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Medicamentos Fora do Rol ANS e Lei 14.454/2022: Guia Prático

Artigo de Direito
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A Obrigatoriedade de Custeio de Medicamentos Fora do Rol da ANS e a Lei 14.454/2022

A judicialização da saúde no Brasil atravessa um momento de transformação normativa e jurisprudencial significativa. Para o advogado que atua na defesa dos direitos dos beneficiários de planos de saúde, compreender a dinâmica entre as diretrizes das operadoras e as necessidades terapêuticas dos pacientes é fundamental. O cerne da discussão jurídica reside na natureza do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e nos limites contratuais impostos pelas operadoras.

Historicamente, o debate sobre se o Rol da ANS seria taxativo ou exemplificativo gerou inúmeras controvérsias nos tribunais superiores. A tese da taxatividade, defendida pelas operadoras, sustentava que apenas os procedimentos expressamente listados deveriam ter cobertura obrigatória. Em contrapartida, a tese exemplificativa, amplamente acolhida pela jurisprudência consumerista, argumentava que o rol representava apenas uma cobertura mínima, não excluindo tratamentos necessários para doenças cobertas pelo contrato.

Recentemente, o cenário jurídico foi alterado pela promulgação da Lei nº 14.454/2022, que modificou a Lei nº 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde). Essa alteração legislativa foi uma resposta direta ao entendimento que vinha se consolidando no Superior Tribunal de Justiça (STJ) acerca da taxatividade mitigada. A nova lei estabeleceu critérios objetivos para a superação do rol, garantindo a cobertura de tratamentos não listados, desde que cumpridos determinados requisitos técnicos e científicos.

Para o profissional do Direito, dominar essas nuances não é apenas uma questão teórica, mas uma ferramenta prática indispensável. A construção de uma tese vencedora depende da correta articulação entre a prescrição médica, a base científica do tratamento e a legislação vigente. É imperativo entender como a autonomia médica interage com as limitações administrativas das operadoras de saúde.

A Superação do Rol Taxativo: Requisitos Legais e Probatórios

A Lei 14.454/2022 inseriu parágrafos cruciais no artigo 10 da Lei 9.656/98. O texto legal determina que o Rol da ANS constitui a referência básica para a cobertura assistencial. Contudo, a grande inovação reside na previsão expressa de que a ausência de um tratamento no rol não impede a sua cobertura, caso exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico.

Além da eficácia comprovada, a legislação exige, alternativamente, que exista recomendação pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC) ou que exista recomendação de, no mínimo, um órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.

O advogado deve atentar-se ao fato de que o registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) permanece como um requisito basilar. O Supremo Tribunal Federal (STF) já firmou entendimento, em sede de repercussão geral, de que o Estado (e por analogia, o sistema suplementar) não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais sem registro no órgão regulador nacional, salvo em situações excepcionalíssimas de mora administrativa.

Portanto, a petição inicial que visa compelir o plano de saúde a custear um medicamento fora do rol deve ser instruída de forma robusta. Não basta apenas o laudo médico simples. É necessário acostar estudos clínicos, preferencialmente de fase III, revisões sistemáticas ou meta-análises que comprovem que aquela tecnologia é segura e eficaz para a patologia do paciente. O aprofundamento técnico nessa área é o que diferencia o advogado generalista do especialista. Para quem busca essa expertise, a Pós-Graduação em Direito Médico e da Saúde oferece o arcabouço teórico e prático necessário para enfrentar essas demandas complexas.

A Autonomia Médica versus A Ingerência das Operadoras

Um princípio fundamental que norteia o Direito da Saúde é a soberania técnica do médico assistente. O Conselho Federal de Medicina (CFM) e a jurisprudência pátria são uníssonos ao afirmar que cabe ao médico, e não à operadora de plano de saúde, determinar qual a melhor terapêutica para o paciente. As operadoras podem limitar as doenças que terão cobertura contratual (desde que não violem o plano-referência), mas não podem limitar o tratamento para uma doença que já é coberta pelo contrato.

Quando um plano de saúde nega um medicamento sob a justificativa de que ele não consta no rol ou que sua utilização é “off-label” (fora das indicações da bula), ocorre uma interferência indevida na conduta médica. O uso off-label é uma prática médica reconhecida e, muitas vezes, é a única alternativa para pacientes com doenças crônicas ou raras, onde a atualização das bulas e dos protocolos não acompanha a velocidade da evolução científica.

