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Restos Mortais: Responsabilidade do Estado e Indenização

Artigo de Direito
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A administração de cemitérios públicos e a guarda de restos mortais constituem um serviço público de extrema sensibilidade e relevância social. Quando o Poder Público falha nessa tarefa, gerando o desaparecimento de ossadas ou a violação de sepulturas, o ordenamento jurídico brasileiro impõe consequências severas. Este tema, contudo, exige do operador do Direito mais do que a leitura rasa da lei; demanda uma compreensão técnica sobre a evolução da jurisprudência, especialmente no confronto entre as teses de defesa da Fazenda Pública e a proteção à dignidade da pessoa humana.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu artigo 37, parágrafo 6º, a teoria do risco administrativo. No entanto, a aplicação dessa responsabilidade no contexto da perda de restos mortais evoluiu de uma simples análise de “falta de serviço” para a compreensão do Estado como garante da integridade daqueles despojos.

Da Omissão Genérica à Omissão Específica: O Dever de Agir

A discussão doutrinária clássica costuma diferenciar a responsabilidade objetiva (atos comissivos) da subjetiva (atos omissivos). Todavia, no contencioso envolvendo cemitérios, essa distinção simplista é frequentemente derrubada. O advogado deve atentar-se para a tese da omissão específica.

Ao assumir a custódia de um corpo, o Estado não está apenas “deixando de vigiar” (omissão genérica); ele assume um dever específico de proteção e incolumidade. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), com repercussão no tema da responsabilidade por omissão (vide RE 841.526), sinaliza que quando o Poder Público tem o dever legal de agir para impedir o evento danoso e não o faz, a responsabilidade é objetiva.

  • Dever de Custódia: O Município atua como depositário fiel dos restos mortais.
  • Risco Criado: A falha na vigilância que permite o furto ou a troca de ossadas não é mera negligência anônima, mas o descumprimento de uma obrigação de resultado (a guarda).

Portanto, em petições iniciais ou recursos, é tecnicamente mais robusto argumentar pela responsabilidade objetiva decorrente da omissão específica do dever de guarda, dispensando a necessidade de provar a culpa individual de um servidor (*faute du service*), focando apenas no nexo causal entre a custódia estatal e o desaparecimento.

Procedimentos de Exumação e a “Armadilha do Edital”

O ponto nevrálgico de muitas defesas municipais reside na legalidade do procedimento administrativo de exumação após o prazo legal (geralmente 3 a 5 anos). A defesa pública comumente alega o cumprimento do princípio da publicidade através da notificação via Diário Oficial (Edital).

Aqui reside um insight prático fundamental para a advocacia: a jurisprudência pátria tem rechaçado a validade da notificação ficta (editalícia) quando se trata de direitos da personalidade e violação de túmulos.

  • Insuficiência do Edital: Presumir que famílias, muitas vezes hipossuficientes, leiam o Diário Oficial do Município diariamente é uma ficção jurídica que não se sustenta frente à dignidade da pessoa humana.
  • Necessidade de Notificação Pessoal: Para que a exumação e o envio dos ossos ao ossuário geral (vala comum) sejam lícitos, exige-se a tentativa inequívoca de notificação pessoal (Carta com AR) do titular do jazigo.

A exumação realizada apenas com base em publicação oficial, sem esgotar os meios de localização da família, configura ato ilícito administrativo, gerador do dever de indenizar, independentemente da inadimplência de taxas de manutenção.

Dano Moral In Re Ipsa e a Legitimidade Ativa

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento de que a violação de sepultura e a perda de restos mortais configuram dano moral in re ipsa. A dor é presumida pela própria gravidade do fato. Contudo, o advogado deve estar preparado para o contra-ataque das Procuradorias: a tese da ilegitimidade ativa de parentes distantes ou a banalização do instituto.

Embora o dano seja presumido, a extensão da indenização (o quantum) está intrinsecamente ligada à proximidade do vínculo afetivo.

  • Núcleo Familiar Imediato: Pais, filhos e cônjuges gozam de presunção absoluta de sofrimento intenso.
  • Parentes Colaterais: Irmãos, tios ou sobrinhos, embora legitimados pelo art. 12 do Código Civil, podem ter a indenização minorada ou questionada se não demonstrarem, no caso concreto, a manutenção de laços afetivos estreitos com o falecido.

O método bifásico de fixação de indenização, recomendado pelo STJ, leva em conta não apenas a punição ao ente público, mas a extensão do dano suportado. Portanto, instruir o processo com provas de visitas ao túmulo e cuidados com a memória do morto fortalece a tese de um dano moral elevado, blindando a ação contra argumentos de “mero aborrecimento”.

Prescrição e a Prova do “Actio Nata”

Em ações contra a Fazenda Pública, o prazo prescricional é quinquenal (Decreto 20.910/32). O erro comum é contar esse prazo a partir da data da exumação indevida — que muitas vezes ocorre anos antes da descoberta pela família.

A tese vencedora é a da Actio Nata em sua vertente subjetiva: o prazo só começa a correr da ciência inequívoca do dano.

Dica Prática: Não basta alegar que “só soube agora”. O advogado deve constituir prova material dessa ciência. O Boletim de Ocorrência (B.O.) lavrado no momento em que a família chega ao cemitério e não encontra os restos mortais, ou o indeferimento formal de um pedido administrativo de translado, são as âncoras temporais que impedem a prescrição. Sem esses documentos, o risco de o juiz considerar a data do registro interno do cemitério como termo inicial é alto.

Excludentes de Responsabilidade: O Fortuito Interno

Por fim, ao enfrentar a contestação, o causídico deve antecipar as alegações de “fato de terceiro” (vandalismo, furto de ossadas por terceiros) ou “força maior”.

Nesse nicho jurídico, aplica-se o conceito de fortuito interno. A segurança do cemitério faz parte do risco da atividade administrativa. Se o Município não provê muros altos, vigilância noturna ou controle de acesso, o furto de ossadas não é um evento imprevisível, mas uma consequência direta da desídia estatal. A falha na segurança integra a causa de pedir e afasta a excludente de ilicitude.

Compreender essas nuances — da ineficácia do edital à natureza específica da omissão — é o que separa uma petição genérica de uma tese vencedora nos Tribunais Superiores.

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Acesse a lei relacionada em Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932

Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-08/municipio-de-sao-paulo-e-condenado-por-perda-de-restos-mortais/.

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