O uso excessivo da força policial sob a ótica jurídica
O tema do uso excessivo da força policial representa um dos tópicos mais sensíveis e desafiadores do Direito contemporâneo. Além de mobilizar debates sociais e éticos, trata-se de uma questão central no Direito Penal, no Direito Processual Penal e no âmbito dos direitos humanos. Advogados, juízes, promotores e estudiosos devem compreender os limites da atuação estatal, especialmente quando a força é empregada contra cidadãos, para assegurar tanto a ordem pública quanto a tutela dos direitos fundamentais. Este artigo aprofunda elementos jurídicos essenciais que envolvem o controle do uso da força policial e suas implicações.
A força policial e seus fundamentos legais
O uso da força pelo Estado respalda-se no princípio da legalidade e na delegação de poder de polícia, conceito jurídico que atribui ao Estado a prerrogativa de limitar e restringir direitos individuais em prol do interesse público. A atuação das autoridades policiais deve estar pautada, principalmente, pelos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e necessidade, além do respeito aos direitos fundamentais insculpidos na Constituição Federal, notadamente nos arts. 5º e 144.
No âmbito infraconstitucional, o Código Penal brasileiro prevê limites claros à atuação dos agentes de segurança, especialmente quando do exercício regular de direito (art. 23, III) e do estrito cumprimento do dever legal (art. 23, III). No entanto, a extrapolação desses limites pode ensejar responsabilidade penal, civil ou administrativa do agente estatal.
O conceito de uso excessivo e sua configuração jurídica
No contexto jurídico, configura-se uso excessivo da força quando o policial, diante de uma situação que demandaria contenção ou resposta proporcional, adota medidas superiores, desnecessárias ou proibidas, implicando violação ao princípio da proporcionalidade. A proporcionalidade, por sua vez, exige que a resposta estatal ao perigo ou agressão seja adequada à ameaça, à gravidade do delito e às circunstâncias apresentadas, sob pena de incorrer em abusos.
A doutrina e a jurisprudência brasileira apontam que a análise do excesso deve ser feita caso a caso, considerando-se elementos subjetivos e objetivos: o contexto da ação, a existência de alternativa à força letal, a intenção do agente e, sobretudo, o resultado da conduta. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem posição consolidada quanto à possibilidade de responsabilização penal mesmo diante da alegação de estrito cumprimento do dever legal, se verificada a extrapolação destes limites.
Excludentes de ilicitude e o debate sobre a ótica do momento da ameaça
O exame do uso da força policial caminha, naturalmente, para a análise das excludentes de ilicitude previstas no art. 23 do Código Penal, em particular a legítima defesa (inciso II) e o estrito cumprimento do dever legal (inciso III). A legítima defesa pressupõe o uso moderado dos meios necessários para repelir injusta agressão, atual ou iminente.
Nos tribunais, debate-se fortemente a ótica do momento da ameaça: isto é, se a avaliação da licitude da conduta policial deve ser feita exclusivamente a partir das percepções e informações disponíveis ao agente no exato momento da ação, ou se é possível, posteriormente, concluir por excesso com base nos resultados efetivos ou dados obtidos a posteriori sobre a real periculosidade da situação.
A visão tradicional defende o exame sob o ponto de vista do agente, levando em conta o perigo aparente e o estado psicológico do policial no calor da ocorrência. Contudo, cresce uma abordagem crítica que rejeita a exclusividade desse critério, permitindo a responsabilização mesmo quando a percepção imediata do policial indicava risco, caso, à luz posterior, reste comprovado o excesso ou a desnecessidade da resposta adotada.
Responsabilização do agente e controles jurisdicionais
A responsabilização do policial que atua com excesso pode ocorrer em esferas cível, administrativa e penal. No campo penal, além da possibilidade de exclusão da ilicitude em legítima defesa putativa (art. 20, §1º, do CP), há identificação do excesso doloso ou culposo, tipificando-se crimes como homicídio qualificado, lesão corporal dolosa, abuso de autoridade (Lei 13.869/19), entre outros.
Na esfera administrativa, são comuns os processos disciplinares para apuração de desvios de conduta, podendo acarretar suspensão, demissão, cassação de aposentadoria etc. Já a responsabilidade civil busca a reparação de danos sofridos pela vítima, baseando-se no art. 37, §6º, da Constituição Federal, que consagra a responsabilidade objetiva do Estado por atos de seus agentes.
Critérios para avaliação do uso da força
A atuação policial deve ser permanentemente avaliada, especialmente em situações críticas como perseguições, abordagens a suspeitos armados e controle de distúrbios civis. O Ministério Público e o Judiciário devem analisar a razoabilidade, legalidade, proporcionalidade e inevitabilidade dos meios empregados.
