O Dever de Cobertura de Insumos Terapêuticos de Alto Custo pelos Planos de Saúde
A relação jurídica estabelecida entre operadoras de planos de saúde e beneficiários é, inegavelmente, um dos terrenos mais férteis para o litígio no cenário jurídico brasileiro atual. O cerne da discussão transcende a mera interpretação contratual, tocando em direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal, notadamente o direito à vida e à saúde.
Quando analisamos a negativa de custeio de tecnologias modernas para o tratamento de doenças crônicas, como é o caso de insumos automatizados para controle glicêmico, deparamo-nos com um conflito entre a lógica atuarial das empresas e a necessidade terapêutica do paciente.
Para o profissional do Direito, compreender as nuances que envolvem a obrigatoriedade de cobertura de tratamentos não listados explicitamente no Rol da ANS ou considerados de alto custo é essencial. Não se trata apenas de ler a Lei nº 9.656/98, mas de entender a hermenêutica aplicada pelos Tribunais Superiores.
Neste artigo, exploraremos a fundamentação jurídica que sustenta a obrigação das operadoras em custear insumos essenciais, a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e a recente evolução legislativa sobre o caráter do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde.
A Natureza Jurídica do Contrato de Assistência à Saúde e o CDC
A primeira premissa para a atuação eficaz nesta seara é o reconhecimento da aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) aos contratos de plano de saúde. A Súmula 608 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificou esse entendimento, excetuando apenas os planos de autogestão.
Sob a ótica consumerista, o contrato de adesão firmado com a operadora deve ser interpretado de maneira mais favorável ao consumidor, conforme preconiza o artigo 47 do CDC. Isso significa que cláusulas limitativas de direito, redigidas de forma obscura ou que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, são passíveis de nulidade.
A negativa de cobertura de um tratamento prescrito pelo médico assistente, sob a alegação de que o método não consta no contrato, fere o princípio da boa-fé objetiva. O objeto principal do contrato é a garantia da saúde e da vida; negar o meio necessário para atingir esse fim desnatura a própria essência do negócio jurídico.
Ao lidar com negativas de cobertura, o advogado deve fundamentar sua peça na abusividade descrita no artigo 51, inciso IV, do CDC. A restrição de tratamento prescrito por profissional habilitado, quando a doença é coberta pelo contrato, cria um desequilíbrio contratual inaceitável.
Doença Coberta versus Terapêutica Escolhida
Um dos pilares da jurisprudência dominante reside na distinção entre a patologia e a terapêutica. Os tribunais têm reiterado que cabe à operadora de saúde definir quais doenças estão cobertas pelo plano contratado (obedecendo ao mínimo legal e à classificação da CID).
No entanto, é vedado à operadora interferir na escolha do tratamento. A definição da melhor técnica, do medicamento adequado ou do insumo necessário para o restabelecimento do paciente é competência exclusiva do médico assistente.
Se o plano de saúde cobre a doença — por exemplo, o diabetes —, ele não pode se recusar a custear o tratamento mais eficaz prescrito pelo médico, ainda que este seja mais oneroso ou tecnologicamente avançado, como bombas de infusão contínua. Aprofundar-se nessas distinções é vital, e uma Pós-Graduação em Direito Médico e da Saúde pode fornecer o arcabouço teórico necessário para construir teses robustas nesse sentido.
O entendimento é de que a ciência médica evolui mais rápido do que as atualizações burocráticas dos contratos e dos róis administrativos. Limitar o paciente a tratamentos obsoletos ou menos eficazes, quando há tecnologia disponível e prescrita, configura prática abusiva.
O Rol da ANS: Taxativo ou Exemplificativo?
A discussão sobre a natureza do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) sofreu reviravoltas significativas nos últimos anos. Historicamente, o STJ oscilou em suas decisões, ora considerando o rol exemplificativo, ora taxativo (com exceções).
Contudo, a promulgação da Lei nº 14.454/2022 trouxe um novo paradigma legislativo, alterando a Lei nº 9.656/98 para estabelecer critérios que permitem a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol da ANS.
