A Dosimetria da Pena: Entre a Teoria Constitucional e a Realidade das Trincheiras Forenses
A aplicação da sanção penal é o momento culminante da persecução criminal e o ponto onde o Estado exerce seu poder de império de forma mais drástica. Contudo, para o advogado criminalista que atua na prática, encarar a dosimetria apenas como uma “operação aritmética” ou um procedimento técnico neutro é um erro estratégico fatal.
Embora a teoria nos apresente um sistema lógico e escalonado, a realidade dos tribunais revela uma tendência à “tabelização” da justiça, onde magistrados, muitas vezes sobrecarregados, recorrem a fórmulas matemáticas padronizadas que ignoram a necessária análise axiológica da culpabilidade. O Direito Penal moderno opera sob a legalidade estrita, mas a margem de discricionariedade judicial é o terreno onde a defesa técnica precisa atuar com maior vigor para combater automatismos e garantir a verdadeira individualização da pena.
Não basta discutir materialidade e autoria; é imperativo saber debater cada fração de aumento, identificar o bis in idem velado e exigir que a pena doa apenas na medida exata da culpabilidade do agente, e não um milímetro a mais. O advogado que domina a técnica da dosimetria — e suas distorções práticas — pode alterar substancialmente o destino de seu cliente (e o regime de cumprimento de pena).
O Princípio da Individualização e o Risco das Decisões Padronizadas
A Constituição de 1988, no inciso XLVI do artigo 5º, impede a criação de sanções padronizadas. No entanto, o combate à padronização exige vigilância constante. No plano judicial, a fundamentação das decisões não pode ser apenas retórica. Decisões que utilizam termos vagos ou repetem elementos do próprio tipo penal para justificar aumentos são nulas.
Para o profissional que busca não apenas entender a teoria, mas adquirir a “malícia” processual necessária para reverter penas abusivas, a especialização é o caminho. A Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal oferece o arcabouço teórico aliado à visão crítica indispensável para a atuação nos tribunais superiores.
O Campo Minado da Primeira Fase (Art. 59 do CP)
No sistema trifásico de Nelson Hungria, a primeira fase (pena-base) é, frequentemente, um pântano de subjetividades. O artigo 59 elenca oito circunstâncias judiciais, mas a forma como são valoradas merece críticas severas:
- A “Guerra das Frações”: O legislador não definiu quanto vale cada circunstância negativa. A jurisprudência majoritária consolidou a fração de 1/8 sobre o intervalo entre a pena mínima e máxima. Contudo, isso não é lei. Há turmas que aplicam 1/6 sobre o mínimo. A defesa deve lutar sempre pelo critério matemático mais benéfico ao réu no caso concreto, combatendo a postura do “juiz calculadora” que ignora a proporcionalidade.
- Direito Penal do Autor: Vetoriais como “personalidade” e “conduta social” são frequentemente usadas para punir o réu pelo seu “jeito de ser” ou pelo seu passado, e não pelo fato criminoso. A defesa técnica deve exigir laudos interdisciplinares para qualquer valoração negativa de personalidade, impedindo que o juiz atue como psicólogo amador.
- O Bis in Idem Velado: É comum ver sentenças que aumentam a pena-base do tráfico de drogas alegando “motivo de lucro fácil”. Ora, o lucro é inerente ao tipo penal mercantil do tráfico. Utilizá-lo para agravar a pena é uma dupla punição pelo mesmo fato, uma ilegalidade que deve ser combatida via recurso.
Segunda Fase: A Batalha contra a Súmula 231 do STJ
Na segunda fase, enfrentamos um dos maiores dogmas da jurisprudência atual: a Súmula 231 do STJ, que impede a redução da pena abaixo do mínimo legal, mesmo diante de atenuantes genéricas (como a confissão espontânea).
Sob a ótica defensiva, essa súmula é uma aberração jurídica que ignora o comando do artigo 65 do Código Penal (“sempre atenuam a pena”). Na prática, ela cria injustiças patentes: o réu confesso primário recebe a mesma pena do réu que nega o crime, se a pena-base estiver no mínimo. Embora o STF mantenha esse entendimento, o advogado combativo deve continuar arguindo a inconstitucionalidade dessa vedação em preliminar, visando o controle difuso e mantendo a matéria viva para eventuais mudanças jurisprudenciais (overruling).
