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Reconhecimento Pessoal: Validade e Nulidade no Art. 226

Artigo de Direito
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O Reconhecimento Pessoal e a Crise de Confiabilidade Probatória no Processo Penal

A busca pela reconstrução fática no processo penal — distanciando-se do mito inalcançável da “verdade real” — enfrenta constantes desafios quando a prova da autoria delitiva reside exclusivamente na memória humana. O reconhecimento pessoal, figura central no Código de Processo Penal, é paradoxalmente um dos meios de prova mais utilizados e a maior causa de erros judiciários no Brasil. A discussão sobre a validade desse ato transcende a mera formalidade legal; trata-se de garantir a confiabilidade epistêmica da prova e respeitar o devido processo legal.

Historicamente, o sistema de justiça operou sob uma lógica inquisitória, tratando as regras do artigo 226 do CPP como meras “recomendações”. Contudo, a jurisprudência recente, impulsionada por uma advocacia criminal combativa e pela psicologia do testemunho, impôs uma mudança de paradigma. A memória não é uma filmadora que reproduz fatos com exatidão; é um processo reconstrutivo, falível e altamente sugestionável. Compreender isso é vital para qualquer operador do Direito, tema aprofundado na Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal.

A Superação do “Mera Recomendação”: O Impacto do HC 598.886/SC

O marco dessa evolução jurisprudencial é o julgamento do Habeas Corpus 598.886/SC pelo Superior Tribunal de Justiça. Neste precedente paradigmático, a Corte estabeleceu que o procedimento previsto no artigo 226 do CPP é obrigatório, e não facultativo. O rito exige etapas claras:

  • Descrição Prévia: A testemunha deve descrever a pessoa a ser reconhecida antes de vê-la. Isso serve para testar a consistência da memória original.
  • Alinhamento (Line-up): O suspeito deve ser colocado ao lado de outras pessoas com características físicas semelhantes.
  • Ausência de Sugestão: O ato não pode induzir a resposta.

A antiga justificativa estatal baseada na expressão “se possível” do texto legal, utilizada para legitimar a falta de estrutura das delegacias e a ausência de dublês, não mais se sustenta. O entendimento atual é pragmático e garantista: se o Estado não possui condições de realizar o ato conforme a lei determina, o ato não deve ser realizado, sob pena de nulidade. A precariedade da infraestrutura policial não pode servir de salvo-conduto para a produção de provas ilegais que encarcerem inocentes.

A Psicologia do Testemunho e a Atuação da Defesa Técnica

A validade do reconhecimento não pode ser dissociada da ciência. O fenômeno das falsas memórias demonstra que uma testemunha pode, com total honestidade, acusar um inocente. Fatores como o “efeito do foco na arma” (weapon focus effect) e o estresse agudo diminuem a capacidade de percepção.

Para o advogado criminalista, não basta alegar a nulidade; é preciso demonstrar a contaminação da memória. Aqui, a atuação vai além do jurídico: a defesa pode se valer de assistentes técnicos (psicólogos forenses) para analisar a credibilidade do depoimento e apontar vieses cognitivos no inquérito. A repetição do reconhecimento em juízo (“show-up” em audiência), meses ou anos depois, não valida o erro inicial; apenas confirma uma memória já alterada pela sugestão policial. Essa expertise estratégica é desenvolvida em cursos práticos como o de Advogado Criminalista.

O Reconhecimento Fotográfico e o Racismo Estrutural

O reconhecimento fotográfico merece uma crítica ainda mais severa. A prática corriqueira de apresentar “álbuns de suspeitos” nas delegacias é um vetor de injustiças e reflete o racismo estrutural do sistema penal. Esses álbuns são, majoritariamente, compostos por fotos de jovens negros e periféricos, muitas vezes inseridos ali sem qualquer condenação prévia, apenas por abordagens policiais antigas.

O STJ, seguindo a linha do HC 712.781/RJ, tem reforçado que o reconhecimento fotográfico serve, no máximo, como ponto de partida investigativo (notitia criminis), jamais como prova apta a sustentar, por si só, uma condenação. A defesa deve questionar a origem da fotografia: como ela foi parar no álbum? Houve autorização? Se a foto foi obtida ou mantida ilegalmente, toda a cadeia de custódia da prova está contaminada.