A nova legislação determina que o rol serve como referência básica. Para que um tratamento fora do rol seja coberto, ele deve possuir eficácia comprovada cientificamente ou recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC), ou ainda recomendação de, no mínimo, um órgão de avaliação de tecnologias em saúde de renome internacional.
Portanto, o advogado deve instruir o processo não apenas com a negativa do plano, mas com evidências da eficácia do tratamento pleiteado. A mera alegação de “não consta no rol” por parte da operadora tornou-se um argumento frágil diante da nova realidade normativa.
O Fornecimento de Medicamentos e Insumos de Uso Domiciliar
Outro ponto de contenda frequente é a exclusão contratual de medicamentos e insumos para uso domiciliar. As operadoras frequentemente utilizam o artigo 10, inciso VI, da Lei nº 9.656/98 para negar coberturas que não exijam internação hospitalar.
Entretanto, a jurisprudência, especialmente no STJ, tem mitigado essa exclusão quando o tratamento domiciliar é um desdobramento do tratamento hospitalar ou quando é essencial para garantir a sobrevida e a qualidade de vida do paciente, evitando internações desnecessárias e mais onerosas.
No caso de dispositivos de infusão contínua de medicamentos, por exemplo, o entendimento é de que eles são acessórios indispensáveis ao ato médico e ao tratamento da doença crônica. A negativa sob o pretexto de ser “uso domiciliar” ou “medicamento não listado” esbarra no dever de garantir o resultado útil do contrato.
Para profissionais que desejam atuar com excelência na defesa dos beneficiários, entender as interseções com a legislação consumerista é crucial. Cursos focados, como os que ensinam como advogar no Direito do Consumidor, oferecem ferramentas práticas para desmontar essas teses restritivas das operadoras.
A Tutela de Urgência e a Prova Pericial
Na prática processual, a efetivação desses direitos ocorre, na maioria das vezes, via concessão de tutela de urgência (artigo 300 do Código de Processo Civil). A demonstração do periculum in mora é evidente em casos de saúde, onde a interrupção ou não início do tratamento pode causar danos irreversíveis.
O fumus boni iuris, ou a probabilidade do direito, deve ser construído com base em laudos médicos detalhados. O relatório médico não deve se limitar a prescrever; ele deve justificar a imperatividade daquela tecnologia específica em detrimento das alternativas convencionais oferecidas pelo plano.
O advogado deve orientar o cliente a solicitar ao médico um laudo circunstanciado, explicando por que as terapias tradicionais falharam ou não são indicadas para o caso concreto. Essa prova técnica pré-constituída é fundamental para o convencimento do magistrado em sede de liminar.
A Importância da Teoria do Mínimo Existencial
Argumentar com base na dignidade da pessoa humana e no mínimo existencial fortalece a tese autoral. O direito à saúde, embora prestado pela iniciativa privada, mantém seu caráter público e relevância social.
As operadoras de saúde exercem uma atividade delegada pelo Estado e, portanto, submetem-se a um regime jurídico híbrido que não permite a exploração econômica desenfreada em detrimento da vida dos beneficiários.
O argumento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, frequentemente invocado pelas defesas das operadoras, não pode se sobrepor ao direito à vida. O risco do negócio, incluindo o surgimento de novas tecnologias e o aumento da longevidade dos segurados, é inerente à atividade securitária e não pode ser transferido integralmente ao consumidor no momento de maior vulnerabilidade.
Dano Moral na Negativa Indevida
Além da obrigação de fazer (custeio do tratamento), a negativa indevida de cobertura, especialmente em situações de emergência ou que gerem aflição psicológica profunda, enseja reparação por danos morais.
O STJ possui entendimento consolidado de que a recusa injustificada de cobertura de plano de saúde gera dano moral in re ipsa (presumido), pois agrava a aflição e a angústia do paciente, que já se encontra fragilizado pela doença.