O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado de que é abusiva a cláusula contratual que exclui o custeio de medicamento prescrito pelo médico responsável pelo tratamento do beneficiário, ainda que se trate de fármaco de uso domiciliar, se este for essencial para garantir a saúde ou a vida do segurado. Essa abusividade decorre da violação da boa-fé objetiva e da função social do contrato, transformando a avença em uma promessa vazia de proteção.

O advogado deve explorar a tese de que a negativa de cobertura afronta diretamente o Código de Defesa do Consumidor (CDC). A relação entre beneficiário e operadora é, por excelência, uma relação de consumo, caracterizada pela vulnerabilidade do paciente. Cláusulas limitativas devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, conforme dispõe o artigo 47 do CDC.

O Dever de Informação e a Responsabilidade Civil

Outro aspecto relevante é o dever de informação. Muitas negativas de cobertura são comunicadas de forma genérica, sem a devida fundamentação técnica ou legal. A recusa injustificada de cobertura pode gerar não apenas a obrigação de fazer (custeio do medicamento), mas também o dever de indenizar por danos morais. O STJ entende que a negativa indevida de cobertura agrava a aflição e o sofrimento do paciente, que já se encontra em situação de fragilidade física e psicológica.

Para fundamentar o pedido de dano moral, é essencial demonstrar que a conduta da operadora ultrapassou o mero inadimplemento contratual. Isso se configura quando há risco à vida, interrupção de tratamento contínuo ou quando a negativa impõe ao paciente uma via crucis administrativa desnecessária. A elaboração de uma peça processual que aborde corretamente esses danos requer técnica apurada. O curso sobre Ação de Medicamentos e Tratamentos para Pessoas com Deficiência: Elaborando a Petição Inicial pode fornecer insights valiosos sobre como estruturar esses argumentos, especialmente em casos envolvendo pacientes vulneráveis.

É importante também considerar a possibilidade de tutela de urgência. Dado que as demandas de saúde geralmente envolvem risco de perecimento do direito e dano irreparável, o advogado deve estar apto a demonstrar, liminarmente, a probabilidade do direito e o perigo de dano. A documentação médica deve ser clara quanto à urgência e às consequências da não utilização do fármaco pleiteado.

O Impacto Financeiro e o Equilíbrio Contratual

As operadoras de saúde frequentemente alegam que a cobertura ilimitada de medicamentos fora do rol causaria desequilíbrio econômico-financeiro do contrato, colocando em risco a mutualidade do sistema. Este é um argumento que deve ser combatido com cautela e técnica. Embora o equilíbrio atuarial seja importante, ele não pode se sobrepor ao direito fundamental à vida e à saúde, nem servir de escudo para práticas abusivas.

O Poder Judiciário tem ponderado que o risco do negócio é da operadora. Ao calcular os prêmios e mensalidades, as empresas devem considerar a evolução tecnológica da medicina. Não se pode transferir ao consumidor o ônus da defasagem das listas administrativas da ANS, que muitas vezes demoram anos para incorporar tecnologias já consolidadas na prática médica mundial.

Ademais, a Lei 14.454/2022 trouxe um equilíbrio razoável ao exigir evidências científicas. Isso impede o custeio de tratamentos charlatanescos ou puramente experimentais sem base sólida, protegendo o fundo mútuo, mas garantindo que o paciente tenha acesso ao que há de mais moderno e eficaz para sua condição, desde que cientificamente validado.

O advogado deve, portanto, antecipar-se a essa defesa da operadora. Em réplica ou mesmo na inicial, é prudente demonstrar que o tratamento, embora custoso, pode ser mais efetivo e evitar complicações futuras que seriam ainda mais onerosas para o plano de saúde, como internações prolongadas ou cirurgias complexas decorrentes do agravamento da doença.

Considerações sobre o Ônus da Prova

Nas ações que envolvem direito à saúde e relação de consumo, a inversão do ônus da prova é um instituto de grande relevância. Cabe à operadora comprovar que o tratamento solicitado não possui eficácia científica ou que existe outra alternativa terapêutica constante no rol da ANS que seja igualmente eficaz e segura para o caso concreto.

