O Ativismo Judicial e os Limites da Jurisdição Trabalhista: Entre a Proteção Social e a Livre Iniciativa
O Direito do Trabalho brasileiro vive um momento de intensa tensão hermenêutica. De um lado, encontram-se os princípios protetivos que fundaram a Justiça Especializada, calcados na hipossuficiência do trabalhador e na dignidade da pessoa humana. Do outro, emergem os princípios constitucionais da livre iniciativa e da legalidade estrita, que buscam impor limites à atuação do Poder Judiciário. O fenômeno que observamos, muitas vezes denominado de ativismo judicial, levanta questões profundas sobre até onde o magistrado pode ir na sua “vontade” de promover justiça social, especialmente quando essa atuação tangencia a redistribuição de renda e a gestão de políticas de saúde privada via sentença.
Para o advogado e o jurista atento, compreender essa dinâmica não é apenas uma questão acadêmica, mas uma necessidade prática de sobrevivência forense. As decisões que impõem obrigações de fazer ou não fazer, muitas vezes sem lastro direto na lei infraconstitucional, baseiam-se em uma interpretação extensiva da Constituição Federal. É o que a doutrina chama de eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Contudo, a segurança jurídica depende da previsibilidade das decisões, e o alargamento excessivo da competência jurisdicional pode gerar um ambiente de incerteza econômica e normativa.
A Tensão Constitucional: Livre Iniciativa versus Valor Social do Trabalho
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, incisos III e IV, estabelece como fundamentos da República a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Não há hierarquia expressa entre estes princípios, o que exige do intérprete um exercício complexo de ponderação. O problema surge quando a Justiça do Trabalho, no afã de proteger o primeiro (trabalho), acaba por esvaziar o conteúdo essencial do segundo (livre iniciativa).
A livre iniciativa, prevista também no artigo 170 da Carta Magna, não é apenas a liberdade de abrir um negócio, mas a autonomia para geri-lo, assumindo os riscos e colhendo os resultados. Quando o Judiciário intervém na gestão da empresa, determinando como recursos devem ser alocados para “distribuir renda” além do pactuado ou impor custeio de saúde fora dos limites contratuais e legais, há uma potencial violação da separação de poderes. O juiz, ao atuar como legislador positivo, cria obrigações que o legislador eleito não previu, alterando o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.
Essa atuação expansiva fundamenta-se, muitas vezes, no conceito de função social da empresa. Embora legítimo, esse conceito não é um cheque em branco para o dirigismo estatal via judicial. A função social deve ser exercida dentro dos limites da lei. Para o profissional do Direito, dominar essa discussão principiológica é essencial. Entender as nuances do Direito Constitucional Material do Trabalho permite construir teses defensivas mais robustas, capazes de dialogar com as instâncias superiores e questionar decisões que, sob o manto da proteção, ferem a legalidade.
O Fenômeno da “Criação” de Direito na Justiça Especializada
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), especialmente após a Reforma Trabalhista de 2017, trouxe em seu artigo 8º, § 2º, uma vedação expressa: Súmulas e outros enunciados de jurisprudência não podem restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam em lei. Este dispositivo foi uma resposta legislativa clara a uma tendência jurisprudencial de criar “novos direitos” por meio de interpretação.
No entanto, a prática forense demonstra que a aplicação desse dispositivo ainda enfrenta resistências. Observa-se a imposição de indenizações por danos morais coletivos em valores exorbitantes, com caráter punitivo-pedagógico que, por vezes, aproxima-se de uma sanção penal ou administrativa, sem a devida tipicidade legal. Da mesma forma, a extensão de benefícios de saúde ou a manutenção de planos assistenciais em condições não previstas em lei ou convenção coletiva reflete essa vontade de “distribuir saúde” via caneta judicial.
Essa postura, embora moralmente justificável sob a ótica da solidariedade, carece de legitimidade democrática e orçamentária. O Judiciário não possui a expertise econômica nem a responsabilidade política de gerir os impactos macroeconômicos de suas decisões. Ao impor custos imprevistos às empresas, sob o argumento de justiça distributiva, corre-se o risco de inviabilizar a própria fonte de trabalho, gerando o efeito reverso: desemprego e precarização.
Responsabilidade Civil e a Expansão do Nexo Causal
Um campo fértil para esse ativismo é a responsabilidade civil do empregador. A teoria do risco, prevista no artigo 927 do Código Civil, tem sido aplicada de forma cada vez mais ampla na esfera trabalhista. O nexo causal entre trabalho e doença é, por vezes, presumido ou estabelecido com base em critérios flexíveis de concausalidade. Isso transforma o empregador em um segurador universal da saúde do trabalhador, desvirtuando a natureza do contrato de trabalho, que é de atividade, e não de garantia integral da integridade biológica em face de todos os infortúnios da vida.
É crucial que o operador do direito saiba distinguir responsabilidade subjetiva (regra geral, dependente de dolo ou culpa) da objetiva (exceção para atividades de risco). A banalização do dano existencial e a conversão de problemas de gestão pública de saúde em ônus para a iniciativa privada são sintomas de um sistema que busca, no processo judicial, a solução para déficits estatais.
O advogado deve estar preparado para combater a utilização de conceitos jurídicos indeterminados como ferramentas de discricionariedade judicial excessiva. A defesa técnica exige a produção de provas periciais robustas e a invocação constante da segurança jurídica e da vedação ao enriquecimento sem causa.
A Reação do Supremo Tribunal Federal (STF)
A tensão entre as decisões da Justiça do Trabalho e a ordem constitucional econômica tem levado a um número recorde de Reclamações Constitucionais perante o Supremo Tribunal Federal. A Corte Suprema tem, reiteradamente, cassado decisões da Justiça Especializada que negam vigência a contratos civis lícitos ou que expandem indevidamente a competência trabalhista.