A experiência comparada e instrumentos internacionais, como o Código de Conduta para Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei (ONU) e os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e de Armas de Fogo (1990), também determinam que o uso letal só será legítimo quando estritamente inevitável para proteger a vida.
Consequências processuais e probatórias
O uso desproporcional da força impacta diretamente a validade das provas colhidas nas diligências policiais e pode invalidar prisões em flagrante ou confissões obtidas mediante coação. A violação à legalidade pode ser arguida em sede de defesa, como nulidade absoluta, com base nos princípios do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF) e da inadmissibilidade de provas ilícitas (art. 5º, LVI, da CF).
Cabe ao advogado atuar estrategicamente para demonstrar eventual excesso, realizando perícias, juntando laudos periciais, histórico de atendimento médico, depoimentos e imagens, bem como requerendo a produção de outras provas documentais ou testemunhais. O domínio dessa dinâmica é crucial à atuação em processos criminais modernos.
Vale ressaltar que o aprofundamento técnico no tema dá ao profissional a habilidade necessária para defender com qualidade interesses de vítimas ou de policiais injustamente acusados. A especialização, como oferecida pela Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal da Legale, proporciona ferramentas avançadas para navegar nesses contextos, analisando nuances processuais e materiais com precisão.
O papel do advogado e do Ministério Público
O advogado possui função central na investigação e no questionamento de abusos, tendo dever ético de atuar na defesa dos direitos e garantias fundamentais. Não raramente, a qualificação jurídica do excesso pode levar à desclassificação de crimes dolosos contra a vida, revisão de prisões cautelares, retratação de confissões e, inclusive, responsabilização do Estado por danos morais e materiais.
Já o Ministério Público, órgão defensor da ordem jurídica e fiscal da lei, deve pautar sua atuação pela busca da verdade real e proteção do interesse público, promovendo a denúncia dos agentes cujo uso de força tenha excedido os limites legais ou requerendo o arquivamento dos autos quando restar comprovada a licitude ou a inexigibilidade de conduta diversa.
Normas internacionais e influência no direito brasileiro
O desempenho das polícias brasileiras é indiretamente regulado também por normas e recomendações internacionais. O Brasil é signatário de acordos internacionais sobre direitos humanos, como o Pacto de San José da Costa Rica e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, os quais demandam adoção de medidas efetivas para prevenir e punir abusos no uso da força por agentes públicos.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao julgar casos paradigmáticos, reforça o dever dos Estados de implementar controles independentes, transparência e dispositivos sancionatórios claros, além de garantir à vítima amplo acesso à justiça. Tais orientações têm repercussões práticas em ações judiciais e policiamento no Brasil.
O futuro do controle do uso da força
O aprimoramento doutrinário e jurisprudencial acerca do uso excessivo da força exige constante atualização do profissional do Direito. Temas como câmeras corporais, tutela de vulneráveis, procedimentos investigativos independentes e indenizações por danos morais estão em alta nas cortes superiores e requerem conhecimento aprofundado.
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Insights
O controle do uso da força policial demanda leitura crítica e multidisciplinar do Direito. O estudo criterioso de cada caso, somado ao entendimento das normas constitucionais, infraconstitucionais e internacionais, é fundamental para balizar decisões seguras e éticas. O operador do Direito deve se instrumentalizar de forma sólida para atuar tanto na defesa de vítimas de abusos, quanto na proteção dos agentes que atuaram dentro da legalidade.
Perguntas e respostas
Quais são as principais excludentes de ilicitude aplicáveis ao uso policial da força?
São a legítima defesa e o estrito cumprimento do dever legal, ambos previstos no art. 23 do Código Penal, desde que observados os critérios de necessidade e proporcionalidade.
Como o Judiciário avalia se houve excesso no uso da força?
Analisa-se o contexto em que ocorreu a ação, a existência de risco real, se havia alternativas menos lesivas e se a resposta foi objetiva e proporcional à ameaça.
O agente policial pode ser responsabilizado mesmo acreditando estar sob ameaça?
Sim. Caso fique comprovado que o uso da força foi desnecessário ou desproporcional, a responsabilização é possível independentemente da percepção subjetiva do agente no momento do fato.
Quais são os efeitos processuais do uso excessivo da força?
Provas obtidas por atos ilegais podem ser consideradas ilícitas, podendo gerar nulidade de processos, soltura de réus e responsabilização do Estado.
A vítima de abuso policial pode ser indenizada?
Sim. O Estado responde objetivamente pelos danos causados por seus agentes, conforme o art. 37, §6º, da Constituição Federal, podendo a vítima pleitear indenização por danos materiais e morais.
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Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm#art37%C2%A76
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-set-06/rejeicao-da-regra-do-momento-da-ameaca-pela-suprema-corte-dos-eua-barnes-v-felix-2025-e-o-uso-excessivo-de-forca-policial/.