A Necessidade de Contemporaneidade para a Decretação da Prisão Preventiva em Crimes Licitatórios
A aplicação da lei penal no Brasil, especialmente no que tange às medidas cautelares de natureza pessoal, exige um equilíbrio constante entre a necessidade de garantir a ordem pública e o respeito aos direitos fundamentais do acusado. No cenário jurídico atual, a prisão preventiva tem sido objeto de intensos debates doutrinários e jurisprudenciais, sobretudo quando confrontada com o princípio da contemporaneidade.
Este princípio tornou-se um filtro indispensável para a legitimidade da segregação cautelar. Não se admite mais a decretação de prisão baseada em fatos pretéritos, desvinculados de um risco atual e concreto.
Quando tratamos de delitos contra a administração pública, especificamente os crimes licitatórios, a análise da contemporaneidade ganha contornos ainda mais específicos. A natureza desses delitos, muitas vezes cometidos sem violência ou grave ameaça e documentados em processos administrativos, desafia o operador do Direito a diferenciar o que é cautela processual do que é antecipação de pena.
O advogado criminalista precisa dominar a técnica de demonstrar a ausência de *periculum libertatis* em casos onde o lapso temporal entre o fato delituoso e o decreto prisional é extenso. A liberdade, como regra constitucional, não pode ser suprimida por narrativas que, embora graves, referem-se a um passado que não mais oferece perigo ao processo ou à sociedade.
O Princípio da Contemporaneidade e o Pacote Anticrime
A Lei 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime, trouxe alterações significativas ao Código de Processo Penal (CPP), positivando entendimentos que já vinham sendo construídos pelos Tribunais Superiores. Uma das mudanças mais relevantes foi a inclusão do §1º ao artigo 315 do CPP.
Este dispositivo legal estabelece expressamente que a decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.
A legislação passou a exigir, de forma inequívoca, que o risco à ordem pública, à ordem econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal seja atual. Não basta que o crime seja grave em abstrato; é necessário que a liberdade do agente represente um perigo no momento presente.
Em crimes de colarinho branco, como as fraudes em licitações, a ausência de contemporaneidade é um argumento de defesa robusto. Se a suposta fraude ocorreu anos atrás e não há indícios de reiteração delitiva ou de atos atuais de ocultação de provas, a prisão preventiva perde seu caráter instrumental e assume uma faceta punitiva ilegal.
Para compreender a profundidade das nuances legislativas que envolvem estas infrações específicas, é essencial estudar a fundo o tema através de nosso curso sobre Crimes de Licitação, que aborda as tipificações e as teses defensivas pertinentes.
Os Requisitos do Artigo 312 do CPP e a Ordem Pública
A prisão preventiva, para ser válida, deve preencher os requisitos do *fumus comissi delicti* (prova da existência do crime e indício suficiente de autoria) e do *periculum libertatis* (perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado), conforme disposto no artigo 312 do CPP.
No contexto dos crimes licitatórios, a análise do *periculum libertatis* sob a ótica da garantia da ordem pública é frequentemente o ponto de tensão. O Ministério Público muitas vezes argumenta que a gravidade da lesão ao erário e a magnitude do esquema criminoso justificam a prisão para resguardar a ordem pública.
Contudo, a jurisprudência, especialmente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tem rechaçado a utilização da gravidade abstrata do delito como fundamento idôneo. A “ordem pública” não pode ser um conceito vago utilizado para satisfazer o clamor social ou dar uma resposta midiática.
Se os fatos investigados são antigos e o agente não ocupa mais o cargo público que facilitou a suposta fraude, ou se a administração pública já adotou medidas corretivas, o risco à ordem pública se dissipa. A prisão, neste cenário, torna-se desproporcional e extemporânea. A cautelaridade exige urgência; onde não há urgência, não deve haver prisão provisória.
Crimes Licitatórios: A Natureza Não Violenta e a Prova Documental
Diferentemente de crimes contra a vida ou o patrimônio cometidos com violência, os crimes previstos na Lei de Licitações (agora incorporados ao Código Penal pela Lei 14.133/2021) possuem uma dinâmica muito particular. Eles são, em essência, crimes documentais e burocráticos.