Standard Probatório e Livre Convencimento Motivado

Embora o Brasil não adote formalmente o standard do “além da dúvida razoável” (*beyond a reasonable doubt*) como no sistema anglo-saxão, a lógica do in dubio pro reo exige rigor similar. O princípio do livre convencimento motivado (art. 155 do CPP) não autoriza o juiz a condenar com base em “intuição” ou fé na palavra da vítima quando o procedimento de reconhecimento foi viciado.

A condenação exige um standard probatório elevado. Se o reconhecimento foi falho (sem alinhamento, por foto antiga, ou induzido), ele gera uma dúvida razoável invencível. Cabe à acusação o ônus de trazer provas independentes e autônomas (corroboração) — como câmeras, biometria ou geolocalização. Sem isso, a absolvição é a única medida constitucionalmente adequada.

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Insights para a Advocacia Criminal

  • Ataque a Forma: No reconhecimento, a forma é garantia. A inobservância do art. 226 do CPP gera nulidade, e o prejuízo é presumido.
  • Questione a Origem: Em casos de reconhecimento fotográfico, investigue de onde veio a foto do cliente. Álbuns de delegacia frequentemente violam direitos de imagem e perpetuam estigmas raciais.
  • Cite os Precedentes: Em suas peças, invoque expressamente o HC 598.886/SC e o HC 712.781/RJ. Mostre ao juiz que a jurisprudência superior mudou.
  • Multidisciplinaridade: Considere o uso de pareceres de psicologia do testemunho para desconstruir a “certeza” da vítima em reconhecimentos tardios ou induzidos.

Perguntas e Respostas

1. O reconhecimento fotográfico realizado na delegacia é suficiente para condenar?
Não. Conforme a jurisprudência atual do STJ, o reconhecimento fotográfico é apenas uma etapa investigativa inicial. Ele não tem força probatória para, isoladamente, fundamentar uma condenação, especialmente se não for confirmado por outras provas materiais ou testemunhais independentes sob o crivo do contraditório.

2. A falta de estrutura da delegacia justifica o descumprimento do art. 226 do CPP?
Não. O argumento de que “não havia pessoas semelhantes” para fazer o alinhamento (line-up) não valida a prova. Se o Estado não pode cumprir a lei, ele não pode realizar o ato. A cláusula “se possível” do art. 226 não é um cheque em branco para a ilegalidade; a impossibilidade técnica deve levar à não realização do reconhecimento ou à sua desconsideração probatória.

3. A confirmação do reconhecimento em juízo sana a nulidade do inquérito?
Não. Se o reconhecimento na fase policial foi viciado (sugestivo), a memória da testemunha já está contaminada (falsa memória). Quando a testemunha aponta o réu em audiência, ela pode estar apenas confirmando a imagem que viu na delegacia, e não lembrando do fato original. A defesa deve lutar para que a nulidade do ato inicial contamine a ratificação judicial.

4. Qual é a importância do HC 598.886/SC para a defesa?
Este Habeas Corpus é o divisor de águas que superou a tese de “nulidade relativa” ou “mera recomendação”. Ele estabelece que o rito do art. 226 do CPP é garantia mínima de confiabilidade. Citar esse precedente é obrigatório para demonstrar que o descumprimento das formas legais resulta na imprestabilidade da prova.

5. Como o racismo estrutural afeta o reconhecimento de pessoas?
Ocorre tanto pelo “efeito cross-racial” (dificuldade cognitiva de reconhecer rostos de etnias diferentes) quanto pela formação enviesada dos álbuns de suspeitos policiais, majoritariamente compostos por homens negros. A defesa deve estar atenta para combater esse viés, questionando a seletividade e a legalidade da inclusão da foto do réu no acervo policial.

Aprofunde seu conhecimento sobre o assunto na Wikipedia.

Acesse a lei relacionada em Código de Processo Penal – Art. 226

Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-10/stj-reabre-debate-sobre-condenacao-so-com-base-em-reconhecimento-pessoal/.

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