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Dever de Creche: Delimitando a Responsabilidade Trabalhista

Artigo de Direito
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A delimitação da responsabilidade trabalhista em ambientes comerciais complexos: dever de creche e sujeito passivo da obrigação

O Arcabouço Legal da Proteção à Maternidade e à Primeira Infância

A proteção à maternidade e à infância constitui um dos pilares fundamentais do Direito do Trabalho brasileiro, refletindo garantias constitucionais que visam assegurar não apenas a saúde da mulher e da criança, mas também a inserção e manutenção da força de trabalho feminina no mercado. O artigo 389 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece obrigações claras para os empregadores, dentre as quais se destaca a necessidade de providenciar local apropriado para a guarda e assistência aos filhos de empregadas no período de amamentação. Especificamente, o § 1º do referido artigo determina que os estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 mulheres com mais de 16 anos de idade deverão ter local apropriado onde seja permitido às empregadas guardar sob vigilância e assistência os seus filhos no período da amamentação.

Esta norma, de caráter cogente e tutelar, busca harmonizar a atividade produtiva com as necessidades biológicas e sociais decorrentes da maternidade. A exigência legal não é meramente burocrática, mas possui um forte cunho social, visando reduzir o absenteísmo, promover o bem-estar da criança e garantir que a mulher não precise optar entre a carreira e o cuidado com o recém-nascido. Contudo, a aplicação prática deste dispositivo legal gera intensos debates jurídicos quando confrontada com modelos de negócios contemporâneos e estruturas empresariais que fogem ao modelo tradicional de fábrica ou escritório isolado. A compreensão profunda destes mecanismos é essencial para o operador do direito. Para aqueles que buscam uma especialização robusta na área, a Pós-Graduação em Direito do Trabalho e Processo oferece o arcabouço teórico necessário para enfrentar tais complexidades.

A legislação prevê, alternativamente à manutenção de creche própria, a possibilidade de o empregador adotar o sistema de reembolso-creche, em conformidade com normas coletivas ou acordos firmados. Esta flexibilização, regulamentada pela Portaria MTE nº 3.296/1986, reconhece a dificuldade física e logística de muitas empresas em manter um espaço dedicado dentro de suas dependências. O reembolso surge, portanto, como uma solução eficaz que transfere a execução do serviço para entidades especializadas, mantendo o custeio sob responsabilidade do empregador. A discussão jurídica se acirra quando se questiona a extensão dessa responsabilidade a terceiros que, embora integrem o mesmo espaço físico, não figuram como empregadores diretos.

A Autonomia Jurídica dos Lojistas e a Natureza do Empreendimento Comercial Coletivo

A estrutura de um centro comercial ou complexo de lojas assemelha-se, juridicamente, a um condomínio atípico, regido por normas de direito civil e imobiliário, onde coexistem diversas pessoas jurídicas distintas. Cada unidade comercial, ou loja, possui sua própria personalidade jurídica, seu próprio quadro de funcionários e, consequentemente, suas próprias obrigações trabalhistas e previdenciárias. A relação entre a administração do empreendimento (o complexo comercial) e os lojistas (locatários) é de natureza estritamente comercial, pautada em contratos de locação e regimentos internos que disciplinam o uso do espaço comum e o rateio de despesas operacionais.

Não se pode confundir, sob a ótica do Direito do Trabalho, o local da prestação de serviços com a figura do empregador. O artigo 2º da CLT define o empregador como a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. Neste cenário, a loja é a empregadora, detentora do poder diretivo e responsável pelo cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho, bem como pelos benefícios legais devidos aos seus empregados. A administração do complexo comercial, por sua vez, não interfere na gestão de pessoal das lojas, não admite, não demite e não remunera os vendedores ou atendentes das unidades locadas.

A tentativa de imputar à administração do complexo comercial a obrigação de fornecer creche para os filhos dos empregados das lojas esbarra na ausência de vínculo jurídico-laboral. O dever imposto pelo artigo 389 da CLT dirige-se ao “estabelecimento”, entendido aqui como a unidade produtiva do empregador. Se uma loja individualmente considerada não atinge o requisito numérico de 30 empregadas maiores de 16 anos, a obrigação legal de manter local apropriado não se cristaliza para ela nos moldes da instalação física. Tentar somar o número de empregadas de todas as lojas para criar uma obrigação para o administrador do complexo seria uma interpretação extensiva que carece de amparo legal expresso e viola o princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas.