A materialidade desses delitos reside em editais viciados, atas de reuniões fraudadas, contratos superfaturados e notas fiscais irregulares. Uma vez que esses documentos são apreendidos ou já constam nos autos de inquéritos e processos administrativos, a capacidade do agente de interferir na instrução criminal diminui drasticamente.
O argumento da “conveniência da instrução criminal” para justificar a prisão preventiva enfraquece consideravelmente quando há um hiato temporal grande entre o fato e a medida constritiva. Se em três ou quatro anos o investigado não destruiu provas nem ameaçou testemunhas, é ilógico presumir que o fará agora.
A prisão preventiva não pode servir como instrumento de antecipação de culpabilidade. Em um Estado Democrático de Direito, a regra é que o indivíduo responda ao processo em liberdade, sendo a prisão a *ultima ratio* (última razão). Para profissionais que buscam uma especialização robusta na área, nossa Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal 2025 oferece o arcabouço teórico necessário para manejar estes conceitos com excelência.
A Extemporaneidade como Constrangimento Ilegal
A decretação de prisão preventiva baseada em fatos ocorridos há muito tempo configura evidente constrangimento ilegal, passível de correção via *Habeas Corpus*. A extemporaneidade rompe o nexo de causalidade entre a conduta do agente e a necessidade de proteção dos bens jurídicos tutelados pelas cautelares.
Os Tribunais Superiores consolidaram o entendimento de que a falta de contemporaneidade retira a urgência da medida extrema. Se o Estado-Investigação demorou anos para apurar os fatos sem que houvesse necessidade de segregação durante esse período, não é razoável decretar a prisão posteriormente sem um fato novo relevante.
O “fato novo” deve ser entendido como uma conduta recente do investigado que demonstre risco efetivo. A mera descoberta tardia de um crime antigo não é um fato novo para fins de decretação de prisão preventiva. O fato novo deve dizer respeito ao *periculum*, não apenas ao *fumus*.
A Diferença entre Fato Novo e Revelação Tardia
É crucial distinguir entre a prática de um novo ato ilícito e a descoberta de um ato ilícito pretérito. A revelação de que houve uma fraude em uma licitação ocorrida há cinco anos aumenta o acervo probatório (*fumus comissi delicti*), mas não cria, por si só, um perigo atual (*periculum libertatis*).
Se o agente cessou a atividade delitiva, desligou-se da função pública ou se a organização criminosa foi desarticulada, o requisito da contemporaneidade não se perfaz. A prisão decretada nessas condições viola o princípio da homogeneidade, pois impõe ao investigado um regime muitas vezes mais gravoso do que o de uma eventual condenação final, considerando as possibilidades de regime semiaberto ou substituição de pena.
Medidas Cautelares Diversas da Prisão: A Proporcionalidade
O artigo 282, §6º, do CPP determina que a prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar. O artigo 319 do mesmo diploma legal elenca diversas alternativas ao cárcere que são plenamente aplicáveis aos crimes licitatórios e que respeitam a proporcionalidade.
Entre as medidas mais adequadas para estes casos, destacam-se:
Suspensão do exercício de função pública: Se o risco é a reiteração de fraudes em licitações, afastar o servidor ou o gestor de seu cargo é suficiente para neutralizar o perigo, sem a necessidade de encarceramento.
Proibição de acesso ou frequência a determinados lugares: Impedir que o investigado frequente a prefeitura ou a sede da empresa envolvida pode evitar contato com provas e testemunhas.
Proibição de manter contato com pessoa determinada: Evita a colusão entre coautores e a intimidação de testemunhas.
Proibição de contratar com o Poder Público: Especificamente para empresários envolvidos em fraudes licitatórias, esta medida ataca diretamente a capacidade operacional de cometer novos delitos dessa natureza.
A insistência na prisão preventiva quando medidas do artigo 319 seriam suficientes revela uma cultura inquisitória que ainda permeia parte do sistema de justiça criminal. A defesa técnica deve sempre postular, subsidiariamente, a aplicação destas medidas, demonstrando a idoneidade das mesmas para resguardar o processo.
