O Direito à Saúde no Sistema Prisional: Procedimentos Legais para Tratamento Médico Externo
A garantia da integridade física e moral do indivíduo sob custódia do Estado representa um dos pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito. Quando a liberdade de locomoção é cerceada por uma ordem judicial, seja em caráter provisório ou definitivo, o Estado assume a posição de garantidor imediato dos direitos fundamentais daquele cidadão, com destaque absoluto para o direito à saúde.
A complexidade do sistema carcerário muitas vezes impõe desafios logísticos e estruturais que impedem a prestação de assistência médica adequada dentro dos estabelecimentos penais. É neste cenário que surge a necessidade jurídica de mecanismos que autorizem o deslocamento do custodiado para a realização de procedimentos cirúrgicos, exames complexos ou tratamentos contínuos em ambiente hospitalar extramuros.
Para os profissionais da advocacia, compreender as nuances da Lei de Execução Penal (LEP) e os dispositivos constitucionais que regem a matéria é essencial. Não se trata apenas de um pedido de benefício, mas da exigência do cumprimento de um dever estatal indeclinável. A atuação técnica exige precisão para diferenciar institutos jurídicos que, embora parecidos aos olhos leigos, possuem naturezas e requisitos totalmente distintos.
Aprofundar-se no estudo da execução penal é vital para manejar corretamente os pedidos de assistência médica. O advogado deve saber demonstrar a imprescindibilidade da medida e a incapacidade do ente estatal em prover o serviço intramuros. Para dominar essa área, o estudo contínuo é indispensável, como o oferecido na Pós-Graduação em Tribunal do Júri e Execução Penal, que aborda detalhadamente as prerrogativas do apenado.
A Fundamentação Constitucional e o Dever de Custódia
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, XLIX, assegura aos presos o respeito à integridade física e moral. Este dispositivo deve ser lido em consonância com o artigo 196, que estabelece a saúde como direito de todos e dever do Estado. A privação da liberdade não implica, em hipótese alguma, a privação do direito à vida ou à saúde digna.
O conceito de dever de custódia implica que, ao retirar o indivíduo do convívio social e colocá-lo sob sua tutela direta, o Estado se torna responsável por qualquer agravo à sua saúde que pudesse ser evitado. A omissão estatal no fornecimento de tratamento médico pode ensejar, inclusive, a responsabilidade civil objetiva do Estado, conforme entendimento pacificado nos tribunais superiores.
Portanto, a autorização para tratamento externo não é uma concessão graciosa do Poder Judiciário ou da administração penitenciária. Trata-se do cumprimento estrito da legalidade constitucional. O advogado, ao peticionar, deve fundamentar seu pleito na dignidade da pessoa humana, demonstrando que a manutenção do cárcere sem a devida assistência médica configura pena cruel e degradante, vedada pela Constituição.
Assistência à Saúde na Lei de Execução Penal
A Lei nº 7.210/84, conhecida como Lei de Execução Penal (LEP), dedica uma seção específica à assistência, que é dever do Estado e objetivo da execução penal para prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. O artigo 11 da LEP elenca a assistência à saúde como um dos direitos básicos do preso.
O artigo 14 da mesma lei detalha que essa assistência compreende o atendimento médico, farmacêutico e odontológico. É crucial notar que a lei determina que esse atendimento tenha caráter preventivo e curativo. Ou seja, o Estado não deve atuar apenas quando a doença já está instalada ou em estágio avançado; deve também prover meios para exames de rotina e prevenção.
Quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a assistência médica necessária, o parágrafo 2º do artigo 14 é taxativo: esta assistência será prestada em outro local, mediante autorização da direção do estabelecimento. Aqui reside o ponto nodal da questão: a insuficiência do aparato estatal interno é o gatilho legal para a autorização do tratamento externo.
Para fundamentar corretamente os pedidos, o conhecimento sólido em Direito Constitucional é uma ferramenta poderosa para o advogado, permitindo a construção de teses que vinculam a falha na execução penal à violação de preceitos fundamentais.
Diferenciando Permissão de Saída e Saída Temporária
Um dos erros técnicos mais comuns na prática forense, e que pode custar a saúde do cliente, é a confusão entre os institutos da Permissão de Saída e da Saída Temporária. Embora ambos envolvam o deslocamento do apenado para fora do estabelecimento prisional, possuem requisitos, finalidades e competências de autorização completamente diferentes.
Permissão de Saída (Artigo 120 da LEP)
A Permissão de Saída é o instituto aplicável aos casos de necessidade de tratamento médico. Prevista no artigo 120 da LEP, ela destina-se aos condenados que cumprem pena em regime fechado ou semiaberto, bem como aos presos provisórios. A lei estabelece que a permissão pode ser concedida em caso de falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão, e, crucialmente, para necessidade de tratamento médico (inciso II).
A característica central da Permissão de Saída é que ela ocorre mediante escolta. O preso não sai livremente; ele é conduzido pela polícia penal ou autoridade competente até o local do tratamento e permanece sob vigilância durante todo o procedimento, retornando ao estabelecimento prisional assim que possível.
