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Voto Vinculado: Conselheiro e Acordo de Acionistas na LSA

Artigo de Direito
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A Vinculação do Voto do Conselheiro de Administração ao Acordo de Acionistas à Luz da Lei 6.404/76

A Natureza Jurídica do Acordo de Acionistas no Ordenamento Brasileiro

O Direito Societário contemporâneo enfrenta constantes desafios na busca pelo equilíbrio entre a autonomia da vontade dos sócios e o interesse social da companhia. No centro desse debate, encontra-se o acordo de acionistas, um instrumento jurídico vital para a governança corporativa e para a estabilidade das relações empresariais. A Lei nº 6.404/1976, conhecida como Lei das Sociedades por Ações (LSA), conferiu a esses pactos parassociais uma eficácia singular, especialmente no que tange à vinculação dos votos proferidos em conclaves sociais.

O acordo de acionistas não é meramente um contrato preliminar ou uma declaração de intenções. Trata-se de um negócio jurídico de natureza contratual, mas com efeitos que transcendem as partes signatárias, projetando-se sobre a própria estrutura orgânica da sociedade. Para que essa projeção ocorra, é imperativo que o acordo verse sobre matérias específicas, como a compra e venda de ações, a preferência para adquiri-las, o exercício do direito de voto ou o poder de controle, e que esteja devidamente arquivado na sede da companhia.

A doutrina majoritária reconhece que a oponibilidade do acordo de acionistas à companhia é o que garante a sua execução específica. Isso significa que a sociedade não é apenas uma terceira espectadora, mas sim a destinatária dos efeitos daquele pacto. Esse entendimento é fundamental para compreender a mecânica de vinculação do voto, pois retira a discussão do campo puramente obrigacional (perdas e danos) e a insere no campo da validade e eficácia das deliberações sociais.

Ao aprofundar-se no estudo do Direito Societário, percebe-se que a segurança jurídica proporcionada pelo artigo 118 da LSA é um dos pilares para a atração de investimentos. Investidores institucionais e minoritários buscam, através desses acordos, mitigar riscos e garantir que a gestão da companhia siga diretrizes pré-estabelecidas, independentemente das oscilações políticas momentâneas no conselho de administração.

O Dever Fiduciário do Conselheiro versus a Vinculação ao Acordo

Uma das questões mais intrincadas e debatidas no âmbito do Direito Empresarial diz respeito à posição do conselheiro de administração eleito por força de um acordo de acionistas. A tensão reside no aparente conflito entre os deveres fiduciários impostos aos administradores e a obrigatoriedade de seguir a orientação de voto estipulada no pacto parassocial. Por um lado, o artigo 154 da Lei das S.A. estabelece que o administrador deve exercer suas atribuições visando aos fins e interesses da companhia.

Por outro lado, o acordo de acionistas, muitas vezes, dita como esse administrador deve votar em determinadas matérias. A controvérsia surge quando o conselheiro alega que seguir o acordo violaria seu dever de diligência ou o interesse da companhia. Tradicionalmente, defendia-se a tese de que o administrador não poderia agir como um mero mandatário do acionista que o elegeu, devendo manter total independência de julgamento.

No entanto, a evolução jurisprudencial e legislativa tem consolidado um entendimento diverso quando existe um acordo de acionistas devidamente arquivado. A interpretação sistêmica da norma sugere que, ao aceitar o cargo sabendo de sua eleição vinculada a um acordo, o conselheiro adere tacitamente às regras de governança ali estabelecidas. A legitimidade do voto vinculado não decorre de uma submissão pessoal do conselheiro ao acionista, mas da eficácia legal do acordo perante a companhia.

Entender essa nuance é crucial para advogados que atuam na consultoria de grandes empresas ou em litígios societários complexos. A Pós-Graduação em Direito Empresarial oferece as ferramentas dogmáticas necessárias para diferenciar o exercício regular do direito de voto no conselho do abuso de poder ou do conflito de interesses, temas que frequentemente se entrelaçam nessas disputas.

A Execução Específica e a Invalidade do Voto Dissidente

A grande inovação do artigo 118 da Lei 6.404/76 reside nos seus parágrafos 8º e 9º, que tratam da execução específica das obrigações de fazer constantes no acordo. O legislador pátrio foi além de simplesmente permitir a execução judicial; ele criou mecanismos de autotutela dentro da própria estrutura corporativa. O presidente da mesa da assembleia ou do órgão colegiado de deliberação (conselho de administração) tem o dever legal de não computar o voto proferido com infração ao acordo devidamente arquivado.