O Papel do Judiciário na Garantia da Contemporaneidade
O Poder Judiciário atua como guardião dos direitos fundamentais e deve exercer um controle rigoroso sobre os pedidos de prisão preventiva. A motivação das decisões judiciais, exigência constitucional (art. 93, IX, da CF), não pode se limitar a reproduzir os argumentos da acusação ou utilizar fórmulas genéricas.
O juiz deve indicar, concretamente, por que os fatos antigos geram perigo hoje. Deve explicar por que as medidas cautelares diversas da prisão são insuficientes. A ausência dessa demonstração lógica torna a decisão nula e a prisão ilegal.
Em crimes complexos como os de licitação, onde a análise documental é extensa e o processo tende a ser moroso, a prisão preventiva não pode se transformar em uma “antecipação de pena” para dar satisfação à opinião pública. O tempo do processo não pode ser descontado na liberdade do cidadão sem uma justificativa cautelar válida e atual.
A advocacia criminal de excelência se constrói no detalhe, na compreensão profunda da dogmática penal e na coragem de enfrentar o punitivismo exacerbado com técnica jurídica apurada. O domínio sobre a aplicação do princípio da contemporaneidade é uma ferramenta poderosa nas mãos de quem defende a liberdade.
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Insights Sobre o Tema
A análise aprofundada da contemporaneidade na prisão preventiva revela pontos cruciais para a prática jurídica moderna. Primeiramente, a defesa deve sempre cronometrar a distância entre o fato imputado e o pedido de prisão; esse lapso temporal é o principal argumento contra a custódia. Em segundo lugar, é fundamental dissociar a gravidade do crime (que serve para a pena) do risco ao processo (que serve para a cautelar).
Outro ponto de destaque é a imperatividade de se esgotar a análise das medidas do artigo 319 do CPP antes de se cogitar a prisão. Nos crimes de licitação, medidas administrativas como o afastamento do cargo ou a proibição de licitar são quase sempre mais eficazes e proporcionais do que o cárcere. Por fim, a decisão judicial que ignora a contemporaneidade é, por definição legal (Art. 315, §1º CPP), carente de fundamentação idônea.
Perguntas e Respostas
1. O que significa o princípio da contemporaneidade na prisão preventiva?
Significa que os motivos que justificam a prisão (risco à ordem pública, instrução ou aplicação da lei) devem ser atuais e presentes no momento da decretação. Não se pode prender alguém hoje por um risco que existiu apenas no passado.
2. Fatos graves, mesmo que antigos, podem justificar a prisão preventiva por si sós?
Não. Segundo a jurisprudência atual e o artigo 315, §1º do CPP, a gravidade em abstrato do delito, ou fatos antigos, não são suficientes para decretar a prisão. É necessário demonstrar um perigo atual e concreto à cautelaridade do processo.
3. Quais são as alternativas à prisão preventiva em crimes de licitação?
As medidas cautelares do artigo 319 do CPP são as principais alternativas. Nos crimes licitatórios, destacam-se a suspensão do exercício de função pública e a proibição de contratar com o Poder Público, que neutralizam o risco de reiteração delitiva sem necessitar do encarceramento.
4. O que é considerado “fato novo” para justificar uma prisão em crimes antigos?
Fato novo é uma conduta recente do investigado que gera risco ao processo ou à sociedade, como tentar destruir provas agora, ameaçar testemunhas recentemente ou cometer novos crimes. A mera descoberta tardia de provas antigas não configura fato novo apto a justificar a urgência da prisão.
5. Como a Lei Anticrime (Lei 13.964/19) impactou a análise da contemporaneidade?
A lei positivou expressamente a necessidade de contemporaneidade no artigo 315 do CPP, obrigando o juiz a motivar a decisão com base em fatos novos ou contemporâneos. Isso fortaleceu a defesa contra prisões baseadas apenas na gravidade do delito ou em investigações antigas.
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Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-16/contemporaneidade-o-veto-a-prisao-cautelar-em-crimes-licitatorios-tardios/.