Critérios legais e metodológicos na apuração de haveres: uma visão estratégica além do básico
A saída de um sócio transcende a formalidade contratual; é um evento de estresse corporativo com profundas repercussões patrimoniais. Para o advogado empresarial, o ponto nevrálgico reside na apuração de haveres. Este procedimento visa quantificar o valor da participação do sócio retirante (reembolso), mas a prática forense revela um campo minado onde a contabilidade e o direito se chocam.
A advocacia de excelência não pode se limitar à leitura superficial da lei. É necessário compreender a tensão entre a autonomia da vontade e a vedação ao enriquecimento sem causa, especialmente sob a ótica da Lei da Liberdade Econômica. O desafio é alinhar a expectativa financeira do cliente com a rigorosa realidade dos precedentes do STJ sobre metodologias de avaliação e termos iniciais de juros.
O Código de Processo Civil de 2015 refinou o procedimento, mas a complexidade técnica reside na “caixa preta” da perícia contábil: qual balanço utilizar, como mensurar o fundo de comércio sem projetar lucros futuros indevidos e, crucialmente, como precificar o passivo oculto.
A força do contrato social e a Lei da Liberdade Econômica
Historicamente, o Judiciário brasileiro intervinha com frequência em cláusulas de apuração de haveres consideradas injustas. No entanto, o cenário mudou. O princípio da autonomia da vontade, reforçado pela Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019) e pelo Art. 421-A do Código Civil, impõe uma presunção de paridade e simetria nos contratos empresariais.
Antes de pleitear a aplicação do balanço de determinação, o operador do Direito deve exaurir a análise do contrato social. O artigo 1.031 do Código Civil é supletivo. Se o contrato define uma metodologia clara (ex: valor patrimonial contábil, múltiplos de EBITDA ou fluxo de caixa descontado pré-fixado), a defesa da sociedade deve lutar pela manutenção do pacta sunt servanda.
Anular uma cláusula de apuração hoje exige mais do que alegar que o valor é baixo; exige provar vício de vontade ou desproporção manifesta que afronte a função social do contrato. O advogado deve estar preparado para defender a literalidade do contrato se estiver pelo lado da sociedade, ou construir uma tese robusta de enriquecimento sem causa se estiver pelo sócio retirante.
O Balanço de Determinação: reavaliando ativos e, principalmente, passivos
Na ausência de estipulação contratual válida, a regra é o balanço de determinação. Diferente dos balanços fiscais baseados no custo histórico, este balanço simula uma liquidação na data-base da saída.
O erro comum é focar apenas na valorização dos ativos (imóveis que valem milhões no mercado e estão contabilitzados por centavos). Uma estratégia de defesa eficaz deve olhar com igual rigor para o Passivo. O balanço de determinação deve trazer a valor presente não apenas as dívidas registradas, mas também as contingências (passivos ocultos).
- Riscos trabalhistas prováveis;
- Passivos ambientais latentes;
- Contingências tributárias não provisionadas.
Ignorar essas provisões infla artificialmente o valor da quota, prejudicando a sociedade que permanece com o risco. Aprofundar-se nessas nuances contábeis é vital. Profissionais que desejam dominar essas estruturas podem se beneficiar de uma Pós-Graduação em Direito Societário, que oferece o ferramental técnico para lidar com essas disputas.
A polêmica do Fundo de Comércio e o uso do Fluxo de Caixa Descontado
Um dos pontos de maior litigiosidade é o fundo de comércio (goodwill). A jurisprudência do STJ (REsp 1.335.619/SP) consolidou que o intangível deve integrar a apuração. A controvérsia reside na metodologia.
É crucial fazer uma distinção técnica que muitos advogados perdem:
- Fluxo de Caixa Descontado (FCD) como método de avaliação da empresa (Valuation): O STJ tende a rejeitar o FCD puro como substituto do balanço de determinação, pois ele projeta lucros futuros que, em tese, o sócio retirante não ajudará a construir.
- FCD como ferramenta auxiliar para cálculo do Intangível: Para apurar o valor do fundo de comércio *dentro* do balanço de determinação, metodologias como o Método do Lucro em Excesso (Excess Earnings Method) ou o Método Holístico são aceitas. Elas usam projeções para isolar o valor da marca e da clientela já consolidadas na data da saída.
O advogado deve saber que não se trata de pagar pelos lucros de 10 anos à frente, mas de remunerar a capacidade de geração de caixa que o sócio ajudou a criar e que permanece na empresa.
Data-base e o marco temporal dos Juros de Mora
A fixação da data-base (art. 605 do CPC) é o corte avaliativo.
- Retirada imotivada: 60 dias após a notificação;
- Exclusão/Justa causa: Trânsito em julgado da dissolução (ou data da liminar);
- Morte: Data do óbito.
Porém, o grande impacto financeiro na condenação costuma vir dos juros de mora. Diferente da correção monetária (que incide desde a data-base para recompor a moeda), os juros de mora não contam necessariamente da citação.
