A estabilidade das decisões judiciais e a coerência do ordenamento jurídico são, na teoria, pilares fundamentais de um Estado Democrático de Direito. No entanto, a advocacia prática exige um olhar menos romântico e mais pragmático sobre o cenário jurídico brasileiro contemporâneo. Embora o Código de Processo Civil de 2015 tenha inaugurado uma nova era ao atribuir força vinculante a determinadas decisões, a promessa de aproximação com o common law deve ser vista com cautela.
Vivemos, na realidade, sob um sistema de precedentes “à brasileira”. Diferente da tradição anglo-saxã, onde o precedente nasce organicamente dos fatos (case-based), no Brasil as teses são fixadas de cima para baixo (text-based), muitas vezes de forma abstrata. Nesse contexto complexo, a Reclamação Constitucional emerge como um instrumento vital, mas de manejo dificílimo, cercado por uma jurisprudência defensiva cada vez mais rigorosa das Cortes Superiores.
Para o advogado que busca excelência técnica, não basta compreender a definição básica da Reclamação. É preciso entender as armadilhas processuais não escritas na lei, mas vivenciadas diariamente nos corredores do STJ e do STF.
O Sistema de Precedentes: Idealismo Normativo vs. Realidade Forense
O artigo 926 do CPC estabeleceu o dever de os tribunais manterem sua jurisprudência estável, íntegra e coerente. Contudo, a prática forense revela uma resistência significativa. O que se observa, frequentemente, é uma tensão institucional onde julgadores de instâncias ordinárias, sob o manto do “livre convencimento motivado”, contornam teses vinculantes.
A “loteria judiciária” não foi extinta; ela mudou de configuração. O advogado deve estar atento ao fato de que a fixação de uma tese (ratio decidendi) pelos tribunais superiores nem sempre garante sua aplicação automática na base. É neste ponto de atrito que a Reclamação Constitucional deveria atuar como mecanismo de calibração. Todavia, sua utilização exige precisão cirúrgica, pois o sistema não admite erros.
O artigo 927 elenca as decisões de eficácia vinculante (como Súmulas Vinculantes, IRDR, IAC e Recursos Repetitivos). Mas atenção: a simples violação textual não garante o sucesso da Reclamação.
A Reclamação e a Barreira da Jurisprudência Defensiva
A Reclamação possui natureza de ação originária e visa preservar a competência do tribunal ou garantir a autoridade de suas decisões. Porém, o profissional deve abandonar a ideia de que se trata de um caminho fluido. O STF e o STJ, visando proteger seus acervos de um colapso, aplicam filtros rigorosíssimos de admissibilidade.
As hipóteses de cabimento (art. 988 do CPC) são interpretadas restritivamente. O advogado deve saber que:
- A Reclamação não é sucedâneo recursal: Se houver qualquer via recursal ordinária pendente ou cabível, a Reclamação será indeferida.
- Erro formal é fatal: A instrução deficiente da petição inicial, sem a prova documental pré-constituída perfeita, leva à extinção imediata sem resolução de mérito.
Para aprofundar o entendimento sobre como blindar suas peças contra esses indeferimentos, o estudo detalhado do Direito Processual Civil é indispensável para o profissional que deseja atuar com a técnica exigida pelos tribunais de vértice.
A Armadilha do Esgotamento das Instâncias
Talvez o ponto mais crítico e mal compreendido seja a exigência do esgotamento das instâncias ordinárias para o ajuizamento de Reclamação contra desrespeito a precedente de recurso repetitivo ou repercussão geral (art. 988, §5º, II, CPC).
Na prática, isso transformou a Reclamação em uma verdadeira via crucis. O entendimento consolidado é de que, enquanto houver possibilidade de Agravo Interno ou outro recurso na origem, a via reclamatória está fechada. Mais do que isso: mesmo após o esgotamento, o STJ e o STF têm admitido a Reclamação apenas em casos de teratologia (decisão absurda).
Se o tribunal local realizou a distinção (distinguishing) do caso, ainda que de forma questionável, as Cortes Superiores tendem a não admitir a Reclamação, alegando que revisar tal entendimento transformaria a ação em recurso. O advogado deve estar ciente de que, para precedentes repetitivos, a Reclamação é a exceção da exceção.
Distinguishing e o Perigo do Reexame de Fatos
Um dos aspectos mais sofisticados e perigosos no manejo da Reclamação envolve a técnica do distinguishing. O advogado tem o ônus argumentativo de demonstrar analiticamente que a ratio decidendi do precedente se aplica (ou não) ao caso.
Contudo, existe um “ponto cego” que derruba muitas Reclamações: a vedação ao reexame de fatos e provas. Embora as Súmulas 7 (STJ) e 279 (STF) sejam tecnicamente aplicáveis a recursos excepcionais, elas são aplicadas por analogia na Reclamação.