Contudo, é preciso cautela. Nem toda negativa gera dano moral. Se houver dúvida razoável na interpretação de cláusula contratual, alguns tribunais podem afastar a indenização, mantendo apenas a obrigação de custeio. A habilidade do advogado reside em demonstrar a abusividade flagrante e a má-fé na recusa.
Conclusão
A atuação jurídica em face das negativas de cobertura de insumos de alto custo exige um domínio técnico que vai além da leitura superficial da lei. É necessário articular os princípios constitucionais, as normas do Código de Defesa do Consumidor, a Lei dos Planos de Saúde e a vasta jurisprudência dos tribunais superiores.
A recente alteração legislativa sobre o rol da ANS trouxe maior segurança jurídica aos pacientes, mas a batalha judicial permanece complexa. As operadoras continuam a refinar suas teses de defesa, exigindo que a advocacia consumerista e de saúde esteja em constante atualização para garantir que o direito à vida prevaleça sobre cláusulas contratuais restritivas.
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Principais Insights
1. Supremacia da Prescrição Médica: O médico assistente detém a autoridade para decidir a melhor terapêutica. O plano de saúde não pode vetar o método de tratamento se a doença estiver coberta pelo contrato.
2. Rol da ANS como Referência Básica: Com a Lei 14.454/2022, o caráter taxativo do rol foi superado. Tratamentos fora da lista devem ser custeados se houver comprovação científica de eficácia.
3. Aplicação do CDC: A Súmula 608 do STJ garante a proteção do consumidor em contratos de planos de saúde (exceto autogestão), permitindo a revisão de cláusulas abusivas que limitem direitos fundamentais.
4. Uso Domiciliar não é Excludente Absoluto: A jurisprudência flexibiliza a exclusão de cobertura para insumos domiciliares quando estes são essenciais para a continuidade do tratamento e preservação da vida, equiparando-os a acessórios do ato médico.
5. Dano Moral Presumido: A recusa injusta de cobertura agrava o estado psicológico do paciente e pode gerar dever de indenizar independentemente da prova de dor efetiva, conforme entendimento do STJ.
Perguntas e Respostas
1. O plano de saúde pode negar um tratamento alegando que ele não consta no Rol da ANS?
Com a vigência da Lei 14.454/2022, a alegação isolada de ausência no rol não é suficiente para a negativa. Se existir comprovação científica da eficácia do tratamento ou recomendação da CONITEC/órgãos internacionais, a cobertura torna-se obrigatória.
2. Qual a diferença entre cobertura da doença e cobertura do tratamento?
A cobertura da doença refere-se à patologia listada na Classificação Internacional de Doenças (CID). A cobertura do tratamento refere-se aos meios (remédios, cirurgias, insumos) para combatê-la. Se o plano cobre a doença, via de regra, deve cobrir o tratamento prescrito, salvo exclusões legais expressas e válidas.
3. Insumos de uso contínuo, como bombas de infusão, entram na regra de exclusão de uso domiciliar?
Embora os planos tentem aplicar essa exclusão, os tribunais entendem majoritariamente que dispositivos essenciais para a manutenção da vida e controle de doenças crônicas graves devem ser custeados, pois a negativa frustraria a finalidade do contrato de saúde.
4. É necessário esgotar a via administrativa antes de processar o plano de saúde?
Não é obrigatório esgotar todas as instâncias administrativas da operadora ou da ANS, devido ao princípio da inafastabilidade da jurisdição. Contudo, é fundamental ter a prova da negativa (seja por documento escrito, e-mail ou número de protocolo) para demonstrar o interesse de agir.
5. O que é necessário para conseguir uma liminar nesses casos?
Para a concessão da tutela de urgência, é imprescindível um relatório médico detalhado indicando a urgência do tratamento, a ineficácia das terapias convencionais anteriores e o risco de dano irreparável à saúde do paciente caso o insumo não seja fornecido imediatamente.
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Acesse a lei relacionada em Lei nº 9.656/98
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-18/plano-de-saude-deve-custear-bomba-de-insulina-a-paciente-diabetico/.