O ordenamento jurídico brasileiro referente às contratações públicas atravessa não apenas uma mudança legislativa, mas uma reconfiguração completa da prática forense administrativa. Com a vigência plena da Lei nº 14.133/2021 (NLLC), ultrapassamos a fase de mera adaptação burocrática para enfrentar desafios de alta complexidade técnica. O foco deslocou-se da formalidade de “carimbo” para a eficiência, mas trouxe consigo armadilhas procedimentais e tecnológicas que exigem do advogado uma postura muito mais analítica e combativa.
A advocacia especializada em Direito Administrativo encontra-se diante de um cenário onde o domínio da “letra da lei” é insuficiente. A transição para o ambiente virtual consolidou-se como regra, mas trouxe a necessidade de compreender a jurimetria aplicada aos pregões e as vulnerabilidades dos sistemas. Não se trata mais apenas de saber impugnar um edital, mas de auditar a lógica algorítmica das plataformas, identificando violações ao princípio da publicidade ou restrições indevidas impostas por parametrizações de software que ferem a isonomia.
A Centralidade do Pregão e a Zona Cinzenta da Engenharia
Historicamente, o pregão revolucionou a celeridade nas compras públicas. A Lei nº 14.133/2021 elevou essa modalidade a um patamar de protagonismo absoluto (Art. 6º, XLI), tornando-a obrigatória para bens e serviços comuns. Aparentemente simples, essa determinação esconde um dos maiores campos de batalha da atualidade: a definição de “serviço comum” de engenharia.
A grande disputa jurídica não reside na obrigatoriedade do pregão, mas na classificação do objeto. A linha tênue que separa um serviço de engenharia “comum” de um “especial” é onde reside a estratégia de defesa e impugnação. Enquanto a lei tenta simplificar, a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU) e a realidade técnica impõem cautela. O advogado deve estar preparado para demonstrar tecnicamente quando a complexidade do objeto torna o pregão inadequado, combatendo a padronização excessiva que pode comprometer a qualidade da obra pública.
Além disso, a virtualização dos atos (Art. 12, VI) exige uma nova abordagem probatória. A defesa do licitante agora depende da capacidade de produzir provas digitais — logs de sistema, registros de conexão e auditorias de TI — para comprovar falhas nas plataformas de compras que frequentemente prejudicam a competitividade.
O “Fetiche” do PNCP e o Devido Processo Legal
Um dos pilares da nova legislação é a centralização das informações no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP). A promessa de um cadastro unificado e automatizado (Art. 87) é sedutora, visando substituir os envelopes físicos pela verificação digital constante. Contudo, há um abismo entre o ideal normativo e a realidade prática, especialmente nos municípios de pequeno porte que lutam para integrar seus sistemas.
Para o operador do Direito, o ponto crítico aqui não é apenas a tecnologia, mas a proteção das garantias fundamentais. A automatização da “saúde cadastral” cria o risco real de exclusões automáticas de certames baseadas em erros de sistema ou apontamentos fiscais que ainda cabem recurso. A advocacia deve estar vigilante: o algoritmo não pode se sobrepor ao contraditório e à ampla defesa. Bloqueios sistêmicos sem oportunidade prévia de manifestação do licitante são ilegais e passíveis de Mandado de Segurança, exigindo uma atuação rápida para evitar prejuízos irreparáveis.
Aprofundar-se nessas nuances através de uma Pós-Graduação em Licitações e Contratos Administrativos permite ao profissional sair do senso comum e oferecer soluções para esses entraves tecnológicos e jurídicos.
O Planejamento e a Instrumentalidade das Formas
A elevação do planejamento à categoria de princípio jurídico (Art. 5º) é inegável. Documentos como o Estudo Técnico Preliminar (ETP) e a Matriz de Riscos ganharam robustez. No entanto, uma análise jurídica refinada deve ir além da mera verificação de existência desses documentos.
Um ETP deficiente é grave, mas a advocacia de ponta deve analisar o nexo de causalidade entre o estudo preliminar e o Termo de Referência. Mais do que apontar nulidades de forma automática, é preciso invocar o princípio da instrumentalidade das formas e a possibilidade de convalidação dos atos, prevista na própria lei, desde que não haja prejuízo ao interesse público ou a terceiros. O advogado estrategista sabe diferenciar um vício formal sanável de uma falha estrutural que macula a viabilidade econômica da contratação, evitando litígios desnecessários onde a convalidação é possível.
Tipificação Penal: O Dolo Específico e a LINDB
A reforma do sistema de contratações alterou profundamente o Código Penal (Título XI, Capítulo II-B). Contudo, o endurecimento das penas deve ser lido sob a ótica das garantias processuais e das alterações na Lei de Improbidade Administrativa e na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).
A mera irregularidade formal não pode ser automaticamente convertida em crime. A batalha jurídica na esfera penal e de improbidade concentra-se agora na comprovação do dolo específico — a intenção desonesta de causar dano ao erário ou obter vantagem indevida. O advogado criminalista e o administrativista devem atuar em sintonia para demonstrar que eventuais falhas decorrem de interpretações técnicas razoáveis ou da complexidade da gestão, e não de má-fé. Cursos como o de Crimes de Licitação são essenciais para compreender essa nova dogmática do erro grosseiro versus decisão técnica fundamentada.
