A Natureza Jurídica da Revisão Criminal: Mais que um Recurso, uma Ação de Resgate
A revisão criminal ocupa um lugar singular no sistema processual penal brasileiro. Diferente do que o senso comum jurídico por vezes propaga, ela não se configura como um recurso em sentido estrito, nem como uma “apelação tardia”. Trata-se, tecnicamente, de uma ação autônoma de impugnação. Seu objetivo primário é a desconstituição da coisa julgada quando esta se formou a partir de vícios graves ou erros judiciários evidentes.
A segurança jurídica, pilar do Estado de Direito, encontra seu limite ético na justiça material. O ordenamento não tolera que a estabilidade das decisões sirva de manto para encobrir a condenação de um inocente ou a aplicação ilegal de uma pena. Portanto, na tensão entre a res judicata e a liberdade, prevalece a dignidade da pessoa humana.
O artigo 621 do Código de Processo Penal estabelece o rol taxativo para o manejo desta ação. A doutrina e a jurisprudência são uníssonas: não basta a insatisfação da defesa com a interpretação dos fatos. É necessário demonstrar:
- Sentença contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;
- Sentença fundada em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;
- Surgimento de novas provas de inocência ou de circunstância que determine diminuição especial da pena.
O Obstáculo da Súmula 7 e a Distinção entre Reexame e Revaloração
Um dos pontos mais críticos na prática da revisão criminal é a interpretação do conceito de “decisão contrária à evidência dos autos”. O advogado deve ter cautela: a revisão não serve para sopesar novamente provas subjetivas já valoradas (o chamado inconformismo com a justiça da decisão). O erro deve ser crasso, divorciado da realidade processual.
Ao levar a questão aos tribunais superiores, a defesa enfrenta uma barreira formidável: a Súmula 7 do STJ, que veda o reexame de fatos e provas. Para superar esse obstáculo, é vital dominar a distinção técnica entre reexame de prova (proibido) e revaloração jurídica da prova (permitido).
O reexame ocorre quando se pede ao tribunal que decida qual testemunha falou a verdade. A revaloração, por outro lado, ocorre quando a defesa aceita os fatos descritos no acórdão, mas demonstra que a qualificação jurídica dada a esses fatos está errada, ou que a condenação se baseou em elementos não considerados “prova” pelo ordenamento (como um inquérito não judicializado).
A Armadilha das Novas Provas e a Necessidade da Justificação Criminal
O inciso III do artigo 621 permite a revisão criminal baseada em “novas provas”. Contudo, este é o ponto onde muitos profissionais falham processualmente. Não basta anexar à petição de revisão uma declaração escrita de uma testemunha nova, ou um documento particular sem contraditório. A revisão criminal não admite dilação probatória em seu bojo.
Para introduzir validamente uma prova testemunhal nova, o advogado deve manejar, previamente, uma Ação de Justificação Criminal (medida cautelar preparatória). É neste procedimento, perante o juízo de primeiro grau e com a participação obrigatória do Ministério Público, que a prova será produzida e judicializada (pré-constituída). Somente após a homologação da Justificação é que se instrui a Revisão Criminal. Ignorar essa etapa leva, invariavelmente, ao indeferimento da ação.
Para dominar essas nuances procedimentais que separam o êxito do arquivamento, o aprofundamento acadêmico é indispensável. A Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal oferece o ferramental técnico para compreender não apenas a teoria, mas a “engenharia” processual exigida nessas ações complexas.
Soberania dos Veredictos vs. Liberdade: A Revisão no Tribunal do Júri
A revisão criminal contra decisões do Tribunal do Júri traz à tona o debate sobre a soberania dos veredictos. A jurisprudência moderna e garantista consolidou o entendimento de que a soberania é uma garantia instituída em favor do réu, e não do Estado. Logo, ela não pode servir de escudo para perpetuar condenações injustas.
Se o Conselho de Sentença condena alguém de forma manifestamente contrária à prova dos autos, o Tribunal de Justiça possui competência plena para, em sede revisional, absolver o réu diretamente (juízo rescisório), sem necessidade de submetê-lo a um novo Júri. A decisão dos jurados, embora soberana, não é onipotente frente à ausência total de lastro probatório.