Essa disposição legal transforma o presidente da mesa em um fiscal da legalidade do acordo de acionistas. Se um conselheiro de administração, vinculado a um acordo de voto em bloco, tenta votar de forma divergente do que foi pactuado na reunião prévia dos signatários, seu voto não deve ser apenas ignorado; ele deve ser desconsiderado para fins de contagem. Mais do que isso, a lei permite que o voto correto (o voto concordante com o acordo) seja computado, garantindo o resultado pretendido pelas partes.

Isso demonstra que a vontade manifestada no acordo de acionistas se sobrepõe à vontade momentânea do conselheiro dissidente. Juridicamente, opera-se uma substituição da vontade: a manifestação válida é aquela cristalizada no acordo, e qualquer ato em contrário é viciado na origem. Não se trata de cercear a liberdade do conselheiro, mas de assegurar a prevalência do pacto que estruturou o poder de controle ou a gestão compartilhada da sociedade.

O Papel do Presidente do Conselho na Fiscalização

O presidente do conselho de administração assume, nesse contexto, uma responsabilidade nevrálgica. Ele não pode alegar desconhecimento do acordo se este estiver arquivado na sede da companhia. Sua omissão em desconsiderar o voto infringente pode levar à anulação da deliberação social e à sua responsabilização pessoal por violação de dever funcional. A atuação do presidente deve ser pautada pela estrita legalidade, garantindo que a “regra do jogo” estabelecida pelos acionistas seja cumprida dentro da sala do conselho.

Essa dinâmica reforça a característica institucional do acordo de acionistas no Brasil. Diferente de outras jurisdições onde tais acordos são vistos estritamente como contratos privados entre sócios, no Brasil eles possuem força estatutária indireta. O presidente do órgão colegiado age quase como um juiz administrativo daquela deliberação, aplicando a regra do artigo 118 de ofício quando provocado pela parte prejudicada ou diante da evidência do acordo arquivado.

A Teoria do Mandato Imperativo versus Independência do Administrador

A discussão acadêmica sobre a vinculação do voto do conselheiro remete à distinção entre mandato imperativo e mandato livre. Aqueles que criticam a vinculação argumentam que o conselheiro tem deveres indelegáveis e personalíssimos. Alegam que, ao votar por imposição de um acordo, o administrador estaria violando o artigo 155 da LSA (dever de lealdade), pois estaria servindo ao interesse do acionista e não necessariamente ao da companhia.

Contudo, a doutrina moderna rebate esse argumento com a visão de que o interesse social não é uma entidade abstrata e desvinculada dos acionistas. O interesse da companhia é definido, em última análise, pelos seus proprietários. Se estes, através de um acordo lícito, definiram uma estratégia de gestão e elegeram administradores para implementá-la, seguir essa estratégia não configura, por si só, violação aos deveres fiduciários. Pelo contrário, a estabilidade na gestão é, frequentemente, do melhor interesse da sociedade.

É evidente que a obediência ao acordo não é absoluta a ponto de justificar a prática de atos ilícitos. Se o acordo determinar, por exemplo, a aprovação de contas fraudulentas ou a realização de operações lesivas ao patrimônio social, o conselheiro tem não apenas o direito, mas o dever de recusar o cumprimento. Nesses casos extremos, a ordem pública e as normas cogentes da LSA prevalecem sobre a autonomia privada do acordo. Entretanto, nas decisões de gestão empresarial (business judgment rule), a vinculação ao acordo deve prevalecer.

Limites da Vinculação e Responsabilização

A validade da vinculação do voto não isenta o conselheiro de responsabilidade pelos seus atos. Se o voto proferido em cumprimento ao acordo causar dano à companhia, tanto o conselheiro quanto os acionistas signatários do acordo podem ser responsabilizados. O artigo 117 da LSA, que trata do abuso de poder de controle, e o artigo 158, que trata da responsabilidade dos administradores, continuam aplicáveis.

Portanto, o conselheiro de administração vive em um regime de dupla lealdade mitigada: ele deve lealdade à companhia, mas a expressão dessa lealdade passa pelo filtro das diretrizes estabelecidas no acordo de acionistas que viabilizou sua eleição. O Direito reconhece que a figura do “conselheiro independente” é distinta da figura do “conselheiro eleito por acordo de acionistas”. Tratar ambos com a mesma régua jurídica seria ignorar a realidade da governança corporativa e a vontade do legislador ao redigir o artigo 118.

