A expansão penal e a precisão dogmática no combate às organizações criminosas e o conceito de narcoterrorismo
O Direito Penal contemporâneo enfrenta um desafio hermenêutico e prático sem precedentes diante da evolução da criminalidade organizada. A advocacia criminal e a magistratura se veem imersas em um debate que já ultrapassou as barreiras da dogmática clássica. Não estamos mais diante de uma mera tensão entre a necessidade de resposta estatal e a garantia da legalidade estrita; vivemos a era do eficientismo penal, onde a pressão política e social testa a porosidade das garantias constitucionais.
A discussão sobre o termo narcoterrorismo deixou de ser apenas semântica para se tornar um campo minado processual. O profissional do Direito que se baseia apenas nos manuais clássicos corre o risco de obsolescência imediata. É preciso compreender se estamos diante de uma retórica de política de segurança ou de uma reconfiguração silenciosa, porém brutal, da interpretação dos tipos penais pelos tribunais superiores. A confusão conceitual não leva apenas a denúncias ineptas, mas à criação de jurisprudências de exceção que se consolidam como regra.
A análise técnica exige o abandono da ingenuidade acadêmica. É imperativo dissecar não apenas a legislação de drogas e a lei antiterrorismo, mas entender como a realpolitik dos tribunais opera diante de fenômenos como o “Novo Cangaço” ou o “Domínio de Cidades”. A aplicação do Direito Penal do Inimigo não é mais uma ameaça teórica a ser evitada; é uma realidade positivada em institutos como o RDD, que o jurista deve saber manejar com pragmatismo e destreza estratégica, e não apenas com lamentações doutrinárias.
Do “Fim Político” ao “Efeito Terror”: A insuficiência do dolo específico
O expansionismo penal é uma característica marcante da legislação ocidental, mas sua aplicação no Brasil ganhou contornos de mutação constitucional informal. Tradicionalmente, a defesa técnica argumenta — com correção dogmática — que o narcotráfico visa o lucro, enquanto o terrorismo (Lei 13.260/2016) exige motivação de xenofobia, discriminação ou preconceito.
Contudo, essa distinção técnica, embora impecável no papel, enfrenta a dura realidade dos fatos. O fenômeno do domínio de cidades e o uso de táticas de guerra por facções criminosas fizeram com que setores do Ministério Público e do Judiciário começassem a focar menos na intentio (intenção) do agente e mais no efeito da conduta.
- O Risco da Interpretação Extensiva: Ainda que a lei exija o dolo específico, a defesa deve estar atenta à “Teoria dos Poderes Implícitos” e à interpretação elástica do conceito de “paz pública”.
- Terror como Meio, não Fim: Quando o terror é usado como instrumento para subjugar o Estado (ainda que visando o lucro), a fronteira dogmática se torna porosa. O advogado deve estar preparado para combater teses que tentam equiparar o biopoder exercido pelas facções a atos de subversão política.
Para aprofundar-se nessas nuances e entender como a jurisprudência tem contornado a letra da lei, é fundamental estudar a Lei de Drogas 2025, que detalha as controvérsias atuais para além do texto legal.
A Armadilha da Cegueira Deliberada e o Domínio do Fato
A teoria do domínio do fato, desenvolvida por Claus Roxin, foi banalizada no Brasil para justificar a responsabilização de lideranças sem a necessidade de provar a ordem direta. No entanto, o perigo atual reside na importação de conceitos do Common Law, especificamente a Teoria da Cegueira Deliberada (Willful Blindness).
O conceito de domínio social estruturado refere-se à capacidade de organizações exercerem controle territorial. O risco para a defesa não é apenas a presunção de autoria pela posição hierárquica (responsabilidade objetiva disfarçada), mas a imputação de dolo eventual baseada no “dever de saber”.
- A Prova Diabólica: A acusação muitas vezes deixa de buscar a prova da ordem emanada para focar na posição de comando, alegando que o líder “criou o risco” ou “fechou os olhos” para os crimes dos subordinados.
- Defesa Estratégica: O advogado de elite não pode se limitar a negar a autoria. É necessário desconstruir a aplicação da Cegueira Deliberada em um sistema de Civil Law, demonstrando que a estrutura compartimentada das facções modernas muitas vezes impede o conhecimento efetivo das ações da base.
É preciso cautela para não permitir que o domínio do fato se transforme em um “direito penal de autor”, onde se pune o sujeito pelo que ele é (líder), e não pelo que ele fez concretamente.
A “Asfixia Financeira” como Fishing Expedition
A Lei 12.850/2013 e a Lei de Lavagem de Dinheiro (9.613/1998) são vendidas como instrumentos de “asfixia financeira” do crime organizado. Embora soe eficaz como política criminal, na prática advocatícia, isso frequentemente se traduz em uma inversão brutal do ônus da prova e em verdadeiras pescarias probatórias (fishing expeditions).
A defesa deve ser crítica à expansão indevida dos crimes antecedentes e à facilidade com que se bloqueiam bens de familiares e terceiros.