Pragmatismo Econômico na Resolução de Conflitos
A NLLC trouxe avanços louváveis ao prever meios alternativos de resolução de controvérsias (Art. 151), como a arbitragem e os dispute boards. Todavia, a advocacia moderna precisa ter pragmatismo econômico. Embora sejam ferramentas excelentes para grandes obras de infraestrutura, os custos de transação desses institutos podem ser proibitivos para contratos de médio porte.
O advogado deve saber avaliar a viabilidade financeira de instaurar um comitê de resolução de disputas. Muitas vezes, a mediação ou a renegociação administrativa do equilíbrio econômico-financeiro, baseada em uma matriz de riscos bem desenhada, é o caminho mais eficiente. O contrato não é apenas uma peça jurídica, é um instrumento econômico; e a má alocação de riscos ou a escolha errada do método de solução de conflitos pode inviabilizar a operação do cliente.
O Futuro da Advocacia em Contratações Públicas
A transição para a nova realidade das licitações exige mais do que atualização; exige sofisticação técnica. O mercado está saturado de profissionais que conhecem a lei, mas carente de juristas que compreendam a jurimetria, a engenharia contratual e os limites do controle externo.
O advogado de destaque é aquele que navega com segurança entre o Direito Administrativo Sancionador, a economia do contrato e as falhas dos sistemas digitais. É quem consegue transformar a “letra fria” do PNCP e dos editais em estratégia de defesa efetiva, protegendo o cliente tanto de arbitrariedades algorítmicas quanto de excessos punitivos do Estado.
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Insights sobre o Assunto
- Jurimetria e Defesa Digital: A defesa em licitações eletrônicas exige auditoria de logs e compreensão dos algoritmos das plataformas, indo além da argumentação jurídica tradicional.
- Engenharia e Classificação: A disputa sobre o que é “serviço comum” ou “especial” de engenharia define a modalidade licitatória e é um ponto crucial de impugnação de editais.
- Automação vs. Contraditório: A integração ao PNCP traz riscos de exclusão automática de licitantes; a defesa deve focar na impossibilidade de a tecnologia suprimir o devido processo legal administrativo.
- Dolo Específico: Nos novos crimes licitatórios, a defesa deve se concentrar na ausência de dolo específico e na distinção entre erro administrativo e conduta criminosa, à luz da LINDB.
- Custo dos Dispute Boards: Meios alternativos de resolução de disputas são avanços, mas sua aplicação deve considerar os custos de transação para não onerar desproporcionalmente o contrato.
Perguntas e Respostas
1. O sistema do PNCP pode excluir uma empresa automaticamente de uma licitação?
Tecnicamente, os sistemas podem bloquear a participação se detectarem irregularidades. Contudo, juridicamente, essa exclusão automática sem chance de defesa prévia fere os princípios do contraditório e da ampla defesa. O advogado deve estar preparado para combater essas automações via recursos administrativos ou Mandado de Segurança.
2. Como diferenciar erro grosseiro de crime licitatório na nova lei?
A distinção baseia-se no dolo (intenção). O crime exige a vontade livre e consciente de fraudar ou obter vantagem indevida (dolo específico). O erro grosseiro (nos termos da LINDB) refere-se a uma negligência grave ou imprudência inaceitável na gestão, que pode gerar improbidade ou responsabilidade administrativa, mas não necessariamente penal, se ausente a intenção criminosa.
3. A ausência de Estudo Técnico Preliminar (ETP) anula sempre a licitação?
Nem sempre. Embora seja um vício grave, vigora no processo administrativo o princípio da instrumentalidade das formas. Se o Termo de Referência for robusto e suprir as necessidades de definição do objeto e viabilidade, e não houver prejuízo à competitividade, os órgãos de controle podem admitir a convalidação dos atos para evitar a perda de todo o procedimento.
4. Vale a pena utilizar arbitragem em todos os contratos administrativos?
Não. A arbitragem e os dispute boards envolvem custos elevados (honorários de árbitros, peritos, taxas de câmaras). Sua utilização é recomendada para contratos de grande vulto e alta complexidade técnica. Para contratos menores, os custos podem superar os benefícios, sendo preferível a mediação ou a via administrativa.
5. O que muda na defesa de empresas em pregões de serviços de engenharia?
A defesa deve focar na qualificação do objeto. Se o serviço possui complexidade técnica que exige metodologia de execução específica e intelectual, ele não deveria ser licitado como “comum” via pregão. A estratégia envolve provar, com base em laudos e acórdãos do TCU, que a simplificação do pregão coloca em risco a segurança e a qualidade da obra.
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Acesse a lei relacionada em Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-11/do-pregao-ao-sicx-a-cronica-de-uma-morte-anunciada-nas-licitacoes-publicas/.