A Inexistência de Responsabilidade Solidária ou Subsidiária

Para que houvesse a responsabilidade do complexo comercial pelas obrigações trabalhistas dos lojistas, seria necessário configurar um grupo econômico, nos termos do artigo 2º, § 2º da CLT, ou uma situação de terceirização ilícita ou responsabilidade subsidiária conforme a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). No caso de locação comercial em shopping centers ou galerias, não há, via de regra, direção, controle ou administração de uma empresa sobre a outra no que tange à atividade-fim. O lojista explora seu negócio com autonomia. O administrador do espaço apenas provê a infraestrutura imobiliária e de atração de público.

Aprofundar-se nas nuances contratuais é vital para evitar passivos ocultos. O curso de Advocacia Trabalhista: Contratos de Trabalho da Legale Educacional aborda detalhadamente como delimitar as responsabilidades em diferentes modalidades de contratação. A ausência de subordinação jurídica entre os empregados das lojas e a administração do empreendimento afasta a possibilidade de responsabilização solidária. O complexo comercial não se beneficia diretamente da força de trabalho individual de cada vendedor de loja da mesma forma que um tomador de serviços em uma terceirização. O benefício é reflexo e decorre do sucesso comercial do locatário, que paga aluguel. Portanto, juridicamente, não há nexo causal que justifique transferir ao locador (ou administrador) o ônus de obrigações personalíssimas do empregador-locatário, como é o caso do auxílio-creche.

Interpretação Teleológica e a Viabilidade Econômica

Uma análise sob o prisma da Análise Econômica do Direito revela que impor tal obrigação aos administradores de complexos comerciais poderia gerar distorções no mercado. O custo de construção, manutenção e gestão de uma creche, com todas as exigências sanitárias e pedagógicas que tal estabelecimento requer, é elevadíssimo. Se tal custo fosse imposto ao administrador, ele seria inevitavelmente repassado aos lojistas através do aumento das taxas de condomínio ou do aluguel, encarecendo a operação para todos, inclusive para pequenos empresários que sequer possuem empregadas ou que já cumprem a obrigação via reembolso.

Além disso, a interpretação teleológica da norma busca a efetividade do direito social. A solução do reembolso-creche, amplamente aceita pela jurisprudência e prevista em inúmeras convenções coletivas de trabalho, mostra-se mais adequada à realidade dinâmica do comércio varejista. O reembolso permite que a empregada escolha a creche de sua confiança, próxima à sua residência ou no caminho para o trabalho, atendendo melhor ao interesse da criança e da mãe do que uma creche centralizada no local de trabalho, que muitas vezes pode ser de difícil acesso com o bebê em transporte público, por exemplo. A obrigatoriedade de espaço físico, se aplicada indiscriminadamente a terceiros não-empregadores, poderia, paradoxalmente, desestimular a locação de espaços comerciais ou a contratação de mulheres, gerando um efeito discriminatório indireto.

A jurisprudência dos Tribunais Regionais do Trabalho e do TST tem consolidado o entendimento de que a responsabilidade pela assistência aos filhos é do empregador direto. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes (art. 265 do Código Civil). Inexistindo lei que obrigue o locador comercial a assumir deveres trabalhistas do locatário, e inexistindo contrato nesse sentido, a demanda por responsabilização do complexo comercial carece de fundamento jurídico. O foco deve permanecer na fiscalização do cumprimento da norma pelo real empregador, seja através da instalação física (quando exigível e viável) ou, mais comumente, através do pagamento do auxílio-creche previsto em norma coletiva.

O Papel das Normas Coletivas na Flexibilização e Adequação

O artigo 611-A da CLT, introduzido pela Reforma Trabalhista de 2017, fortaleceu a prevalência do negociado sobre o legislado em diversas matérias. Embora a saúde e segurança do trabalho sejam normas de ordem pública, a forma de cumprimento da obrigação de assistência aos filhos (creche ou reembolso) é matéria passível de negociação coletiva. Os sindicatos das categorias comerciárias frequentemente estipulam cláusulas de auxílio-creche em suas Convenções Coletivas de Trabalho (CCT), definindo valores e condições para o reembolso.

Quando a norma coletiva estabelece a substituição da obrigação de manter creche pelo pagamento de um valor indenizatório, ela soluciona a questão para o lojista e garante o direito à empregada. Neste cenário, a discussão sobre a obrigação do complexo comercial torna-se ainda mais inócua. Se o empregador direto já está cumprindo a obrigação de forma substitutiva autorizada por norma coletiva e pela portaria ministerial, não subsiste interesse de agir para demandar a estrutura física de um terceiro. O sistema jurídico trabalhista opera de forma sistêmica, e a negociação coletiva atua como um mecanismo de ajuste da norma geral e abstrata à realidade fática de cada setor econômico.

