A Taxa de Fruição na Rescisão de Contratos de Compra e Venda de Lotes Não Edificados
A dinâmica do mercado imobiliário brasileiro enfrenta constantemente desafios interpretativos quando ocorre o desfazimento de negócios jurídicos. Um dos temas de maior complexidade técnica e repercussão econômica atual diz respeito à incidência da taxa de fruição, ou taxa de ocupação, nos casos de rescisão de contrato de compra e venda de terrenos onde não houve edificação. A discussão ultrapassa a simples aplicação de cláusulas contratuais, adentrando nos princípios basilares do Direito Civil, como a vedação ao enriquecimento sem causa e a função social do contrato.
Para advogados e juristas que atuam no contencioso cível e imobiliário, compreender as nuances desse debate é fundamental. Não se trata apenas de defender os interesses de incorporadoras ou de consumidores, mas de entender a própria natureza da posse e do proveito econômico que se extrai de um imóvel. A questão central gira em torno da definição de “uso” e “gozo” de um bem que, por sua natureza, não oferece moradia imediata nem gera renda direta sem benfeitorias.
Quando um compromisso de compra e venda é desfeito, a regra geral impõe o retorno das partes ao status quo ante. Isso implica a devolução do imóvel ao vendedor e a restituição dos valores pagos pelo comprador, admitidas as devidas retenções indenizatórias. Contudo, a controvérsia se instala quando se tenta mensurar se a mera disponibilidade do lote vazio gerou, para o comprador, um benefício passível de onerosidade, ou, para o vendedor, um prejuízo indenizável pela indisponibilidade do bem.
Natureza Jurídica da Taxa de Fruição
A taxa de fruição possui natureza indenizatória. Sua finalidade precípua é compensar o proprietário (vendedor) pelo período em que ficou privado do uso e gozo de seu bem, enquanto este estava sob a posse direta do promitente comprador inadimplente ou desistente. Em termos práticos, assemelha-se ao pagamento de aluguéis pelo tempo de ocupação indevida ou gratuita.
O fundamento legal para essa cobrança encontra-se, primordialmente, no princípio que veda o enriquecimento sem causa, positivado no artigo 884 do Código Civil. A lógica jurídica sugere que, se alguém utiliza um bem alheio sem contraprestação, obtém uma vantagem patrimonial indevida em detrimento do empobrecimento do titular do domínio.
No entanto, a aplicação automática desse conceito encontra óbices quando o objeto do contrato é um lote de terreno não edificado. A doutrina se divide ao questionar se existe efetiva “fruição” de um pedaço de terra nua. Diferentemente de um apartamento pronto, onde a ocupação implica moradia imediata e desgaste natural do bem, o lote vazio, muitas vezes, não oferece utilidade imediata ao possuidor, exceto a expectativa de construção futura.
Para aprofundar-se nessas distinções e dominar a aplicação dos institutos civis no setor, é recomendável o estudo contínuo através de uma Pós-Graduação em Direito Imobiliário. A especialização permite ao profissional discernir quando a indenização é legítima e quando ela se torna abusiva.
A Distinção entre Posse Jurídica e Fruição Econômica
Um ponto crucial para a solução dessa controvérsia reside na distinção entre a transmissão da posse jurídica e a capacidade de fruição econômica do bem. Ao assinar o contrato e receber a posse precária do lote, o comprador assume responsabilidades, como o pagamento de IPTU e taxas condominiais. Contudo, ter a posse não significa, necessariamente, auferir proveito econômico imediato.
Argumenta-se que a simples imissão na posse de um lote não edificado não gera, por si só, enriquecimento do comprador. Se não houve construção, não houve moradia. Se não houve locação a terceiros, não houve renda. Portanto, sob a ótica do consumidor, a cobrança de uma taxa de ocupação mensal (geralmente fixada entre 0,5% a 1% do valor do contrato) seria desproporcional e configuraria um bis in idem, caso cumulada com a cláusula penal compensatória.
Por outro lado, sob a perspectiva das loteadoras e incorporadoras, o prejuízo é evidente. Durante o período em que o contrato esteve vigente, o lote foi retirado do mercado. A empresa deixou de vender o bem a um terceiro adimplente e suportou os custos de oportunidade do capital imobilizado. Para a defesa das empresas, a “fruição” reside na disponibilidade exclusiva do bem, independentemente se o comprador optou por construir ou não.
