compromete a subsistência do servidor e o custeio de seus medicamentos. A análise deste ponto exige do operador do direito uma visão sistêmica da Constituição, não se limitando à literalidade das normas tributárias, mas integrando-as ao núcleo dos direitos sociais.

O debate alcança a proporcionalidade e a razoabilidade das medidas de ajuste fiscal. Embora o equilíbrio atuarial e financeiro seja um objetivo constitucional (art. 40, caput), ele não pode se sobrepor, de forma absoluta, ao mínimo existencial. A advocacia estratégica deve explorar a colisão desses princípios constitucionais para fundamentar teses defensivas, demonstrando que o equilíbrio das contas públicas não pode ser alcançado às custas da inviabilização da vida digna dos segurados mais vulneráveis.

Capacidade Contributiva e Confisco

A capacidade contributiva é o critério subjetivo que deve orientar a tributação. Ela determina que cada um deve contribuir para os gastos públicos na medida de suas possibilidades econômicas. No caso de servidores com doenças graves, a capacidade contributiva real é afetada pelos custos inerentes à patologia. Ignorar essa realidade fática ao instituir a tributação equivale a tratar igualmente situações desiguais, ferindo a isonomia.

Além disso, há a questão do efeito confiscatório. O STF possui entendimento de que o tributo não pode ser utilizado para destruir a propriedade ou anular a riqueza do contribuinte. Quando a contribuição previdenciária, somada ao Imposto de Renda e aos custos de saúde, consome parcela substancial dos proventos, pode-se caracterizar o efeito de confisco. A análise deve ser feita no caso concreto, mas a tese abstrata ganha força quando se observa a redução drástica da renda disponível de inativos após as reformas locais baseadas na EC 103/2019.

A tributação sobre inativos, por si só, já é tema controverso, pois incide sobre quem já contribuiu durante toda a vida laboral. Quando essa incidência se amplia para alcançar faixas de renda próximas ao salário-mínimo de pessoas com saúde debilitada, o caráter solidário do sistema é colocado em xeque, transformando-se em mero instrumento arrecadatório desvinculado da proteção social que deveria ser a finalidade precípua da Previdência.

A Competência Legislativa e o Pacto Federativo

Outro aspecto técnico relevante diz respeito à autonomia dos entes federados. A Reforma da Previdência de 2019 desconstitucionalizou diversas regras, remetendo para a legislação complementar e ordinária a definição de alíquotas e bases de cálculo. Isso criou um mosaico legislativo no Brasil, onde cada Estado e Município pode ter regras distintas de isenção ou tributação para seus servidores.

Essa fragmentação exige do advogado uma pesquisa minuciosa da legislação local aplicável. Não basta conhecer a Constituição Federal; é preciso analisar as Leis Complementares estaduais e municipais que internalizaram (ou não) as regras da EC 103/2019. Em muitos casos, a legislação local pode ser contestada por vícios de iniciativa, ausência de estudo atuarial prévio comprovando o déficit, ou violação às Constituições Estaduais.

Há, ainda, a discussão sobre a eficácia das normas. A revogação do § 21 do art. 40 da CF tem eficácia imediata para todos os entes ou depende de referendo local? A resposta a essa pergunta define se o servidor continua tendo direito à isenção em dobro até que sobrevenha lei local específica. A tese da necessidade de lei específica para revogar o benefício tributário, em respeito à legalidade estrita, é um caminho argumentativo robusto a ser explorado nas cortes de justiça.

Perspectivas e Atuação Jurídica

O cenário atual é de intensa disputa judicial. A defesa dos direitos dos servidores públicos exige uma atuação técnica e fundamentada. Não se trata apenas de pedir a manutenção de um benefício, mas de arguir a inconstitucionalidade de normas que violam o núcleo essencial dos direitos sociais. O profissional do Direito deve estar preparado para manejar Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), Mandados de Segurança e Ações Ordinárias com pedidos de tutela de urgência.

A prova documental da doença grave e do impacto financeiro da tributação na vida do servidor é crucial. Laudos médicos, comprovantes de despesas com saúde e planilhas demonstrativas da redução dos proventos líquidos são elementos probatórios indispensáveis. A construção da tese jurídica deve amalgamar o Direito Tributário, o Direito Previdenciário e o Direito Constitucional, criando uma blindagem argumentativa contra a voracidade fiscal do Estado.

