A Fundamentação da Pronúncia no Tribunal do Júri: Armadilhas, Nulidades e Estratégia Defensiva
O procedimento do Tribunal do Júri é, por excelência, o palco das maiores disputas dogmáticas do processo penal brasileiro. A primeira fase, o iudicium accusationis, encerra-se com a decisão de pronúncia. Embora tecnicamente seja uma decisão interlocutória mista não terminativa, na prática, ela define o destino do acusado.
O objetivo desta etapa não é condenar, mas realizar um filtro de admissibilidade. Contudo, para o advogado criminalista, tratar a pronúncia apenas como uma “mera admissibilidade” é um erro estratégico. É preciso compreender a tensão entre a necessidade de fundamentação e o perigo da eloquência acusatória, bem como superar velhos dogmas que prejudicam a defesa.
A Superação do In Dubio Pro Societate e o Standard Probatório
Durante décadas, repetiu-se o mantra do in dubio pro societate: na dúvida, manda-se o réu a Júri. A doutrina moderna e decisões recentes dos Tribunais Superiores (como no ARE 1.067.392 do STF) têm questionado severamente essa aplicação automática.
Para submeter alguém ao Conselho de Sentença, o artigo 413 do CPP exige prova da materialidade e indícios suficientes de autoria. A palavra-chave é “suficientes”.
- Elementos exclusivamente do inquérito: O artigo 155 do CPP veda a condenação baseada apenas em elementos informativos. A jurisprudência avança para aplicar essa vedação também à pronúncia. O juiz não pode pronunciar o réu sem provas judicializadas, sob o crivo do contraditório.
- Testemunho de “ouvir dizer” (Hearsay): O STJ tem consolidado o entendimento de que testemunhos indiretos (a testemunha que nada viu, apenas “ouviu falar” que foi o réu) não servem como indícios suficientes de autoria para a pronúncia (HC 589.270/GO).
O advogado deve estar atento: dúvida razoável na primeira fase não deve remeter automaticamente ao plenário. Se a prova é frágil ou indireta, o caminho constitucional é a impronúncia.
A Linha Tênue: Excesso de Linguagem vs. Dever de Fundamentar
A pronúncia inaugura a segunda fase, o iudicium causae. Por isso, a linguagem do juiz deve ser sóbria. O magistrado não pode emitir juízo de certeza, sob pena de influenciar os jurados e nulificar a decisão por excesso de linguagem ou eloquência acusatória.
Entretanto, o medo de incorrer em excesso de linguagem não autoriza a fundamentação deficiente.
O Erro: O juiz diz: “A autoria é certa e o réu agiu com crueldade, conforme depoimentos.” (Isso é pré-julgamento e causa de nulidade).
O Correto: O juiz diz: “Há indícios de autoria decorrentes do depoimento da testemunha X, que afirmou ter visto o réu no local.” (Isso é juízo de probabilidade/admissibilidade).
É comum encontrar decisões que utilizam modelos padronizados, a chamada fundamentação per relationem genérica, onde o juiz apenas cita a denúncia ou “os autos” sem apontar onde está a prova concreta. Essa prática viola o artigo 93, IX, da Constituição Federal. O advogado deve exigir a individualização da conduta e a indicação precisa do lastro probatório.
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As Qualificadoras e a Armadilha do “Manifestamente Improcedente”
A exigência de fundamentação concreta estende-se às qualificadoras. A jurisprudência sumulada diz que as qualificadoras só podem ser excluídas na pronúncia quando “manifestamente improcedentes”.
Isso cria uma armadilha prática: magistrados mantêm qualificadoras sem lastro probatório real, apenas para não “invadir a competência do júri”. A defesa técnica não pode aceitar isso passivamente.
Não basta que a qualificadora “possa” ter ocorrido. É imperativo que o juiz aponte, nas provas, os elementos que dão suporte ao motivo torpe ou à impossibilidade de defesa. Uma decisão que mantém as qualificadoras afirmando apenas que “não são manifestamente improcedentes”, sem indicar onde está a prova desse motivo ou desse meio, padece de nulidade por falta de fundamentação.
Estratégia Processual: O Silêncio e os Embargos de Declaração
A profundidade da fundamentação da pronúncia também depende da postura da defesa nas alegações finais. O juiz é obrigado a enfrentar as teses defensivas apresentadas.
- Estratégia do Silêncio: Se a defesa opta por não apresentar teses de mérito nas alegações finais (para garantir o efeito surpresa em plenário) e pede a impronúncia de forma genérica, o dever de enfrentamento do magistrado diminui. O advogado deve pesar se vale a pena expor a tese agora para forçar a impronúncia ou guardá-la para os jurados.
- A Importância dos Embargos: Antes de interpor o Recurso em Sentido Estrito (RESE) contra uma pronúncia genérica, a técnica mais apurada sugere a oposição de Embargos de Declaração.
Os Embargos servem para forçar o juiz a suprir a omissão e esclarecer quais provas fundamentam a decisão. Isso prequestiona a matéria e fortalece a tese de nulidade por negativa de prestação jurisdicional caso o Tribunal mantenha a decisão omissa. Recorrer diretamente sem embargar pode permitir que o Tribunal tente “consertar” a fundamentação, o que muitas vezes prejudica a defesa.
Conclusão
A fase de pronúncia é o filtro processual que deve impedir acusações temerárias. Quando o judiciário falha em fundamentar esse filtro ou se utiliza de standards probatórios baixos (como o “in dubio pro societate” irrestrito), ele falha com a Constituição.
O advogado criminalista deve atuar não apenas combatendo o mérito, mas fiscalizando a estrita legalidade do procedimento. Identificar nulidades na pronúncia, seja por excesso de linguagem, seja por carência de fundamentação sobre indícios e qualificadoras, é essencial para evitar que o cidadão seja submetido a um julgamento popular indevido.
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Acesse a lei relacionada em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-11/tj-sp-anula-sentenca-de-pronuncia-por-fundamentacao-generica/.