A Extensão da Imunidade Tributária Recíproca às Sociedades de Economia Mista Prestadoras de Serviço Público
A Natureza Constitucional da Imunidade Recíproca e o Pacto Federativo
A arquitetura do sistema tributário nacional funda-se na premissa da proteção ao pacto federativo, estabelecendo limitações expressas ao poder de tributar. Entre as garantias mais basilares encontra-se a imunidade recíproca, prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “a”, da Constituição Federal. Este dispositivo impede que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituam impostos sobre o patrimônio, a renda ou os serviços uns dos outros.
O objetivo teleológico desta norma é evitar que um ente político utilize a tributação como instrumento de pressão ou inviabilização das atividades de outro, preservando a autonomia e o equilíbrio federativo. Tradicionalmente, essa salvaguarda era interpretada de maneira restritiva, aplicável apenas às pessoas jurídicas de direito público interno, ou seja, à administração direta e às autarquias e fundações públicas.
No entanto, a complexidade da administração pública moderna, que frequentemente descentraliza a execução de serviços essenciais para entidades da administração indireta com personalidade jurídica de direito privado, exigiu uma releitura do instituto. Surge, então, a controvérsia sobre a aplicabilidade dessa proteção às empresas públicas e às sociedades de economia mista.
A jurisprudência constitucional evoluiu para compreender que a forma jurídica da entidade não deve ser, isoladamente, o critério determinante para a concessão ou denegação da imunidade. O foco deslocou-se para a natureza da atividade desempenhada e para a afetação do patrimônio ao interesse público primário.
Para o advogado tributarista, compreender essa nuance é vital. A defesa dos interesses de entidades estatais ou, inversamente, a atuação em prol de municípios que buscam arrecadar, depende do domínio profundo sobre os limites constitucionais da tributação. O curso de Imunidades Tributárias oferece uma base sólida para entender como os tribunais superiores têm delineado essas fronteiras.
Sociedades de Economia Mista e a Tensão com o Artigo 173 da CF
O ponto central de debate reside na aparente colisão entre a imunidade recíproca e o disposto no artigo 173, § 2º, da Constituição. Este dispositivo determina que as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos ao setor privado. A lógica é clara: evitar a concorrência desleal e distorções de mercado.
Se o Estado desce à arena econômica para atuar como agente empresarial, visando lucro e competindo com particulares, ele deve sujeitar-se às mesmas regras do jogo, inclusive às tributárias. Permitir a imunidade a uma estatal que explora atividade econômica em sentido estrito seria violar o princípio da livre concorrência.
Contudo, a situação muda drasticamente quando a sociedade de economia mista é delegatária de serviço público essencial, de prestação obrigatória e exclusiva do Estado. Nesses casos, a entidade não atua propriamente no mercado concorrencial, mas instrumentaliza uma função estatal típica.
A Suprema Corte consolidou o entendimento de que a vedação do artigo 173 não se aplica quando a entidade presta serviço público em regime de monopólio ou exclusividade. Nestas hipóteses, a tributação do patrimônio da estatal equivaleria, em última análise, à tributação do próprio ente federativo instituidor, onerando a prestação de serviços essenciais à coletividade.
O Critério da Concorrência e a Finalidade Lucrativa
Um elemento frequentemente levantado em litígios tributários envolve a natureza jurídica das sociedades de economia mista, que, por definição, possuem capital social composto por recursos públicos e privados. A presença de acionistas privados e a distribuição de dividendos são argumentos comumente utilizados pelos fiscos municipais para afastar a imunidade.
O argumento fiscal baseia-se na ideia de que a imunidade, ao proteger o patrimônio da empresa, acabaria por beneficiar indiretamente o investidor privado, aumentando a margem de lucro distribuível. No entanto, a jurisprudência majoritária tem refutado essa tese quando se trata de serviços públicos essenciais.
O entendimento prevalecente é que a finalidade primária da entidade não é a acumulação de riqueza privada, mas a consecução de objetivos de interesse público. A distribuição de lucros é considerada uma consequência secundária da estrutura societária, incapaz de descaracterizar a instrumentalidade estatal da empresa.
