O Princípio da Publicidade e a Transparência na Administração Pública: Da Teoria à Prática Forense
O Estado Democrático de Direito parte da premissa de que o poder, por emanar do povo, deve ser exercido sob seus olhos. No entanto, para o operador do Direito, essa máxima não pode ser apenas retórica poética; ela é uma imposição técnica. A transparência administrativa deixa de ser uma opção discricionária do gestor para se tornar um dever inafastável, moldando a validade e a eficácia dos atos estatais.
A Constituição Federal de 1988, ao romper com a cultura do segredo de regimes anteriores, elevou a publicidade ao status de princípio regente no artigo 37, caput. Contudo, a prática forense revela um cenário de tensão constante. O advogado contemporâneo não enfrenta apenas a ausência de publicação, mas fenômenos mais complexos como a “publicidade de fachada”, o uso ilegítimo da LGPD como escudo para a opacidade e a necessidade de auditar algoritmos públicos. Compreender essas nuances é vital para o controle da legalidade e a defesa dos direitos fundamentais.
A Publicidade como Requisito de Eficácia e Validade: Um Olhar Crítico
A doutrina clássica ensina que a publicidade é condição de eficácia do ato administrativo. Ou seja, um ato não publicado, ainda que perfeito em sua formação, não produz efeitos externos nem onera o cidadão. É a publicação que deflagra a contagem de prazos para impugnações e garante o contraditório.
Porém, a advocacia combativa deve ir além. A ocultação dolosa de um ato administrativo não gera apenas ineficácia; ela ataca o princípio da Moralidade Administrativa. Quando a Administração esconde atos para evitar o controle social ou beneficiar apadrinhados, ocorre um vício de finalidade (desvio de poder).
Nesse sentido, o advogado não deve arguir apenas que o ato “não vale” porque não foi publicado; deve-se sustentar a nulidade do ato por violação à moralidade e à impessoalidade. A publicidade é o instrumento que permite aos órgãos de controle (MP, Tribunais de Contas) e ao cidadão (via Ação Popular) fiscalizar a res publica.
Para aprofundar-se nessas distinções entre planos de existência, validade e eficácia no Direito Público, o curso de Pós-Graduação Prática em Direito Administrativo oferece o ferramental dogmático necessário para identificar nulidades que escapam a uma análise superficial.
O Embate LGPD versus LAI: Superando o “Chilling Effect”
Um dos maiores desafios atuais reside na tensão entre a Lei de Acesso à Informação (LAI) e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Teoricamente, as normas devem se harmonizar: a LAI garante a transparência da gestão, e a LGPD protege a intimidade.
Na prática forense, contudo, observa-se o fenômeno do chilling effect (efeito inibidor). Gestores públicos utilizam a LGPD como um escudo ilegítimo para negar acesso a informações que deveriam ser públicas, sob o pretexto genérico de “proteção de dados”.
O advogado deve estar preparado para litigar contra essa “anonimização excessiva”. É preciso diferenciar com clareza:
- Dados Pessoais Sensíveis: (Ex: saúde, biometria, crença religiosa) – Devem ser protegidos.
- Dados Funcionais/Públicos: (Ex: remuneração, lotação, decisões assinadas por agentes públicos) – São de interesse coletivo e não estão cobertos pelo sigilo da LGPD.
O STF já pacificou que a publicidade de salários e atos de agentes públicos prepondera sobre a privacidade, pois visa o controle do erário. A LGPD não revogou a transparência; ela qualificou o tratamento de dados.
Da Publicidade de Papel aos Dados Abertos e Algoritmos
Na era digital, cumprir a publicidade apenas postando um arquivo PDF escaneado (imagem) no Diário Oficial configura o que chamamos de “transparência de fachada”. Embora cumpra a formalidade, viola a materialidade do direito à informação, pois impede a indexação, a busca e a auditoria dos dados.
A Lei 12.527/11 (LAI) exige o respeito aos Dados Abertos (Open Data). A Administração deve fornecer informações em formatos legíveis por máquina (como CSV, XML, API), permitindo que a sociedade civil cruze dados e fiscalize a gestão.