Em suma, a suspensão ou manutenção da análise de isenções em tribunais superiores reflete a tensão não resolvida entre o ajuste fiscal e a proteção social. Para os advogados, isso representa uma oportunidade e um dever: a oportunidade de atuar em um nicho de alta complexidade e o dever de zelar pela aplicação justa da lei em face dos grupos mais vulneráveis da administração pública.

Quer dominar a complexidade dos Regimes Próprios e se destacar na advocacia pública e previdenciária? Conheça nosso curso Pós-Graduação em Prática no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) e Previdência Complementar e transforme sua carreira.

Insights Relevantes sobre o Tema

A interconexão entre déficit atuarial e direitos fundamentais cria um paradoxo jurídico: para salvar o sistema (financeiramente), o Estado sacrifica a proteção do indivíduo (finalidade do sistema).

A “desconstitucionalização” das normas previdenciárias transfere o campo de batalha de Brasília para as Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, exigindo uma advocacia mais regionalizada e atenta às normas locais.

O conceito de doença grave para fins tributários não é estático; ele deve ser interpretado à luz da evolução da medicina e da jurisprudência, podendo ser ampliado para abarcar novas patologias que comprometam a capacidade contributiva.

A solidariedade previdenciária não pode servir de pretexto para o confisco; o limite da solidariedade é a capacidade de subsistência digna do contribuinte.

A defesa técnica neste campo exige proficiência em cálculos previdenciários, pois muitas vezes a ilegalidade da cobrança se revela na demonstração matemática da inexistência do déficit alegado ou na desproporcionalidade da alíquota efetiva.

Perguntas e Respostas

1. A isenção de contribuição previdenciária para portadores de doença grave foi extinta automaticamente com a Reforma da Previdência de 2019?

Não automaticamente para todos. A EC 103/2019 revogou o dispositivo constitucional federal que garantia a isenção sobre o dobro do teto do RGPS. No entanto, a aplicação dessa revogação depende da legislação de cada ente federativo (Estados e Municípios). Se o ente não editou nova lei alterando a base de cálculo, pode-se argumentar a manutenção da regra anterior ou a necessidade de lei específica para majorar o tributo.

2. O que caracteriza o “déficit atuarial” capaz de autorizar a cobrança de contribuição sobre o salário-mínimo?

O déficit atuarial é a insuficiência de recursos atuais e futuros para cobrir os compromissos do plano de benefícios no longo prazo. Para que a cobrança ampliada (sobre o que excede o salário-mínimo) seja legítima, o ente público deve comprovar tecnicamente esse déficit através de estudos atuariais formais, não bastando a mera alegação de falta de recursos no caixa imediato (déficit financeiro).

3. Qual a diferença entre imunidade e isenção no contexto da contribuição de inativos?

Imunidade é uma limitação constitucional ao poder de tributar (o Estado é proibido pela Constituição de cobrar). Isenção é uma dispensa legal do pagamento do tributo (o Estado poderia cobrar, mas opta por lei não fazê-lo). A regra da “dobra do teto” prevista na Constituição antiga era tratada por parte da doutrina como uma imunidade parcial. Com a sua revogação e remessa para a lei ordinária, o benefício passa a ter natureza mais clara de isenção, sujeita à revogação por nova lei, respeitada a anterioridade.

4. É possível cumular a isenção de Imposto de Renda com a redução da base de cálculo da contribuição previdenciária?

Sim, são institutos distintos com fatos geradores diferentes. A isenção de Imposto de Renda (Lei 7.713/88) visa desonerar a renda para auxiliar no tratamento. A redução da base de cálculo da contribuição previdenciária visa ajustar a solidariedade à capacidade contributiva reduzida. Um servidor com doença grave pode ter direito a ambos os benefícios, desde que preencha os requisitos legais específicos de cada um.

5. O princípio do direito adquirido protege o servidor aposentado contra o aumento da contribuição previdenciária?

O Supremo Tribunal Federal tem entendimento consolidado de que não existe direito adquirido a regime jurídico, inclusive o tributário. Isso significa que alíquotas e bases de cálculo podem ser alteradas. Contudo, o que se discute atualmente não é apenas a alteração de alíquota, mas a violação à vedação do confisco e ao mínimo existencial quando a tributação incide de forma agressiva sobre proventos de pessoas doentes, o que abre margem para teses defensivas baseadas em direitos fundamentais, e não apenas no direito adquirido estrito.

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Acesse a lei relacionada em Emenda Constitucional nº 103/2019

Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-18/stf-suspende-analise-de-isencao-de-contribuicao-de-servidores-com-doencas-graves/.

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