A competência para autorizar a Permissão de Saída é, em regra, do diretor do estabelecimento prisional. Contudo, na prática, diante de negativas administrativas ou da complexidade do caso (como cirurgias de alto risco ou longa duração), a defesa frequentemente recorre ao Juízo da Execução Penal para suprir a autorização ou determinar a providência.
Não há requisito temporal para a concessão da Permissão de Saída. O preso pode ter ingressado no sistema há um dia ou há dez anos; se houver emergência médica ou necessidade comprovada que a unidade não pode suprir, o direito nasce imediatamente.
Saída Temporária (Artigo 122 da LEP)
Por outro lado, a Saída Temporária, prevista no artigo 122 da LEP, tem finalidade ressocializadora. Ela é destinada apenas aos condenados no regime semiaberto, para visita à família, frequência a cursos ou participação em atividades de reintegração social.
Diferente da Permissão de Saída, a Saída Temporária não possui vigilância direta (escolta), depende de autorização judicial (após ouvido o Ministério Público e a administração penitenciária) e exige o cumprimento de requisitos objetivos (tempo de pena cumprido) e subjetivos (bom comportamento).
Portanto, ao tratar de uma cirurgia ou procedimento médico urgente, o advogado jamais deve fundamentar o pedido no artigo 122, mas sim no artigo 120 e seguintes da LEP. A confusão pode levar ao indeferimento do pedido por inadequação da via eleita ou falta de preenchimento de requisitos temporais que sequer deveriam ser exigidos para questões de saúde.
Procedimentos e Requisitos para o Tratamento Externo
Para obter a autorização de saída para tratamento médico, a defesa deve instruir o pedido com robusta documentação. A mera alegação de doença não é suficiente para movimentar a máquina judiciária ou administrativa, que opera sob a presunção de que o sistema deve fornecer o atendimento básico.
O primeiro passo é a obtenção de laudos médicos atualizados. Se o preso já está sendo atendido pela equipe de saúde da unidade prisional, o prontuário médico interno é documento essencial. Caso o atendimento interno seja precário, a defesa pode requerer a entrada de médico particular para avaliação, um direito que, embora não explícito de forma ampla na letra fria da lei para todos os casos, é amplamente aceito pela jurisprudência com base na ampla defesa e no direito à saúde.
A Prova da Ineficiência Estatal
O ponto crucial da argumentação jurídica é demonstrar a impossibilidade de tratamento no local. O advogado deve provar que a unidade prisional não possui os equipamentos, os especialistas ou a estrutura sanitária necessária para o procedimento específico.
Em casos de cirurgias, deve-se demonstrar que o pós-operatório exige cuidados que uma cela comum ou a enfermaria da penitenciária não podem oferecer, sob risco de infecção generalizada ou falha na recuperação. A jurisprudência dos tribunais superiores tem sido sensível a argumentos que detalham o risco de vida ou de sequelas permanentes caso o tratamento não seja realizado em ambiente hospitalar adequado.
Médico Particular e Custos
Uma questão recorrente envolve o custeio do tratamento. Quando o Estado não pode fornecer o tratamento na rede pública em tempo hábil, e o preso possui meios para custear tratamento na rede privada, os tribunais têm deferido a transferência para hospitais particulares, desde que mantida a escolta policial.
Nestes casos, todas as despesas médicas, hospitalares e de transporte (se não realizado pela viatura oficial) correm por conta do apenado ou de sua família. O Estado mantém apenas a responsabilidade pela segurança (escolta), garantindo que a saída para tratamento não se torne uma oportunidade de fuga.
A Prisão Domiciliar Humanitária
Existem situações em que a gravidade do quadro clínico é tamanha que nem mesmo a Permissão de Saída para ir e vir do hospital é suficiente. Nesses cenários extremos, a defesa deve avaliar a possibilidade de requerer a conversão da prisão preventiva ou a alteração do regime de cumprimento de pena para a Prisão Domiciliar Humanitária.
O artigo 117 da LEP prevê o recolhimento em residência particular para beneficiários do regime aberto, mas a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estendeu essa possibilidade para presos em regime fechado ou semiaberto em situações excepcionais.
Para isso, é necessário comprovar cumulativamente:
1. A existência de doença grave;
2. A necessidade de tratamento contínuo que não pode ser ministrado no estabelecimento prisional;
3. A impossibilidade de o Estado prover a assistência adequada, mesmo com saídas esporádicas.
Este é um pedido subsidiário e mais complexo do que a simples autorização para uma cirurgia pontual, exigindo uma demonstração inequívoca de que a permanência no cárcere implica risco real de morte.
O Papel do Juiz da Execução e o Contraditório
Embora a Permissão de Saída (Art. 120) possa ser um ato administrativo do diretor, a intervenção judicial é frequente. Quando o caso chega ao Judiciário, o Juiz da Execução Penal deve equilibrar dois valores constitucionais: o direito à saúde do preso e a segurança da sociedade/execução da pena.