Atenção à Compensação: A defesa deve estar atenta à compensação integral entre a confissão espontânea e a reincidência. Contudo, é preciso cuidado com a multirreincidência, situação em que o STJ tem entendido que a compensação pode não ser integral, exigindo uma estratégia defensiva específica.
Terceira Fase e a “Quarta Etapa” Esquecida: A Detração
A terceira fase trata das causas de aumento e diminuição, onde a lei permite romper os limites abstratos da pena. Aqui, o advogado deve vigiar a fundamentação das frações variáveis. Conforme a Súmula 443 do STJ, o aumento não pode ser baseado apenas no número de majorantes (critério matemático), mas sim na gravidade concreta (critério qualitativo).
A Detração Penal (Art. 387, §2º, CPP): Muitos textos teóricos encerram a explicação na terceira fase, mas a prática exige um passo além. A Lei 12.736/12 impôs ao juiz o dever de realizar a detração na própria sentença para fins de fixação de regime. O tempo de prisão provisória deve ser descontado da pena final. Isso é crucial: uma pena final de 8 anos (regime fechado) pode se transformar em regime semiaberto se o cliente já cumpriu um ano provisoriamente. Ignorar essa etapa é um erro crasso.
Conclusão: Da Teoria à Estratégia
A dosimetria da pena não é um mapa estático, mas um território hostil onde a liberdade é disputada milimetricamente. O legislador define as regras, mas é o advogado quem fiscaliza se a discricionariedade judicial não se converteu em arbitrariedade ou automatismo.
Dominar essas nuances — saber quando brigar pela fração de 1/8 ou 1/6, como identificar o bis in idem disfarçado na fundamentação e como aplicar a detração para alterar o regime — é o que separa o teórico do estrategista. Para quem busca excelência e resultados práticos na defesa de seus constituintes, a Pós em Advocacia Criminal é o caminho indicado para adquirir as competências de um especialista de alto nível, pronto para enfrentar as complexidades reais do sistema penal.
Insights para a Prática
- Não aceite a “matemática” cega: A pena é retribuição de culpabilidade, não uma conta de somar. Questione frações sem fundamentação concreta.
- Combata a Súmula 231: Mesmo que os tribunais resistam, mantenha a tese da inconstitucionalidade ativa em seus recursos.
- A Detração muda o jogo: Nunca analise o regime inicial de cumprimento de pena sem antes descontar o tempo de prisão provisória.
Perguntas e Respostas Práticas
1. O juiz pode fixar a pena-base acima do mínimo legal com base apenas na gravidade abstrata do crime?
Não. A gravidade abstrata já foi considerada pelo legislador. A defesa deve recorrer se o aumento não for baseado em elementos concretos que demonstrem maior reprovabilidade (ex: dolo excessivo, consequências que extrapolam o tipo).
2. Como combater o uso de inquéritos policiais como “maus antecedentes”?
Utilize a Súmula 444 do STJ. É vedado usar inquéritos e ações em curso para agravar a pena-base. Isso viola a presunção de inocência.
3. A confissão espontânea sempre anula a reincidência?
Em regra, sim, opera-se a compensação integral. Porém, a defesa deve ter cuidado redobrado em casos de multirreincidência, onde a jurisprudência tem sido mais rigorosa, muitas vezes negando a compensação total.
4. O que fazer se o juiz ignorar a detração na sentença?
Se o juiz fixar o regime inicial sem descontar o tempo de prisão provisória (art. 387, §2º, CPP), a defesa deve opor Embargos de Declaração para sanar a omissão ou buscar a correção via Apelação, pois isso pode significar a diferença entre o regime fechado e o semiaberto.
Aprofunde seu conhecimento sobre o assunto na Wikipedia.
Acesse a lei relacionada em Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940)
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-12/o-pl-da-dosimetria-e-os-limites-constitucionais-do-legislador-penal/.