Poder Requisitório de Autoridades Policiais e a Proteção de Dados Médico-Sigilosos
O tema da requisição de prontuários médicos por autoridades policiais envolve um complexo equilíbrio entre poderes investigatórios do Estado e a tutela do direito fundamental à privacidade e sigilo das informações pessoais, em especial as de saúde. Para profissionais do Direito, um entendimento apurado dessa matéria é indispensável, tanto pela alta incidência de conflitos na atuação prática, quanto pela evolução jurisprudencial e legislativa.
O Princípio do Sigilo Médico e sua Proteção Legal
O sigilo médico, no ordenamento brasileiro, é assegurado por diversos diplomas legais. O artigo 5º, X, da Constituição Federal garante a inviolabilidade da intimidade, “salvo, em casos específicos, por ordem judicial ou para investigação criminal, conforme lei”. O Código Penal, em seu artigo 154, criminaliza a quebra do segredo profissional.
Além disso, o Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 2.217/2018) consagra a confidencialidade das informações obtidas em razão da atividade médica. O artigo 73, por exemplo, veda ao médico “revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou autorização expressa do paciente”.
O sigilo, assim, opera como regra, admitindo exceções que sejam compatíveis com o ordenamento, demandando fundamentação específica e respeito ao devido processo legal.
Poder Requisitório dos Delegados de Polícia: Fundamento Legal
O poder requisitório da autoridade policial está delineado no artigo 13, II, do Código de Processo Penal: “Incumbe ainda à autoridade policial, no curso da investigação, requisitar informações e exames periciais, bem como proceder a quaisquer diligências”. A requisição é um instrumento para garantir a efetividade do inquérito policial, possibilitando acesso célere a dados relevantes para elucidação dos fatos.
O artigo 6º, III, do CPP completa, sustentando que compete à autoridade policial “colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias”. O fundamento para a requisição está, portanto, ancorado tanto em dispositivo expresso quanto nos princípios da efetividade e eficiência da persecução penal.
Acesso a Prontuários Médicos: Limites e Conflitos
O acesso instaurado por requisição policial a prontuários médicos enfrenta limites pertinentes ao direito fundamental à intimidade e privacidade do paciente. A Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018), em seu artigo 7º, § 4º, dispõe que o tratamento dos dados sensíveis de saúde só pode ocorrer nos casos expressos, demandando, preferencialmente, o consentimento do titular, salvo hipóteses legais específicas.
O artigo 89 da LGPD ressalva o “acesso por autoridade policial competente”, desde que motivado e fundamentado para a salvaguarda do interesse público, sempre sob o crivo da proporcionalidade e necessidade. A própria Lei nº 8.069/1990 (ECA), ao tratar do sigilo dos dados das crianças e adolescentes, traz regramento semelhante.
A doutrina em geral delimita que o poder de requisitar dados médicos não é absoluto: requer justificação idônea, pertinência temática com a investigação e respeito à dignidade do investigado. Também há um entendimento robusto de que o asseguramento do contraditório e o controle judicial de eventuais excessos são indispensáveis.
O Papel do Judiciário e o Devido Processo Legal
Nos casos em que haja recusa fundamentada do profissional de saúde ou da instituição médica em fornecer documentos sob alegação de sigilo, é comum o encaminhamento da questão ao Judiciário. O magistrado, nesse contexto, pondera os interesses em jogo e decide sobre a quebra excepcional do sigilo, como autorizado pelo artigo 5º, XII, da Constituição.
Jurisprudencialmente, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que, em havendo interesse público relevante e necessidade para investigação criminal, admite-se o acesso a dados médicos sob requisição policial fundamentada. Contudo, o acesso não deve ser irrestrito, e depende de ponderação concreta acerca da imprescindibilidade da medida.
Princípios Constitucionais e a Proteção dos Direitos Fundamentais
O princípio da proporcionalidade é o grande vetor das decisões sobre o tema. Para que a requisição policial se sobreponha ao sigilo profissional, é preciso que a medida seja adequada, necessária e proporcional em sentido estrito. Ou seja: só se pode sacrificar, ainda que pontualmente, a privacidade do paciente caso não exista outro meio apto a alcançar o mesmo fim investigativo.
Destaca-se ainda o artigo 197 do Código Penal, que pune o constrangimento ilegal, evitando que o profissional de saúde seja indevidamente forçado a violar o sigilo sem a devida fundamentação.
Responsabilidade Civil e Ética do Profissional de Saúde
A eventual quebra do sigilo sem respaldo normativo acarreta ao profissional tanto responsabilidade ética quanto civil e, em algumas hipóteses, penal. A Responsabilidade Civil do médico, firmada no artigo 186 do Código Civil, pode se configurar pela exposição indevida do conteúdo do prontuário. Ética e juridicamente, cabe ao profissional apenas fornecer dados mediante requisição formal, motivada, e com atenção aos limites legais.
Para aprofundar esse entendimento, é recomendável a atualização profissional e a qualificação específica, como na Pós-Graduação em Direito Médico e da Saúde, que aborda não só o poder de requisição por autoridades, mas também os aspectos de responsabilidade multidisciplinar envolvidos na relação médico-paciente.
