A prisão preventiva representa o “front” mais tenso e decisivo da advocacia criminal brasileira. Ela coloca em colisão direta a liberdade individual e o poder punitivo do Estado, muitas vezes exercido de forma antecipada sob o manto da “garantia da ordem pública”. No cenário atual, a audiência de custódia consolidou-se não apenas como um filtro de legalidade, mas como uma verdadeira trincheira onde a defesa técnica precisa atuar com precisão cirúrgica para evitar o encarceramento automático.
A evolução legislativa, especialmente após o Pacote Anticrime, reforçou o sistema acusatório e a excepcionalidade da cautelar. Contudo, a realidade forense impõe desafios que vão além da letra da lei. O profissional de alta performance deve dominar a interpretação dogmática sobre o periculum libertatis e estar preparado para combater o “automatismo” judicial que insiste em tratar a prisão como regra. A atuação na custódia exige combatividade fundamentada em estratégia processual, e não apenas o cumprimento de um protocolo.
A Natureza Jurídica e o Mito de “Não Discutir o Mérito”
Existe um mantra repetido exaustivamente de que a audiência de custódia não comporta discussão de mérito. Cuidado com essa simplificação. Embora não seja o momento para instrução probatória profunda, a defesa não pode se calar diante de atipicidade flagrante ou excludentes de ilicitude evidentes. Se o fato narrado não constitui crime (ex: princípio da insignificância ou atipicidade material), não existe o fumus comissi delicti. Sem crime, não há prisão.
Portanto, o advogado deve discutir o mérito sempre que ele for capaz de implodir a justa causa para a ação penal ou para a própria prisão. O juiz deve analisar três pontos fundamentais, mas sob uma ótica crítica:
- Legalidade do flagrante: Verificar nulidades, violação de domicílio ou flagrante preparado.
- Necessidade da cautelar: A prisão é indispensável ou apenas conveniente?
- Adequação: As medidas do art. 319 do CPP são suficientes?
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Enfrentando o “Cheque em Branco” da Ordem Pública
O Artigo 312 do CPP exige o periculum libertatis. Na prática, porém, magistrados utilizam o conceito vago de “garantia da ordem pública” para decretar prisões com base na gravidade abstrata do delito ou no clamor social. A defesa de excelência não deve apenas alegar bons antecedentes; ela deve desafiar o Ministério Público e o Juízo a demonstrarem a prognose de reiteração delitiva.
O ônus de provar que o agente voltará a delinquir é do Estado. A defesa não deve provar fato negativo (que ele não delinquirá), mas sim apontar que os autos carecem de dados concretos que indiquem risco futuro. A prisão preventiva deve olhar para frente (risco processual), jamais para trás (antecipação de pena). Decisões baseadas em “gravidade do crime” sem vincular a um risco real à sociedade são nulas e devem ser combatidas via Habeas Corpus.
A Contemporaneidade e a Armadilha dos Crimes Permanentes
O princípio da contemporaneidade (Art. 315, §1º do CPP) dita que o risco deve ser atual. Fatos antigos não justificam medidas extremas. No entanto, o advogado deve estar atento à jurisprudência defensiva sobre crimes permanentes (como tráfico de drogas ou organização criminosa).
Muitos juízes tentam afastar a contemporaneidade alegando que o flagrante se prolonga no tempo. A estratégia defensiva deve ser clara: distinguir a “atualidade do flagrante” da “atualidade do risco”. Mesmo em crimes permanentes, se o agente não apresentava riscos concretos antes da abordagem (ex: não coagiu testemunhas, não tentou fugir), a prisão preventiva carece de fundamento cautelar. A ausência de fatos novos que indiquem perigo deve ser explorada exaustivamente.
Conversão de Ofício: A Violação ao Sistema Acusatório
A vedação à conversão da prisão em flagrante em preventiva de ofício é uma conquista do sistema acusatório, ratificada pela jurisprudência do STJ (RHC 131.263) e pela lei. O juiz não pode agir sem provocação do Ministério Público ou representação policial. Contudo, a resistência judicial em primeira instância ainda é comum.
Se o juiz converter a prisão de ofício, a postura do advogado deve ser combativa:
- Arguir a nulidade imediatamente como Questão de Ordem.
- Exigir que o protesto conste expressamente na ata de audiência.
- Preparar o Habeas Corpus para o tribunal imediatamente, alegando violação ao art. 311 do CPP e imparcialidade do julgador.