Estratégia Processual: O Dever de Fundamentação e a Indenização
A omissão judicial é um vício frequente. Tribunais estaduais muitas vezes rejeitam revisões criminais com argumentos padronizados, sem enfrentar as teses defensivas, violando o artigo 93, IX, da Constituição Federal.
A estratégia correta exige combatividade:
- Embargos de Declaração: São imprescindíveis. Se o tribunal se omite, a defesa deve opor embargos para forçar o enfrentamento da tese e garantir o pré-questionamento explícito.
- Recurso Especial: Persistindo a omissão, abre-se a via do REsp por violação ao artigo 619 do CPP (negativa de prestação jurisdicional). O STJ não tolerará a “fundamentação per relationem” preguiçosa que não agrega raciocínio próprio ao caso.
Por fim, não se deve esquecer do artigo 630 do Código de Processo Penal. Ao ajuizar a revisão, é dever do advogado cumular o pedido de absolvição com o pedido de justa indenização pelos prejuízos sofridos. O reconhecimento do erro judiciário deve vir acompanhado da reparação pelo Estado, fechando o ciclo de justiça para o cidadão indevidamente condenado.
Insights sobre o Tema
A revisão criminal exige prova pré-constituída. Não há fase de instrução (ouvir testemunhas) dentro do tribunal. Para fatos novos, a Justificação Criminal é etapa obrigatória e anterior.
A Súmula 7 do STJ é o maior obstáculo prático. A petição deve ser desenhada para demonstrar erro de direito ou valoração jurídica, fugindo da armadilha do reexame fático.
A soberania do Júri é relativa em favor da liberdade. O Tribunal togado pode absolver diretamente um condenado pelo júri se a decisão for teratológica (absurda).
O pedido de indenização por erro judiciário (Art. 630 do CPP) deve ser expresso na inicial da revisão criminal, sob pena de necessidade de nova ação cível posterior.
A fundamentação das decisões judiciais é garantia constitucional. O advogado não deve aceitar negativas genéricas; o manejo de Embargos de Declaração é essencial para abrir as portas das Cortes Superiores.
Perguntas e Respostas
1. Posso arrolar testemunhas para serem ouvidas na Revisão Criminal?
Não diretamente na ação de revisão. A revisão criminal não admite dilação probatória. Se você tem testemunhas novas, deve primeiro ajuizar uma Justificação Criminal na primeira instância. Após a oitiva das testemunhas e homologação judicial, utiliza-se esse procedimento como prova documental para instruir a Revisão Criminal.
2. A Revisão Criminal serve para reduzir a pena?
Sim. O artigo 621, III, prevê expressamente a revisão quando houver circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena. É comum o uso da revisão para corrigir erros na dosimetria, afastar reincidências indevidas ou reconhecer causas de diminuição ignoradas na sentença.
3. O Tribunal pode absolver réu condenado pelo Júri em Revisão Criminal?
Sim. Embora o veredicto dos jurados seja soberano, essa soberania cede diante da inocência do réu. Se a condenação não tiver suporte algum nas provas (decisão manifestamente contrária), o Tribunal pode absolver o réu diretamente (absolvição própria), sem a necessidade de anular o julgamento para realização de novo Júri.
4. Há prazo para entrar com a Revisão Criminal?
Não há prazo decadencial. A revisão criminal pode ser ajuizada a qualquer tempo, inclusive após o cumprimento da pena ou após a morte do réu (neste caso, para reabilitar sua memória). A busca pela justiça e a correção do erro estatal não prescrevem.
5. O que fazer se o Tribunal negar a revisão sem analisar minha tese?
Você deve opor Embargos de Declaração alegando omissão. Isso é crucial para “pré-questionar” a matéria. Se o tribunal persistir na omissão, rejeitando os embargos, cabe Recurso Especial ao STJ alegando nulidade do acórdão por negativa de prestação jurisdicional e violação ao dever de fundamentação.
Aprofunde seu conhecimento sobre o assunto na Wikipedia.
Acesse a lei relacionada em Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689/1941)
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-13/stj-reconhece-omissao-e-manda-tj-sp-reavaliar-pedido-de-revisao-criminal/.