Portanto, a análise deve recair sobre a existência ou não de risco ao equilíbrio concorrencial. Se a sociedade de economia mista opera em um setor onde não há livre iniciativa plena ou onde atua como braço longo do Estado para garantir infraestrutura básica, a proteção constitucional deve prevalecer.
A Incidência do IPTU e a Teoria da Afetação Patrimonial
Quando a discussão aterra especificamente no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), a análise recai sobre a propriedade imobiliária das estatais. A regra matriz de incidência do IPTU tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel.
Para as autarquias, a Constituição condiciona a imunidade à vinculação dos bens às suas finalidades essenciais (art. 150, § 2º). Essa mesma lógica da “afetação” tem sido transposta para as sociedades de economia mista prestadoras de serviço público.
A imunidade do IPTU não protege o imóvel pelo simples fato de pertencer à entidade. Ela protege o imóvel porque este é indispensável para a prestação do serviço público. Um terreno baldio, sem destinação pública, pertencente a uma estatal de energia ou saneamento, poderia, em tese, ser tributado.
Por outro lado, subestações, linhas de transmissão, usinas e prédios administrativos onde a gestão do serviço ocorre estão intrinsecamente ligados à finalidade pública. Tributar esses bens significaria transferir recursos da esfera estadual ou federal (responsável pelo serviço) para a esfera municipal, sem que haja uma manifestação de riqueza nova, mas apenas a circulação de fundos públicos.
Ônus da Prova na Execução Fiscal
No contencioso tributário, uma questão processual de suma importância é a distribuição do ônus da prova. Em regra, a presunção é de que o patrimônio de uma entidade pública esteja afetado ao serviço.
Quando um Município lança o IPTU contra uma sociedade de economia mista prestadora de serviço público, surge o debate: cabe ao Fisco provar que o bem está desafetado, ou cabe à empresa provar a vinculação ao serviço público?
A tendência jurisprudencial inclina-se para a proteção da imunidade, exigindo que a tributação seja a exceção. Contudo, em sede de execução fiscal, cabe ao executado, via de regra, demonstrar os fatos impeditivos do direito do credor.
O profissional do Direito deve estar atento à instrução probatória. Demonstrar documentalmente que o imóvel integra a cadeia operacional do serviço público é fundamental para o sucesso da tese de defesa. A mera alegação de status jurídico de prestadora de serviço público pode não ser suficiente se houver indícios de desvio de finalidade do bem.
A Relevância da Capital Aberto e a Negociação em Bolsa
Outro ponto nevrálgico nas discussões doutrinárias e pretorianas refere-se ao fato de a sociedade de economia mista ter suas ações negociadas em bolsa de valores. A abertura de capital implica uma submissão ainda maior às regras de mercado e de governança corporativa.
Sustenta-se, por vezes, que a negociação em bolsa seria incompatível com o regime de imunidade, pois atrairia investidores especulativos. Contudo, o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de analisar casos em que, mesmo com capital aberto, a imunidade foi mantida.
O fundamento permanece o mesmo: a preponderância do interesse público e a natureza da atividade. Se a atividade é monopólio estatal, a ineficiência gerada pela tributação recairia sobre a tarifa paga pelo usuário final. A imunidade, neste contexto, funciona como um instrumento de modicidade tarifária.
Se o IPTU incidisse sobre todas as instalações de uma grande prestadora de serviços de infraestrutura, o custo operacional elevar-se-ia drasticamente. Como as tarifas são calculadas para cobrir custos e remunerar o investimento, o imposto acabaria sendo repassado ao cidadão. A imunidade recíproca, assim, protege o contribuinte de uma oneração em cascata.
Distinção entre Atividade Econômica e Serviço Público
A fronteira entre o que é exploração de atividade econômica e o que é serviço público nem sempre é nítida. O Direito Administrativo oferece critérios, mas o Direito Tributário muitas vezes precisa de definições mais pragmáticas.
Atividade econômica em sentido estrito pressupõe a produção ou circulação de bens e serviços em regime de mercado, onde o Estado atua como empresário. Exemplos clássicos são as instituições financeiras estatais ou empresas de exploração de petróleo em regime de competição. Nestes casos, a imunidade é, em regra, afastada.