- Inversão do Ônus: O foco excessivo no patrimônio muitas vezes obriga o réu a provar a licitude de cada centavo, violando a presunção de inocência.
- Risco Processual: A investigação financeira é usada, muitas vezes, para contornar a falta de provas sobre o tráfico em si. O advogado deve questionar a cadeia de custódia da prova financeira e a validade de relatórios de inteligência financeira (RIF) como prova única para medidas cautelares.
O combate à estrutura financeira é legítimo, mas não pode servir de pretexto para o devassa da vida privada sem justa causa robusta.
Pragmatismo diante do Direito Penal do Inimigo
Mencionar Günther Jakobs e o Direito Penal do Inimigo como algo a ser evitado é um idealismo que ignora a realidade. O sistema jurídico brasileiro já incorporou essa lógica para crimes hediondos e organizações criminosas. O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), as restrições à progressão de regime, a audiência de custódia por videoconferência e a infiltração de agentes são a positivação desse direito de exceção.
A defesa técnica não pode apenas negar essa realidade; deve aprender a operar dentro dela.
- Mitigação de Danos: A discussão não é mais “se” vamos aplicar medidas de exceção, mas como garantir um mínimo de contraditório dentro delas.
- Processo de Exceção: O advogado deve atuar para impedir que a “etiqueta” de membro de organização criminosa suprima automaticamente todos os direitos fundamentais, transformando o processo em um mero ritual de homologação de culpa.
O domínio técnico sobre a teoria do delito é a única arma capaz de enfrentar esse cenário. Compreender a dogmática penal não é ser conivente com o crime, mas sim garantir a sobrevivência das regras do jogo em um ambiente hostil.
A necessidade de atualização constante do profissional
O cenário jurídico atual é volátil e impiedoso com o amadorismo. As interpretações dos tribunais superiores sobre a aplicação da Lei de Drogas, a validade das provas em crimes organizados e os limites da teoria do domínio do fato mudam com frequência, muitas vezes ao sabor da opinião pública.
A compreensão do fenômeno das organizações criminosas exige uma visão multidisciplinar, mas a atuação no processo exige rigor técnico e cinismo processual. Saber diferenciar quando um ato é uma demonstração de poder territorial ou um ato de terrorismo, e saber combater a tese da Cegueira Deliberada, é o que separa a liberdade de uma condenação que levará o indivíduo ao esquecimento no sistema prisional federal.
Quer dominar a teoria e a prática da advocacia criminal em casos de alta complexidade, entendendo não só a lei, mas a estratégia por trás dos grandes julgamentos? Conheça nosso curso Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal 2025 e transforme sua carreira.
Insights sobre o tema
A discussão sobre narcoterrorismo e domínio social estruturado revela que as categorias tradicionais estão sendo esticadas até o ponto de ruptura. A solução defensiva não está na repetição de garantias que o Judiciário já relativizou, mas na construção de teses que enfrentem a realidade da prova indiciária e da responsabilidade por omissão imprópria (comissão por omissão) imputada aos líderes. O advogado de elite é aquele que navega nessa tempestade conceitual não com o mapa do mundo ideal, mas com a bússola da realidade forense.
Perguntas e Respostas
1. A ausência de dolo político impede, na prática, a aplicação da lei de terrorismo?
Dogmaticamente, sim. Na prática, o risco reside na reinterpretação dos conceitos de “terror social” e “paz pública”. A defesa deve vigiar para que o modus operandi violento não seja usado para presumir uma motivação terrorista inexistente.
2. Como combater a aplicação da Teoria da Cegueira Deliberada a líderes de facções?
A defesa deve demonstrar a incompatibilidade da teoria (oriunda do Common Law) com o dolo exigido pelo Código Penal brasileiro, além de evidenciar, no caso concreto, a impossibilidade fática de conhecimento e controle sobre todos os atos da base da pirâmide criminosa.
3. O conceito de “Domínio Social Estruturado” gera responsabilidade penal automática?
Não deveria, mas frequentemente gera uma presunção de culpa. A estratégia defensiva deve focar na individualização da conduta, exigindo o nexo causal entre a ação do líder e o resultado criminoso, combatendo a responsabilidade penal objetiva pela simples “posição” de chefia.
4. Quais os riscos das investigações financeiras para a defesa?
O principal risco é a inversão do ônus da prova e o bloqueio indiscriminado de bens (asfixia), muitas vezes baseado apenas em relatórios de inteligência sem contraditório prévio, transformando o processo penal em uma devassa patrimonial especulativa.
5. O Direito Penal do Inimigo é aplicado no Brasil?
Sim, ele é uma realidade vigente através de institutos como o RDD e a Lei de Organizações Criminosas. O papel do advogado mudou: de negar a existência desse regime para atuar estrategicamente dentro dele, visando a redução de danos e a preservação de garantias mínimas.
Aprofunde seu conhecimento sobre o assunto na Wikipedia.
Acesse a lei relacionada em Lei Nº 12.850, de 2 de agosto de 2013
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-07/do-narcoterrorismo-ao-dominio-social-estruturado-expansao-penal-e-confusao-conceitual/.