O advogado não pode ser passivo diante de um “Poder Geral de Cautela” que não existe mais em nosso ordenamento processual penal.
Provas Digitais e Esvaziamento do Fumus Comissi Delicti
No processo penal moderno, o celular é a principal fonte de prova. Na audiência de custódia, a defesa deve estar atenta à cadeia de custódia. Se houve acesso aos dados do aparelho (conversas de WhatsApp, fotos) sem autorização judicial ou consentimento válido do preso no momento da abordagem, a prova é ilícita.
A estratégia aqui é refinada: ao invés de apenas alegar nulidade, o advogado deve demonstrar que, retirando-se a prova ilícita, o fumus comissi delicti (indícios de autoria) desaparece ou enfraquece a ponto de não sustentar a prisão. Se a materialidade ou autoria dependem exclusivamente da prova contaminada, a liberdade é impositiva.
Medidas Cautelares e Estratégia Defensiva
A prisão preventiva é a ultima ratio. O advogado deve adotar uma postura propositiva quanto às medidas cautelares diversas da prisão (Art. 319 do CPP). Se a liberdade plena for improvável devido às circunstâncias, requeira subsidiariamente o monitoramento eletrônico ou recolhimento noturno, demonstrando a adequação e suficiência dessas medidas.
Argumentar sobre a homogeneidade é essencial: manter alguém preso preventivamente por um crime cuja pena final será cumprida em regime aberto fere a lógica do sistema. A cautelar não pode ser mais severa que a própria sanção penal provável.
Dominar esses meandros — sabendo quando atacar o mérito, como blindar o cliente de generalidades e como reagir a ilegalidades em tempo real — é o que diferencia o advogado que apenas acompanha o ato daquele que efetivamente luta pela liberdade.
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Insights sobre o Tema
A análise crítica revela que a audiência de custódia é um campo de batalha onde a teoria encontra a resistência da prática. O advogado não deve temer discutir o mérito quando este afeta a tipicidade. A “ordem pública” deve ser combatida exigindo-se prognose de risco concreto, não suposições. A contemporaneidade é a regra, e deve ser defendida mesmo contra a tese dos crimes permanentes. A conversão de ofício é nula e exige reação imediata em ata. Por fim, a ilicitude das provas digitais deve ser usada para esvaziar os indícios de autoria, atacando a base da prisão preventiva.
Perguntas e Respostas
Como reagir se o juiz converter a prisão em preventiva de ofício?
O advogado deve, imediatamente, arguir uma Questão de Ordem alegando nulidade por violação ao sistema acusatório e ao art. 311 do CPP. É crucial exigir que essa arguição conste em ata para fundamentar o Habeas Corpus que deve ser impetrado em seguida no tribunal competente.
É verdade que não se discute mérito na audiência de custódia?
Esta é uma verdade parcial que pode prejudicar a defesa. Embora não haja instrução profunda, a defesa deve discutir o mérito se houver atipicidade evidente (ex: insignificância) ou excludente de ilicitude clara, pois isso elimina o fumus comissi delicti, requisito essencial para qualquer prisão.
Como enfrentar o argumento da “garantia da ordem pública”?
A defesa deve exigir a demonstração concreta do periculum libertatis. Não basta a gravidade do crime; o juiz ou o MP devem apontar elementos nos autos que indiquem uma probabilidade real de reiteração delitiva (prognose de risco). Se não há risco futuro demonstrado, a prisão é antecipação de pena e, portanto, ilegal.
O acesso ao celular do preso no momento do flagrante valida a prisão?
Se o acesso aos dados (WhatsApp, fotos) ocorreu sem autorização judicial ou consentimento voluntário e expresso, a prova é ilícita. A defesa deve argumentar que, desconsiderando essa prova nula, não restam indícios suficientes de autoria (fumus comissi delicti) para sustentar a prisão preventiva.
O princípio da contemporaneidade se aplica ao tráfico de drogas?
Sim, aplica-se a todos os crimes. Embora juízes usem o argumento de “crime permanente” para justificar prisões, a defesa deve diferenciar a atualidade do crime da atualidade do risco. Se o indivíduo estava sendo investigado há meses sem ser preso e sem gerar novos riscos, a prisão repentina viola a contemporaneidade (Art. 315, §1º, CPP).
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Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-05/a-prisao-preventiva-na-audiencia-de-custodia-e-seus-novos-elementos-a-luz-da-lei-15-272-2025/.