Já o serviço público caracteriza-se pela titularidade estatal (mesmo que a execução seja indireta), pela essencialidade e pela não exclusividade do lucro como fim. O lucro pode existir, mas deve ser instrumental para a manutenção e expansão do serviço.
No caso do setor elétrico, por exemplo, a geração, transmissão e distribuição de energia são atividades que permeiam o interesse público fundamental. Embora existam players privados, quando a execução é feita por uma sociedade de economia mista sob regime de concessão pública estrita e com controle acionário estatal, a balança inclina-se para o reconhecimento da natureza de serviço público protegido.
Aspectos Práticos para a Advocacia Tributária
Para o advogado que atua na área, a identificação correta do regime jurídico do cliente é o primeiro passo. Não basta verificar se é uma S.A. ou uma empresa pública. É necessário analisar o objeto social, o contrato de concessão e a realidade do mercado onde a empresa opera.
Ao defender Municípios, a estratégia deve focar na identificação de bens desafetados ou na comprovação de que a empresa atua em regime concorrencial, o que justificaria a incidência do imposto para garantir a isonomia com concorrentes privados.
Ao defender as estatais, o foco deve ser a demonstração inequívoca da vinculação do bem à prestação do serviço e a ausência de concorrência real que pudesse ser desequilibrada pela isenção fiscal. A invocação dos precedentes de Repercussão Geral do STF é mandatória.
A profundidade técnica exigida para operar nessas zonas cinzentas do Direito Tributário demanda atualização constante. O domínio sobre os princípios constitucionais e sua aplicação prática distingue o especialista do generalista.
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Insights Relevantes
A imunidade recíproca não é um privilégio da pessoa jurídica, mas uma garantia do pacto federativo e do patrimônio público. A sua extensão às sociedades de economia mista depende menos da forma societária e mais da função exercida (critério material-finalístico). O elemento chave para afastar a imunidade é a comprovação de risco à livre concorrência; onde há monopólio natural ou legal de serviço público, a imunidade tende a prevalecer para evitar o encarecimento de tarifas essenciais.
Perguntas e Respostas
1. A imunidade recíproca aplica-se automaticamente a qualquer Sociedade de Economia Mista?
Não. A regra geral do art. 173, § 2º, da CF sujeita as estatais ao regime jurídico próprio das empresas privadas. A imunidade é a exceção, aplicável apenas quando a entidade presta serviço público essencial, de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, e não atua em regime de concorrência que possa ser desequilibrado pelo benefício.
2. A negociação de ações em bolsa de valores impede o reconhecimento da imunidade tributária?
Não necessariamente. O STF já decidiu que o fato de a sociedade de economia mista ter capital aberto e ações negociadas em bolsa não afasta, por si só, a imunidade recíproca, desde que a atividade principal seja a prestação de serviço público em regime de não concorrência.
3. O Município pode cobrar IPTU de um terreno vago pertencente a uma estatal de energia?
Em tese, sim. A imunidade recíproca para a administração indireta está condicionada à afetação do bem às finalidades essenciais da entidade. Se o imóvel não está sendo utilizado para a prestação do serviço público (desafetado), ele pode ser passível de tributação, dependendo da análise casuística e do ônus da prova.
4. Qual é a principal justificativa econômica para manter a imunidade de estatais prestadoras de serviço público?
A principal justificativa é a modicidade tarifária. Tributar o patrimônio ou os serviços dessas entidades aumentaria seus custos operacionais. Como essas empresas geralmente operam serviços essenciais (água, energia), o custo do tributo seria repassado para a tarifa, onerando o usuário final e, em última instância, a própria sociedade.
5. Quem possui o ônus da prova em uma execução fiscal de IPTU contra uma sociedade de economia mista?
Embora haja presunção de legitimidade da Certidão de Dívida Ativa (CDA), quando se trata de entidade prestadora de serviço público, a jurisprudência tende a reconhecer a presunção de afetação dos bens. Contudo, processualmente, cabe à estatal (executada) apresentar elementos que comprovem que o imóvel integra a operação do serviço público para afastar a incidência do imposto com base na imunidade.
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Acesse a lei relacionada em [Constituição Federal de 1988](http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm)
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-19/stf-devolve-ao-tj-mg-caso-sobre-imunidade-da-cemig-para-o-pagamento-de-iptu/.