Além disso, surge uma nova fronteira: a Transparência Algorítmica. O Estado utiliza cada vez mais Inteligência Artificial para malha fina fiscal, seleção de licitações e policiamento preditivo. O princípio da publicidade no século XXI exige a abertura da “caixa-preta” desses critérios. Decisões automatizadas que afetam direitos dos cidadãos devem ter seus critérios e códigos auditáveis. O segredo do algoritmo não pode se sobrepor ao devido processo legal.
Remédios Constitucionais: Rigor Técnico na Escolha da Via
Quando a via administrativa falha, o Judiciário é o garantidor da publicidade. No entanto, o advogado deve ter rigor técnico na escolha do remédio constitucional, sob pena de indeferimento da inicial.
- Habeas Data: Possui espectro restrito. Serve exclusivamente para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante. Além disso, exige prova da negativa administrativa prévia (Súmula 2 do STJ). Não serve para pedir dados de terceiros ou dados gerais de governo.
- Mandado de Segurança: É a via adequada para proteger o direito líquido e certo de obter certidões e informações de interesse coletivo ou geral (fiscalização de gastos, contratos, etc.), conforme o art. 5º, XXXIII da CF.
- Ação Popular: Instrumento poderoso para anular atos lesivos à moralidade, muitas vezes ocultos pela falta de publicidade.
A jurisprudência é firme em anular atos que tentam criar categorias de sigilo não previstas em lei. O sigilo é exceção estritíssima (segurança do Estado e intimidade), e a motivação para decretá-lo deve ser contemporânea e exaustiva.
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Insights Práticos sobre o Princípio da Publicidade
- Validade x Eficácia: A falta de publicação retira a eficácia, mas a intenção de ocultar gera nulidade por vício de moralidade.
- Dados Abertos: Publicidade em formatos não editáveis (PDF de imagem) viola o espírito da LAI. Exija dados estruturados.
- Ônus da Prova: O sigilo deve ser justificado pela Administração. Na dúvida, prevalece a publicidade (in dubio pro publicitate).
- Limites da LGPD: A proteção de dados não blinda o agente público do escrutínio social. Dados funcionais são públicos.
- Via Adequada: Nunca impetre Habeas Data para buscar informações gerais de governo; use o Mandado de Segurança.
Perguntas e Respostas
1. A LGPD pode ser usada para negar acesso a contratos públicos que contenham nomes de sócios de empresas?
Não. A participação em empresas que contratam com o Poder Público é dado de interesse coletivo. A Administração não pode usar a LGPD para ocultar os beneficiários de verbas públicas. A transparência sobre quem contrata com o Estado prevalece sobre a privacidade empresarial ou dos sócios nesse contexto.
2. O que caracteriza a “transparência de fachada” ou “opacidade técnica”?
Ocorre quando a Administração divulga informações de forma confusa, desatualizada ou em formatos que impedem o tratamento dos dados (como fotos de documentos ou PDFs não pesquisáveis). Isso fere o princípio da publicidade em sua dimensão material, pois a informação existe, mas é inacessível na prática.
3. Qual a diferença prática entre usar Habeas Data e Mandado de Segurança para acesso à informação?
O Habeas Data é personalíssimo: serve apenas para dados sobre você mesmo e exige recusa administrativa prévia comprovada. Se você quer dados sobre gastos da prefeitura, salários de servidores ou andamento de licitações, a via correta é o Mandado de Segurança, fundamentado no direito de acesso à informação pública.
4. Atos internos da administração (memoriais, pareceres preliminares) precisam ser publicados no Diário Oficial?
Não necessariamente no Diário Oficial, que é reservado para atos de efeitos externos ou oficiais. Porém, eles não podem ser secretos. Pela Lei de Acesso à Informação, processos administrativos findos ou em curso são acessíveis, ressalvadas as hipóteses de sigilo legal e documentos preparatórios que ainda fundamentarão a decisão final (para evitar interferência indevida durante a formação da convicção).
5. Como o advogado deve atuar diante de decisões administrativas tomadas por Inteligência Artificial?
O advogado deve exigir a “explicabilidade” e a publicidade dos critérios do algoritmo. Com base no devido processo legal e na motivação dos atos administrativos, não se pode aceitar uma decisão “caixa-preta”. É direito do administrado saber quais dados alimentaram a decisão e qual a lógica utilizada pelo sistema automatizado.
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Acesse a lei relacionada em Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011)
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-14/ao-ignorar-principio-da-publicidade-defensoria-tenta-reescrever-a-constituicao/.