Aspectos Processuais e a Tutela Jurisdicional

Quando a autotutela falha — ou seja, quando o presidente da mesa aceita o voto infringente ou se recusa a computar o voto conforme o acordo — a questão desagua no Judiciário ou na Arbitragem. A tutela específica das obrigações de fazer é o remédio processual adequado. As ações judiciais visam, em regra, a anulação da deliberação tomada em desacordo com o pacto ou a obtenção de uma ordem liminar para que o voto seja computado corretamente antes mesmo da consumação da ata.

A jurisprudência dos tribunais estaduais e do Superior Tribunal de Justiça tem se mostrado cada vez mais deferente aos termos dos acordos de acionistas. O entendimento é de que o Poder Judiciário não deve interferir no mérito das decisões empresariais, mas deve garantir ferrenhamente que os contratos que regem essas decisões sejam cumpridos. A previsibilidade é o valor supremo no Direito Empresarial. Se um acionista investiu milhões com base na garantia de que teria controle sobre certas decisões, o Judiciário deve honrar essa expectativa legítima protegida pela lei.

Profissionais que desejam atuar nessa área devem dominar não apenas o direito material, mas também as estratégias processuais para a defesa desses interesses. A rapidez na obtenção de tutelas de urgência é, muitas vezes, o que define a manutenção do controle de uma companhia ou a perda de um ativo estratégico. O domínio sobre os remédios constitucionais e processuais aplicáveis às disputas societárias é um diferencial competitivo inestimável.

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Insights sobre o Tema

A análise aprofundada da obrigatoriedade de obediência do conselheiro de administração ao acordo de acionistas revela que o Direito Brasileiro optou por um modelo forte de enforcement contratual no âmbito societário. A autonomia da vontade, quando instrumentalizada e arquivada conforme o artigo 118 da LSA, ganha foros de quase-estatuto, vinculando órgãos da administração e garantindo a estabilidade política da empresa. O grande insight para o jurista é compreender que a “independência” do conselheiro não é um dogma absoluto, mas um conceito que deve conviver harmonicamente com a força normativa dos contratos parassociais, sob pena de esvaziar a segurança jurídica necessária ao mercado de capitais.

Perguntas e Respostas

1. O presidente da mesa pode, de ofício, desconsiderar o voto de um conselheiro que viole o acordo de acionistas?
Sim. De acordo com o parágrafo 8º do artigo 118 da Lei 6.404/76, o presidente da mesa da assembleia ou do órgão de deliberação colegiada não deve computar o voto proferido com infração ao acordo de acionistas devidamente arquivado na sede da companhia.

2. O conselheiro de administração pode ser responsabilizado pessoalmente se votar conforme o acordo, mas esse voto causar prejuízo à companhia?
Sim. Embora o voto seja vinculado, o conselheiro e os acionistas signatários do acordo não estão imunes à responsabilização por atos ilícitos ou abusivos. Se o cumprimento do acordo resultar em abuso de poder de controle ou violação do dever de diligência com dolo ou culpa, a responsabilidade civil pode ser apurada conforme os artigos 158 e 117 da LSA.

3. É necessário que o acordo de acionistas esteja arquivado na sede da companhia para vincular o voto do conselheiro perante a sociedade?
Sim. Para que o acordo tenha eficácia perante a companhia e permita a execução específica (como a desconsideração do voto infringente pelo presidente da mesa), o arquivamento na sede da sociedade é um requisito indispensável, conforme o caput do artigo 118 da LSA.

4. O conselheiro eleito por um grupo de acionistas é considerado um mandatário desse grupo?
A doutrina diverge, mas prevalece o entendimento de que o conselheiro não é um simples mandatário (representante) do acionista, pois deve lealdade à companhia (Art. 154). No entanto, a existência de um acordo de acionistas cria uma vinculação jurídica específica que obriga o conselheiro a seguir a orientação de voto, harmonizando o dever fiduciário com a obrigação contratual parassocial, salvo em casos de ilicitude manifesta.

5. O que acontece se o acordo de acionistas previr uma decisão que é manifestamente ilegal?
Nesse caso, a vinculação perde sua força. O acordo de acionistas não pode se sobrepor às normas de ordem pública ou induzir à prática de atos ilícitos. O conselheiro tem o dever de recusar o cumprimento de cláusulas que violem a lei, sob pena de responsabilidade pessoal, prevalecendo o interesse público e a legalidade sobre a autonomia privada.

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Acesse a lei relacionada em Lei nº 6.404/1976

Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-17/obrigatoriedade-do-conselheiro-de-administracao-obedecer-conteudo-do-acordo-de-acionistas/.

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