A Tutela Penal da Fauna e as Nuances da Competência na Justiça Militar
A proteção jurídica dos animais no Brasil atravessou uma mudança paradigmática na última década, evoluindo de uma visão antropocêntrica para o reconhecimento da dignidade animal. A Constituição Federal de 1988 já vedava a crueldade, mas a materialização dessa proteção na esfera penal apresenta desafios técnicos complexos, especialmente quando ocorre o conflito de competência com a jurisdição castrense.
Para a advocacia criminal, o ponto nevrálgico não é apenas a tipicidade da conduta, mas o juízo natural. A interseção entre o Direito Ambiental e o Direito Militar exige domínio das normas extravagantes e uma interpretação sistemática do Código Penal Militar (CPM). Profissionais que buscam excelência nessa área podem encontrar alicerce teórico no curso sobre a Lei de Crimes Ambientais.
A Lei Sansão e a Desproporcionalidade Sistêmica
O crime de maus-tratos (art. 32 da Lei 9.605/98) sofreu alteração profunda com a Lei 14.064/2020 (Lei Sansão), que criou uma qualificadora para cães e gatos, elevando a pena para reclusão de dois a cinco anos. Embora reflita o clamor social, essa mudança gerou uma incongruência sistêmica que a defesa técnica deve explorar.
Hoje, a pena mínima para maus-tratos a um cão é superior à de crimes contra a vida humana, como o homicídio culposo, ou crimes contra o patrimônio, como o furto simples. No ambiente da Justiça Militar, onde os julgadores (Conselhos de Justiça) lidam cotidianamente com riscos à vida e à segurança nacional, essa disparidade pode gerar perplexidade.
O advogado deve estar preparado para sustentar teses sobre a proporcionalidade e a culpabilidade perante um Conselho que, muitas vezes, tenderá a comparar a gravidade da conduta contra o animal com as severas punições disciplinares da caserna.
A Ampliação da Competência: Lei 13.491/2017
A Lei 13.491/2017 operou uma verdadeira revolução ao alterar o inciso II do artigo 9º do CPM. Antes, a Justiça Militar julgava apenas crimes estritamente militares. Agora, qualquer crime previsto na legislação penal comum — incluindo os ambientais — torna-se crime militar por extensão se praticado nas hipóteses legais (por militar em serviço, em lugar sujeito à administração militar, etc.).
Contudo, é vital fazer uma distinção que muitos operadores ignoram: a diferença entre a Justiça Militar da União (JMU) e a Justiça Militar Estadual (JME).
- Justiça Militar da União: Pode julgar civis que cometam crimes contra as instituições militares federais (Exército, Marinha, Aeronáutica).
- Justiça Militar Estadual: Por força da competência constitucional e da Súmula 53 do STJ, não julga civis. Um civil que maltrata um animal dentro de um quartel da Polícia Militar responde na Justiça Comum.
O Critério Ratione Loci e a Defesa Técnica
O conceito de “lugar sujeito à administração militar” (art. 9º, II, “b”, CPM) é tradicionalmente o critério definidor de competência. Se o crime ocorre no quartel, a competência seria militar. Todavia, a advocacia de ponta não deve aceitar essa premissa automaticamente.
Existe uma forte corrente defensiva, com ressonância nos Tribunais Superiores, que exige não apenas a presença geográfica, mas a vulneração da regularidade das instituições militares. Se um militar maltrata seu próprio animal dentro de uma Vila Militar (residência funcional) em seu dia de folga, a defesa pode arguir a incompetência da Justiça Militar, sustentando que o ato é de natureza privada e não ofendeu o serviço ou a disciplina militar, deslocando o feito para a Justiça Comum.
Dominar essas teses é essencial. O curso de Pós-Graduação em Direito Militar aprofunda justamente essas controvérsias jurisprudenciais que definem o destino do processo.
O Escabinato e a Dinâmica do Julgamento
O julgamento na Justiça Militar (para praças e oficiais até certo posto) ocorre via escabinato: Conselhos de Justiça formados por um juiz togado e quatro oficiais militares. Essa composição mista altera drasticamente a estratégia de defesa.
Diferente do júri popular ou do juiz singular, aqui temos julgadores técnicos e leigos, mas hierarquizados. Há o risco da “contaminação hierárquica” ou do julgamento moral. Em casos de crimes ambientais, oficiais podem julgar com base no “pundonor militar” e na imagem da Força, sendo mais rigorosos que a lei exige. A defesa deve saber isolar a conduta jurídica da pressão corporativa, demonstrando tecnicamente a ausência de dolo ou a insuficiência probatória, sem afrontar os valores da caserna.
Investigação e Consequências
A investigação ocorre via Inquérito Policial Militar (IPM), presidido por oficial, com prazos e ritos próprios. A condenação, além da pena privativa de liberdade, pode acarretar efeitos secundários devastadores, como a expulsão.
Para a advocacia, atuar nesses casos exige uma visão holística: combater a pena criminal enquanto se prepara o terreno para os processos administrativos demissionários que virão a reboque.
Insights Estratégicos
- Dicotomia de Competência: Jamais confunda a competência da Justiça Militar da União com a Estadual. Civis nunca são julgados pela Justiça Militar Estadual (Súmula 53 STJ).
- Tese da Vulneração: Não aceite o critério geográfico (lugar do crime) como absoluto. Verifique se houve real ofensa ao serviço ou à instituição militar para questionar a competência.
- Disparidade de Penas: Utilize a desproporcionalidade da Lei Sansão comparada a crimes contra a vida para trabalhar a dosimetria e a culpabilidade no Conselho de Justiça.
- Viés do Julgador: Lembre-se que os juízes militares julgam sob a ótica da disciplina. A defesa deve ser técnica para evitar que o julgamento se torne uma punição moral.
Perguntas e Respostas
1. O que caracteriza um crime militar por extensão?
São crimes previstos na legislação penal comum (como a Lei de Crimes Ambientais) que, embora não tipificados originalmente no Código Penal Militar, atraem a competência castrense quando praticados nas hipóteses do artigo 9º do CPM (ex: por militar em serviço ou em lugar sob administração militar), por força da Lei 13.491/17.
2. A Justiça Militar é competente para julgar civis que cometem crimes ambientais em área militar?
Depende da esfera. A Justiça Militar da União pode julgar civis que cometam crimes contra as instituições das Forças Armadas. Já a Justiça Militar Estadual (PM e Bombeiros) não possui competência para julgar civis, conforme a Súmula 53 do STJ. Nesse caso, o civil responderá na Justiça Comum.
3. Qual a diferença na pena de maus-tratos para cães/gatos e outros animais?
Para a maioria dos animais, a pena é de detenção de 3 meses a 1 ano. Para cães e gatos, a Lei Sansão (Lei 14.064/20) impõe reclusão de 2 a 5 anos, proibição de guarda e multa, impedindo benefícios como a transação penal.
4. Quem conduz a investigação de um crime ambiental ocorrido dentro de um quartel?
Em regra, instaura-se um Inquérito Policial Militar (IPM), presidido por um oficial designado pela autoridade militar competente. A Polícia Civil ou Federal atua apenas se o crime for de competência da Justiça Comum.
5. O militar condenado por crime ambiental pode ser expulso da corporação?
Sim. Além da pena criminal, a condenação pode ensejar processos administrativos específicos, como o Conselho de Justificação (para oficiais) ou Conselho de Disciplina (para praças), visando julgar a capacidade moral do militar de permanecer na ativa, podendo resultar em demissão ou expulsão.
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Acesse a lei relacionada em Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-06/stm-mantem-condenacao-de-oficial-que-maltratou-cachorro/.