Casos envolvendo a terceirização (ADPF 324 e Tema 725) e as novas formas de trabalho por meio de plataformas digitais são exemplos claros. O STF tem reafirmado que a Justiça do Trabalho não pode, sob o pretexto de proteger o trabalhador, ignorar a validade de outros modelos contratuais previstos no ordenamento jurídico civil e comercial. A “vontade de distribuir renda” do juiz do trabalho encontra, portanto, um limite intransponível na jurisprudência da Corte Constitucional, que privilegia a autonomia da vontade e a mínima intervenção estatal nas relações privadas, conforme preconizado na Lei da Liberdade Econômica.
O Papel da Análise Econômica do Direito
Uma ferramenta moderna e indispensável para compreender e argumentar nesses casos é a Análise Econômica do Direito (Law and Economics). Esta disciplina ensina que decisões judiciais geram incentivos. Se o Judiciário pune excessivamente a conduta de empregar, o incentivo racional do agente econômico é reduzir postos de trabalho ou automatizar processos. A distribuição de renda forçada via sentença é ineficiente e, muitas vezes, regressiva no longo prazo.
Argumentos consequencialistas, previstos inclusive na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), artigos 20 e 21, devem compor as peças processuais. O magistrado deve considerar as consequências práticas da decisão. Impor um custo de saúde impagável a uma empresa pode levá-la à falência, prejudicando todos os demais empregados e credores. O Direito não opera no vácuo; ele opera na realidade econômica.
Estratégias para uma Advocacia de Alta Performance
Diante desse cenário de incertezas e de conflito entre princípios, a advocacia trabalhista – tanto reclamante quanto reclamada – exige uma atualização constante. Não basta mais saber a CLT e as Súmulas do TST. É necessário dominar o Direito Constitucional, o Direito Civil e o Processo Civil aplicados ao Trabalho.
Para a advocacia empresarial, o foco deve ser preventivo e na construção de teses que demonstrem a constitucionalidade das práticas de gestão e a impossibilidade fática e jurídica de a empresa assumir o papel do Estado na previdência e saúde social. Para a advocacia de trabalhadores, o desafio é fundamentar os pedidos não apenas na emoção ou na hipossuficiência, mas em violações concretas da dignidade, demonstrando o nexo direto e a responsabilidade efetiva, evitando aventuras jurídicas que podem resultar em sucumbência.
O domínio da técnica processual para manejar recursos de natureza extraordinária (Recurso de Revista e Recurso Extraordinário) é vital, pois é nas cortes superiores que a correção de rumos quanto ao ativismo judicial costuma ocorrer. A distinção (distinguishing) e a superação (overruling) de precedentes tornaram-se institutos cotidianos.
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Insights Valiosos sobre o Tema
Aprimoramento da Defesa: Advogados devem abandonar defesas genéricas e focar na demonstração técnica da ausência de previsão legal para obrigações criadas jurisprudencialmente, utilizando a LINDB e a Lei da Liberdade Econômica como escudos.
Competência Constitucional: A batalha sobre os limites da Justiça do Trabalho não se dá mais apenas no TST, mas predominantemente no STF. Conhecer o sistema de precedentes da Corte Suprema é obrigatório.
Risco do Negócio vs. Risco Social: É fundamental distinguir juridicamente o risco inerente à atividade econômica (que pertence ao empregador) do risco social e biológico geral (que pertence ao Estado e à Seguridade Social), evitando a confusão patrimonial em sentenças.
Custo da Transação: Decisões que tentam distribuir renda ignorando contratos aumentam o custo de transação e a insegurança jurídica, fatores que, ironicamente, reduzem o investimento e a geração de renda real na sociedade.
Perguntas e Respostas
1. O que caracteriza o ativismo judicial na Justiça do Trabalho?
Caracteriza-se pela conduta de magistrados que, baseados em princípios abstratos e na vontade de promover justiça social, proferem decisões que vão além do texto legal expresso, criando obrigações ou direitos não previstos pelo legislador, muitas vezes interferindo na gestão econômica das empresas.
2. A Constituição permite que o juiz distribua renda via sentença?
Não diretamente. A função do Judiciário é aplicar a lei ao caso concreto e resolver conflitos. A distribuição de renda é uma função típica do Poder Executivo e Legislativo, através de políticas públicas e tributação. Decisões judiciais que buscam esse fim de forma arbitrária podem ferir o princípio da separação de poderes.
3. Como o STF tem reagido a decisões trabalhistas que limitam a livre iniciativa?
O STF tem atuado para conter o que considera excessos da Justiça do Trabalho, reafirmando a validade de formas de contratação civis (como a terceirização e contratos de parceria) e cassando decisões que desconsideram a autonomia da vontade e a liberdade econômica sob o pretexto de precariedade.
4. Qual a importância da LINDB nos processos trabalhistas atuais?
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), especialmente após as alterações de 2018, obriga o juiz a considerar as consequências práticas, jurídicas e administrativas de suas decisões. Isso impede, em tese, decisões baseadas apenas em valores abstratos sem considerar o impacto real na empresa e na economia.
5. O empregador é responsável por qualquer problema de saúde do funcionário?
Não. Pela regra da responsabilidade subjetiva e mesmo na objetiva, é necessário o nexo causal ou concausal. O empregador não é segurador universal. Doenças degenerativas ou inerentes a grupo etário, ou aquelas sem relação com as condições de trabalho, não devem gerar dever de indenizar ou custear tratamento, salvo previsão contratual específica.
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Acesse a lei relacionada em Lei nº 10.406/2002 (Código Civil)
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-21/justica-do-trabalho-e-sua-vontade-de-distribuir-renda-e-saude/.