Se a demonstração da identidade entre o caso concreto e o paradigma exigir que o Ministro Relator revolva profundamente o acervo fático-probatório, a ação será negada. Portanto, a estratégia correta não é apenas alegar a identidade fática, mas demonstrar a identidade jurídica da tese, evitando que a Corte precise atuar como instância de instrução.
O curso de Advocacia Cível e Recurso Especial oferece ferramentas valiosas para navegar por essas complexidades, ensinando como formular a tese jurídica para ultrapassar as barreiras de admissibilidade.
Eficácia e Postura Profissional
A decisão em Reclamação pode cassar o ato impugnado ou avocar os autos. Mas a vitória processual depende de uma postura proativa e tecnicamente impecável. A petição inicial deve ser instruída com a cópia da decisão reclamada e da decisão paradigma, realizando o confronto analítico de forma clara e visual.
O advogado não deve contar com a boa vontade do judiciário para suprir lacunas. A advocacia nos tribunais superiores hoje é uma advocacia de precisão. Saber diferenciar um mero error in judicando (corrigível por recurso) de uma afronta à autoridade da Corte (corrigível por Reclamação) é o que separa o advogado generalista do especialista.
Conclusão
Em suma, a Reclamação Constitucional é um instrumento poderoso, mas que não deve ser banalizado. Ela não é um “atalho” para as cortes superiores, mas sim um remédio heroico de espectro restrito. O sistema de precedentes brasileiro, com suas peculiaridades e sua construção “de cima para baixo”, exige que o advogado domine não apenas a lei, mas a política judiciária de defesa de acervo dos tribunais. Dominar essa técnica é garantir que o direito do cliente sobreviva à hostilidade processual das instâncias superiores.
Quer dominar o sistema de precedentes, a Reclamação Constitucional e se destacar na advocacia de alto nível com uma visão realista e prática? Conheça nosso curso Pós-Graduação em Direito Civil e Processual Civil 2025 e transforme sua carreira com profundidade técnica.
Insights sobre o Tema
- Sistema Híbrido: O Brasil não virou Common Law. Temos um sistema sui generis de precedentes formados por teses abstratas, o que dificulta a aplicação fática.
- Jurisprudência Defensiva: O maior obstáculo da Reclamação não é o mérito, mas os filtros de admissibilidade criados para proteger o STF e STJ.
- O Mito do Esgotamento: Esgotar as instâncias não garante a admissão da Reclamação. Em casos de repetitivos, ela só cabe em situações de teratologia.
- Distinguishing vs. Provas: Ao fazer a distinção do caso, cuidado para não convidar o tribunal a reexaminar fatos, o que levará ao indeferimento (analogia às Súmulas 7 e 279).
- Natureza da Ação: A Reclamação não serve para corrigir injustiças genéricas, apenas para proteger a competência e a autoridade estrita da Corte.
Perguntas e Respostas
1. A Reclamação Constitucional é um recurso?
Não. É uma ação autônoma de impugnação de competência originária dos tribunais. No entanto, o advogado deve ter cuidado: se utilizada como substituto de recurso (sucedâneo recursal), será sumariamente indeferida.
2. Por que é tão difícil ter uma Reclamação admitida em casos de Recurso Repetitivo?
Porque o STJ e STF entendem que a aplicação da tese deve ser feita pelos tribunais locais. A intervenção via Reclamação é excepcionalíssima, reservada a casos onde há recusa teratológica em aplicar o entendimento, e somente após esgotadas todas as vias ordinárias.
3. Posso usar a Reclamação para discutir justiça da decisão?
Não. O mérito da justiça da decisão, a valoração da prova ou a interpretação de cláusulas contratuais são matérias de recurso (Apelação, Recurso Especial). A Reclamação foca exclusivamente na aderência estrita à autoridade do precedente ou competência do tribunal.
4. O que é a “Jurisprudência Defensiva” citada no texto?
É o conjunto de entendimentos e práticas processuais adotadas pelos Tribunais Superiores para restringir o conhecimento de recursos e ações, visando a gestão de seu imenso volume de processos. Na Reclamação, isso se traduz em rigor excessivo na análise dos requisitos formais.
5. Qual o maior erro prático ao ajuizar uma Reclamação?
Falhar na instrução documental (esquecer de juntar a decisão impugnada ou a certidão de trânsito, quando exigida) e tentar transformar a ação em uma nova análise de fatos e provas, ignorando que a Corte Superior se limita à análise de direito e teses.
Aprofunde seu conhecimento sobre o assunto na Wikipedia.
Acesse a lei relacionada em Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015)
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-12/ministro-do-stj-defende-reclamacao-para-garantir-eficacia-de-precedentes/.