O Ministério Público atua como custos legis e parte na execução, devendo ser ouvido. A defesa deve antecipar as objeções ministeriais, que geralmente focam no risco de fuga ou na desnecessidade do tratamento externo. Por isso, a instrução probatória com laudos periciais e declarações médicas detalhadas é o que define o sucesso do pleito.
É importante ressaltar que a decisão judicial que autoriza a saída para cirurgia não interrompe a contagem do tempo de pena, exceto se houver conversão para uma medida que não seja considerada cumprimento de pena (o que é raro, pois o tempo internado sob escolta conta como pena cumprida, conforme o artigo 42 do Código Penal, detração penal).
Conclusão
A autorização para que um detento deixe a unidade prisional para submeter-se a uma cirurgia ou tratamento médico é um procedimento técnico que exige rigorosa observância legal. Não se trata de regalia, mas da materialização do direito à saúde e da vedação a penas cruéis. Para o advogado criminalista, dominar os artigos 14, 120 e 117 da Lei de Execução Penal, bem como a jurisprudência atualizada dos tribunais superiores, é mandatório para garantir que a pena de privação de liberdade não se converta, ilegalmente, em pena de morte ou de supressão da dignidade física. A atuação diligente neste campo reafirma o papel do advogado como indispensável à administração da justiça e guardião das garantias fundamentais.
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Insights sobre o Tema
A atuação na defesa do direito à saúde de apenados revela a interseção crítica entre o Direito Penal, o Direito Constitucional e o Biodireito. Um insight valioso para a prática é a necessidade de o advogado não se limitar aos argumentos jurídicos. A “linguagem médica” deve ser traduzida para a petição. Muitas vezes, o juiz indefere o pedido por não compreender a urgência ou a complexidade do procedimento descrito apenas tecnicamente pelo médico.
O advogado deve atuar como um “tradutor”, explicando claramente por que aquele procedimento específico não pode ser realizado na enfermaria da prisão. Além disso, a proatividade em sugerir as condições de segurança (como o custeio de escolta privada, se permitido na jurisdição, ou a indicação precisa de datas e horários para facilitar a logística da Polícia Penal) demonstra boa-fé e colaboração com o Juízo, aumentando as chances de deferimento. Outro ponto estratégico é sempre ter laudos de médicos assistentes particulares para contrapor eventuais laudos genéricos emitidos pelo sistema público prisional, criando uma dúvida razoável a favor da saúde do réu.
Perguntas e Respostas
1. A família do preso pode escolher o hospital e o médico para a realização da cirurgia?
Em regra, o tratamento deve ser fornecido pela rede pública (SUS) indicada pela administração penitenciária. No entanto, se o Estado não puder oferecer o tratamento em tempo hábil ou com a especialidade necessária, a jurisprudência admite que o tratamento seja realizado em hospital particular e com médico de confiança, desde que todas as despesas (médicas e hospitalares) sejam custeadas pela família ou pelo próprio preso, mantendo-se a escolta estatal.
2. O tempo que o preso passa internado no hospital conta como pena cumprida?
Sim. Se o preso está internado sob custódia do Estado (com escolta policial ou vigilância), esse período é computado como tempo de pena cumprida, instituto conhecido como detração penal. O entendimento é que ele continua privado de sua liberdade, ainda que em ambiente hospitalar, pois não pode sair de lá livremente.
3. O diretor do presídio pode negar a saída para tratamento médico urgente?
O diretor tem competência administrativa para avaliar questões de segurança e logística, mas não pode negar direito à saúde se houver laudo médico atestando a urgência e a incapacidade de atendimento interno. Caso o diretor negue, cabe ao advogado impetrar pedido diretamente ao Juiz da Execução Penal ou, em casos de manifesta ilegalidade e risco iminente, impetrar Habeas Corpus para garantir a saída imediata.
4. Qual a diferença prática entre Prisão Domiciliar por doença e Permissão de Saída para tratamento?
A Permissão de Saída (Art. 120 LEP) é pontual: o preso sai, realiza o tratamento/cirurgia e retorna ao presídio assim que tiver alta médica. A Prisão Domiciliar (Art. 117 LEP), quando concedida humanitariamente para regimes fechados, é uma medida mais duradoura, aplicada quando a doença é crônica e o tratamento é incompatível com o ambiente carcerário de forma permanente ou por longo prazo.
5. A falta de escolta policial pode impedir a saída do preso para cirurgia agendada?
A alegada falta de viaturas ou efetivo para escolta é um argumento comum da administração pública, mas o Judiciário tem entendido que a deficiência estrutural do Estado não pode prejudicar o direito fundamental à saúde do preso. Nestes casos, o juiz pode determinar a realização da escolta sob pena de responsabilidade, ou autorizar a saída mediante monitoramento eletrônico (tornozeleira) ou compromisso do advogado/família, dependendo da periculosidade do agente e da gravidade da condição médica.
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Acesse a lei relacionada em Lei nº 7.210/84 – Lei de Execução Penal (LEP)
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-19/alexandre-autoriza-bolsonaro-a-deixar-prisao-para-se-submeter-a-cirurgia/.