Nuances Interpretativas e Debates Atuais
Há quem defenda que, diante da gravidade dos direitos fundamentais em jogo, a requisição policial deveria ser sempre intermediada pelo Poder Judiciário. Outros entendem que, diante da urgência de certos casos (crimes com risco iminente ou envolvendo vulneráveis), o delegado pode requisitar diretamente, mas a decisão pode ser revisada judicialmente se provocada.
Com a vigência da LGPD, a discussão se aprofundou, impondo às instituições médicas e aos profissionais de Direito um novo patamar de responsabilidade no tratamento de dados sensíveis, além do mapeamento de riscos e procedimentos internos de compliance.
A prática forense revela casos de tensionamento entre o sistema de justiça criminal e o sistema protetivo de direitos de personalidade, requerendo sensibilidade jurídica e sólida formação técnica.
Cadastros, Prontuários Eletrônicos e o Desafio Digital
O avanço dos sistemas digitais de registros médicos amplia o debate sobre o poder requisitório policial. A proteção desses bancos de dados exige protocolos rígidos de segurança informacional e registros de acessos, em linha com a LGPD e demais normas regulatórias.
Toda consulta, extração ou cópia de documentação médica deve ser formalmente documentada. O compartilhamento indiscriminado ou expondo o paciente a constrangimento pode ensejar medidas disciplinares e judiciais, inclusive contra as instituições de saúde.
O Papel do Advogado na Defesa dos Direitos Envolvidos
Na opinião técnica de muitos especialistas, cabe ao advogado atuar, tanto em defesa da autoridade requisitante — zelando pela lisura e adequação formal do pedido —, como dos titulares dos dados médicos, impugnando eventuais excessos e buscando o controle jurisdicional das medidas invasivas.
O uso estratégico do habeas data e do mandado de segurança são ferramentas viáveis quando a privacidade do paciente é envolvida em situações aparentemente arbitrárias, respectivamente para garantir acesso a informações próprias e para evitar ou corrigir abusos de autoridade.
O acompanhamento das evoluções normativas e decisão jurisprudencial é fundamental, especialmente para quem atua na interface entre Direito Penal, Constitucional, Processual e Médico. Aprofundar-se sobre esse tema é essencial para preparar defesas, instruir procedimentos internos ou orientar profissionais/instituições de saúde.
Considerações Finais e Caminhos para Aperfeiçoamento Profissional
O debate sobre o poder requisitório das autoridades policiais e o acesso a prontuários médicos apresenta-se como matéria intrincada, na qual conflitam prerrogativas estatais de investigação e direitos individuais à privacidade e ao sigilo profissional. Os limites, fundamentos e procedimentos a serem observados exigem do operador do Direito conhecimento multifacetado — jurídico, ético e prático.
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Insights Essenciais
– O poder de requisição policial de prontuários médicos não é ilimitado; requer fundamentação, pertinência e respeito à proporcionalidade.
– O avanço da LGPD e as exigências de proteção de dados impõem rigorosos requisitos para o compartilhamento de informações sensíveis de saúde.
– O controle judicial é ferramenta indispensável para evitar violações arbitrárias do sigilo.
– Profissionais do direito devem se manter atualizados quanto às nuances legislativas e ao entendimento dos tribunais sobre o tema.
– Cursos de especialização, como uma Pós-Graduação em Direito Médico e da Saúde, agregam conhecimento e aumentam a segurança jurídica na atuação profissional.
Perguntas e Respostas Frequentes
1. Em quais situações o delegado de polícia pode requisitar prontuários médicos sem ordem judicial?
O delegado pode requisitar em investigações criminais quando houver necessidade justificada, mas a requisição deve ser fundamentada e limitada ao necessário para a apuração dos fatos, respeitando a legislação sobre sigilo e proteção de dados.
2. O médico pode se recusar a entregar o prontuário à polícia?
Sim, se o pedido não estiver devidamente fundamentado, sendo legítima a recusa para preservar o direito ao sigilo. Nesses casos, cabe ao policial buscar ordem judicial ou fundamentar melhor sua requisição.
3. O paciente deve ser informado sobre o acesso ao seu prontuário?
Em regra, sim, salvo se a investigação policial exigir sigilo absoluto para não comprometer a apuração. É recomendável que o profissional ou instituição proceda à comunicação, quando possível.
4. Qual o papel do advogado nesse tipo de conflito?
O advogado pode representar tanto a instituição/médico como o paciente, assessorando quanto ao cumprimento da legislação, revisando a legitimidade das requisições e, se necessário, buscando intervenção judicial.
5. O acesso irregular a dados médicos pode gerar responsabilização?
Sim, a quebra inadequada do sigilo pode ensejar responsabilidade civil, penal e ética tanto para o profissional de saúde quanto para a autoridade pública, além das sanções administrativas previstas na LGPD.
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Acesse a lei relacionada em Lei Complementar nº 105/2001 – Sigilo das Operações de Instituições Financeiras
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-ago-30/poder-requisitorio-dos-delegados-de-policia-e-acesso-a-prontuarios-medicos/.