É imperativo que advogados e gestores jurídicos compreendam que a responsabilidade social das empresas, embora um princípio valioso, não pode ser utilizada para subverter a lógica da responsabilidade civil e trabalhista, criando obrigações para sujeitos passivos ilegítimos. A proteção à maternidade deve ser exigida de quem detém o poder diretivo e econômico sobre a relação de trabalho. Transferir essa responsabilidade para o administrador do espaço imobiliário seria criar uma espécie de “super-empregador” ficto, figura inexistente no ordenamento jurídico pátrio e que traria insegurança jurídica para o setor de locação comercial e gestão de propriedades.

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Insights Relevantes sobre o Tema

A análise aprofundada da questão da responsabilidade por creches em ambientes de múltiplos empregadores revela nuances importantes. Primeiramente, destaca-se a taxatividade do conceito de empregador. O Direito do Trabalho é protetivo, mas a proteção deve ser exigida do sujeito correto para garantir a efetividade da execução. Tentar responsabilizar terceiros sem vínculo pode resultar em improcedência da ação e frustração do direito da trabalhadora.

Outro ponto crucial é a distinção entre “estabelecimento” e “local de trabalho compartilhado”. A norma do art. 389 da CLT foi concebida em uma época de grandes plantas industriais. A adaptação hermenêutica para a realidade de shoppings e coworkings exige cautela para não inviabilizar a atividade econômica. A solução via auxílio-creche (indenizatório) mostra-se a mais equilibrada, atendendo à finalidade social da norma sem impor ônus desproporcional de infraestrutura imobiliária a quem apenas loca o espaço.

Por fim, a segurança jurídica depende da previsibilidade das decisões judiciais. A jurisprudência que afasta a responsabilidade dos complexos comerciais reforça o respeito aos contratos de locação e à autonomia das pessoas jurídicas, delimitando corretamente as fronteiras entre o Direito Civil/Imobiliário e o Direito do Trabalho. Isso incentiva o investimento no setor imobiliário comercial, sabendo-se que o gestor predial não será surpreendido com encargos trabalhistas de seus inquilinos.

Perguntas e Respostas

1. O que determina a obrigatoriedade de uma empresa fornecer creche?
A obrigatoriedade é determinada pelo artigo 389, § 1º da CLT, que exige que os estabelecimentos com pelo menos 30 mulheres maiores de 16 anos disponham de local apropriado para guarda e assistência aos filhos no período de amamentação. Alternativamente, a empresa pode optar pelo sistema de reembolso-creche, se houver previsão em acordo ou convenção coletiva.

2. Um shopping center pode ser considerado empregador dos funcionários das lojas?
Não. O shopping center, ou o complexo comercial, atua como locador ou administrador do espaço. Ele não admite, assalaria ou dirige a prestação de serviços dos empregados das lojas locatárias. Portanto, não há vínculo empregatício, nem responsabilidade solidária automática pelas obrigações trabalhistas dos lojistas, salvo casos excepcionais de fraude comprovada.

3. Como funciona a substituição da creche física pelo auxílio-creche?
A substituição é autorizada pela Portaria MTE nº 3.296/1986 e consolidada pela jurisprudência. A empresa pode substituir a manutenção de um espaço físico próprio pelo pagamento de um valor mensal à empregada (reembolso-creche), destinado a custear uma creche de sua livre escolha ou uma babá, garantindo a assistência ao filho sem a necessidade de infraestrutura na empresa.

4. Existe responsabilidade subsidiária do administrador do complexo comercial?
Em regra, não. A responsabilidade subsidiária, conforme a Súmula 331 do TST, aplica-se aos tomadores de serviços em casos de terceirização (como limpeza e vigilância contratadas pelo shopping). A relação entre shopping e loja é de natureza comercial/locatícia, e não de prestação de serviços terceirizados, o que afasta a aplicação da responsabilidade subsidiária pelas verbas trabalhistas dos vendedores das lojas.

5. Se uma loja tiver menos de 30 funcionárias, ela está isenta de qualquer obrigação relacionada à creche?
A exigência de espaço físico do art. 389 da CLT aplica-se a estabelecimentos com mais de 30 empregadas. No entanto, muitas Convenções Coletivas de Trabalho estipulam o pagamento de auxílio-creche independentemente do número de funcionárias, como uma conquista da categoria. Portanto, mesmo com menos de 30 empregadas, a loja pode ser obrigada a pagar o benefício por força de norma coletiva, mas não a construir uma creche.

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Acesse a lei relacionada em Lei nº 5.452/1943 (Consolidação das Leis do Trabalho – CLT)

Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-18/shopping-center-nao-precisa-fornecer-creche-para-filhos-de-empregadas-das-lojas/.

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