A jurisprudência majoritária entende que, na apuração de haveres, os juros moratórios incidem apenas a partir do término do prazo para pagamento (geralmente 90 dias após a liquidação da sentença). Pedir juros desde a citação inicial pode gerar sucumbência desnecessária para o cliente. Dominar essa cronologia é essencial para o cálculo do risco da demanda.
O procedimento judicial e a prova pericial
A Ação de Dissolução Parcial possui caráter dúplice e duas fases distintas: o reconhecimento do direito e a liquidação de sentença. É na liquidação que a batalha real acontece, protagonizada pela prova pericial.
O juiz, leigo em engenharia de avaliações, tenderá a acolher o laudo. Portanto, a atuação do advogado na formulação de quesitos e, indispensavelmente, na indicação de um assistente técnico qualificado, é determinante. A impugnação ao laudo não pode ser genérica; deve apontar desvios das normas técnicas (como o CPC 15 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis) ou falhas na taxa de depreciação e no WACC (Custo Médio Ponderado de Capital) utilizado.
Pagamento e Responsabilidade
O artigo 1.031, § 2º do Código Civil prevê o pagamento em dinheiro em 90 dias, salvo estipulação contratual. Aqui, novamente, o contrato tem peso. Contudo, o princípio da preservação da empresa pode levar o juiz a parcelar o débito, mesmo sem previsão, caso o pagamento à vista implique insolvência.
Quanto à responsabilidade, o art. 1.032 do CC mantém o ex-sócio vinculado às obrigações sociais anteriores por dois anos após a averbação. Isso reforça a necessidade de, na apuração, provisionar corretamente os passivos, para evitar que o sócio receba seus haveres “limpos” e depois tenha que responder por dívidas antigas com seu patrimônio pessoal.
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Reflexos tributários estratégicos
O recebimento de haveres gera ganho de capital tributável (Imposto de Renda) sobre a diferença entre o valor recebido e o custo de aquisição da quota. O planejamento tributário deve ocorrer antes do ajuizamento ou do acordo.
Muitas vezes, em negociações extrajudiciais, a estrutura do pagamento (ex: dividendos distribuídos vs. compra de quotas pela tesouraria) pode alterar a eficiência fiscal da operação para ambas as partes.
Insights práticos para o advogado
- Contrato é Lei: Com a Lei da Liberdade Econômica, derrubar metodologias contratuais de apuração (mesmo que baseadas em valor patrimonial contábil) ficou mais difícil. A presunção é de paridade.
- Defesa da Sociedade: Foque na auditoria do passivo. Contingências trabalhistas e fiscais devem reduzir o valor a ser pago ao sócio retirante.
- Juros de Mora: Atenção ao termo inicial. Em regra, não correm da citação, mas sim da data em que o valor se torna líquido e exigível (após a perícia/prazo de pagamento).
- Assistente Técnico: Em casos de alto valor, é impossível atuar sem um perito assistente para contestar as premissas de avaliação do perito judicial.
Perguntas e Respostas
1. O contrato social pode prever valor de quota inferior ao de mercado (ex: valor patrimonial contábil)?
Sim. Com o advento da Lei da Liberdade Econômica e a nova redação do art. 421-A do Código Civil, o Judiciário tem respeitado mais a autonomia da vontade em contratos empresariais, reduzindo a anulação automática de cláusulas que antes eram vistas como leoninas, salvo comprovação de vício de consentimento.
2. O que difere o Balanço de Determinação do Balanço Contábil comum?
O balanço comum segue regras fiscais e baseia-se no custo histórico (valor de compra). O Balanço de Determinação é uma simulação de liquidação na data da saída: ele reavalia os ativos a preço de mercado (mark-to-market) e deve incluir ativos intangíveis (fundo de comércio) e passivos ocultos (contingências) para refletir a riqueza real.
3. Como ficam os juros na apuração de haveres?
A correção monetária incide desde a data-base da saída. Já os juros de mora, segundo jurisprudência dominante do STJ, incidem apenas após o transcurso do prazo para pagamento fixado na sentença de liquidação, e não da citação inicial, evitando encargos excessivos sobre um valor que ainda não era líquido.
4. O fundo de comércio é calculado projetando lucros futuros?
Sim e não. Para apurar o valor do fundo de comércio (intangível) na data da saída, utilizam-se métodos como o fluxo de caixa descontado ou lucro em excesso, mas apenas para mensurar o valor presente desse ativo intangível já consolidado. Isso não se confunde com pagar ao sócio retirante “salários futuros” ou participação em lucros que ele não ajudará a construir.
5. O sócio que sai pode exigir bens da empresa como pagamento?
Em regra, não. O Código Civil estabelece o pagamento em dinheiro. A dação em pagamento (entrega de bens, imóveis ou estoque) depende de acordo expresso entre as partes ou previsão no contrato social.
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Acesse a lei relacionada em Código Civil (Lei nº 10.406/2002)
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-05/criterio-legal-para-a-apuracao-de-haveres/.