Se a operadora não conseguir demonstrar que o tratamento padrão (do rol) é suficiente para a cura ou controle da doença do paciente, a negativa torna-se insustentável. Muitas vezes, o paciente já tentou as terapias convencionais sem sucesso (falha terapêutica), e o medicamento extrarrol surge como a única opção viável. Documentar esse histórico clínico é vital para o êxito da demanda.

O magistrado, ao analisar o caso, muitas vezes se valerá do Núcleo de Apoio Técnico do Judiciário (NATJUS) para obter uma nota técnica sobre o medicamento. O advogado deve estar preparado para impugnar notas técnicas desfavoráveis, apresentando assistentes técnicos ou literatura médica atualizada que contraphaça eventuais conclusões conservadoras do NATJUS.

A advocacia na área da saúde exige uma postura proativa e multidisciplinar. A complexidade das normas da ANS, aliada à constante evolução da medicina, requer que o profissional do direito esteja em permanente atualização. A defesa intransigente do direito à saúde passa pelo domínio da lei, da jurisprudência e da bioética.

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Insights sobre o Custeio de Medicamentos Extrarrol

A superação do rol da ANS deixou de ser apenas uma construção jurisprudencial para se tornar um direito positivado, desde que respeitados os critérios de evidência científica. O ponto focal não é mais a lista em si, mas a eficácia do tratamento.

A negativa baseada exclusivamente na ausência do medicamento no rol da ANS é frágil diante da Lei 14.454/2022. O advogado deve focar na comprovação da “medicina baseada em evidências”.

O registro na ANVISA é um divisor de águas. Sem ele, a obrigação de custeio pelo plano de saúde é praticamente nula, salvo exceções raríssimas de importação autorizada em casos de mora da agência.

A prescrição médica detalhada é a prova rainha. O relatório médico deve justificar não apenas a necessidade do medicamento, mas a inadequação ou ineficácia das alternativas listadas no rol, se houver.

Danos morais em negativas de saúde têm caráter punitivo-pedagógico. A jurisprudência tende a condenar operadoras que negam tratamentos de urgência ou para doenças graves, visando desestimular a prática de negativas automáticas.

Perguntas e Respostas

1. O que mudou com a Lei 14.454/2022 em relação ao Rol da ANS?
A lei estabeleceu que o Rol da ANS é uma referência básica, mas não taxativa. Isso significa que tratamentos fora da lista devem ser cobertos pelos planos de saúde, desde que haja comprovação de eficácia científica ou recomendação de órgãos internacionais de renome, além do registro na ANVISA.

2. O plano de saúde pode negar medicamento de uso domiciliar?
Em regra, os planos excluem medicamentos domiciliares. No entanto, o STJ entende que, se o medicamento for antineoplásico (para câncer) ou essencial para o tratamento de uma doença coberta, evitando a internação ou garantindo a continuidade da terapia, a negativa pode ser considerada abusiva.

3. É necessário esgotar as vias administrativas na ANS antes de processar o plano?
Não. O princípio da inafastabilidade da jurisdição garante o acesso ao Judiciário independentemente do esgotamento da via administrativa. Contudo, é fundamental ter a negativa formal da operadora (por escrito ou protocolo de atendimento) para comprovar o interesse de agir.

4. O que é o uso “off-label” e o plano deve cobrir?
Uso “off-label” é a utilização de um medicamento para uma finalidade diferente daquela prevista na bula original. A jurisprudência majoritária entende que, se há justificativa médica e base científica para o uso, o plano não pode negar a cobertura sob o argumento de ser off-label, pois isso seria interferência na conduta médica.

5. Como agir se o juiz pedir uma nota técnica do NATJUS?
O NATJUS é um órgão consultivo. Se a nota for desfavorável, o advogado deve impugná-la apresentando laudos do médico assistente, estudos científicos atualizados e evidências de que o caso concreto possui particularidades não observadas na análise técnica genérica.

Aprofunde seu conhecimento sobre o assunto na Wikipedia.

Acesse a lei relacionada em Lei nº 14.454/2022

Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-19/plano-deve-custear-remedio-para-alzheimer-fora-do-rol-da-ans/.

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