O Impacto da Lei do Distrato (Lei nº 13.786/2018)
A entrada em vigor da Lei nº 13.786/2018, conhecida como Lei do Distrato, trouxe novos parâmetros para a resolução de contratos imobiliários. A legislação previu expressamente a possibilidade de desconto de valores correspondentes à fruição do imóvel. No entanto, a lei não detalhou especificamente a distinção para lotes não edificados, deixando uma lacuna interpretativa que o Judiciário tem sido chamado a preencher.
A aplicação da Lei do Distrato deve observar o princípio da irretroatividade, incidindo apenas sobre contratos firmados após sua vigência. Para contratos anteriores, a jurisprudência oscila, buscando soluções baseadas no equilíbrio contratual e na equidade. A análise de contratos firmados sob a vigência desta lei exige um conhecimento técnico apurado sobre as cláusulas de resolução e suas penalidades.
Profissionais que buscam excelência na elaboração e análise desses instrumentos devem considerar o aprofundamento técnico oferecido em uma Pós-Graduação em Contratos Imobiliários, essencial para mitigar riscos jurídicos na fase pré-contratual e na resolução de conflitos.
Enriquecimento Sem Causa vs. Indenização por Perdas e Danos
A discussão jurídica avança para a qualificação do que está sendo indenizado. Se a taxa de fruição visa evitar o enriquecimento sem causa, ela pressupõe que houve um enriquecimento. No caso de um terreno baldio, onde não há edificação, o “enriquecimento” do comprador é de difícil comprovação fática. Ele não morou, não alugou e, ao devolver o lote, não consumiu a substância do bem.
Entretanto, se a taxa for analisada sob a ótica da responsabilidade civil e das perdas e danos (artigo 402 do Código Civil), o foco muda do ganho do comprador para a perda do vendedor. Aqui, fala-se em lucros cessantes: aquilo que o vendedor razoavelmente deixou de lucrar. A indisponibilidade do lote por meses ou anos representa um dano patrimonial concreto para a incorporadora.
O desafio hermenêutico é equilibrar essa reparação. A jurisprudência tem caminhado no sentido de que a cláusula penal (multa rescisória, geralmente de 10% a 25% dos valores pagos) já possui a função de pré-fixar as perdas e danos decorrentes do desfazimento do negócio. Cumular essa multa com uma taxa de fruição sobre um lote vago poderia representar uma dupla penalização pelo mesmo fato gerador (o inadimplemento contratual), o que é vedado pelo ordenamento jurídico.
A Prova do Proveito Econômico
Para que a taxa de fruição seja exigível em lotes não edificados, uma corrente doutrinária defende que seria necessária a comprovação efetiva do uso ou do proveito econômico. Por exemplo, se o comprador utilizou o terreno para depósito de materiais, estacionamento, ou qualquer outra atividade lucrativa ou de utilidade pessoal, a taxa seria devida.
Na ausência de tal prova, a cobrança se torna frágil. A simples “disponibilidade abstrata” do terreno não tem sido suficiente, em diversas decisões de tribunais estaduais, para justificar a imposição de um aluguel ficto. O entendimento é de que a terra nua, sem benfeitorias, não possui aptidão imediata para gerar renda locatícia que justifique a taxa nos moldes de um imóvel residencial pronto.
Aspectos Processuais e a Segurança Jurídica
A divergência de entendimentos entre as câmaras de direito privado dos diversos tribunais estaduais gera insegurança jurídica. Enquanto alguns magistrados aplicam rigidamente a autonomia da vontade (pacta sunt servanda), validando a taxa prevista em contrato independentemente da edificação, outros aplicam o Código de Defesa do Consumidor para declarar a abusividade da cobrança em lotes vagos, considerando-a uma vantagem exagerada para o fornecedor.
Essa disparidade afeta diretamente a precificação dos empreendimentos e a análise de risco das carteiras imobiliárias. Advogados que atuam na defesa de consumidores utilizam o argumento da ausência de gozo fruível. Já os patronos das loteadoras enfatizam o caráter indenizatório pela privação da posse e os custos administrativos e fiscais suportados pela empresa durante a vigência do contrato frustrado.
A pacificação do tema é urgente para estabilizar as relações contratuais. A definição clara sobre se a taxa de fruição é devida ou não em lotes não edificados permitirá que o mercado se ajuste. Se for devida, os contratos manterão as cláusulas atuais; se for indevida, as penalidades rescisórias (multas) tendem a ser recalibradas para cobrir o prejuízo operacional das empresas de forma transparente, sem recorrer a taxas de ocupação fictícias.
Reflexos na Prática Advocatícia
O advogado deve estar atento à data da assinatura do contrato, pois a incidência da Lei do Distrato é um divisor de águas. Além disso, a instrução probatória no processo judicial ganha relevância. Demonstrar o estado do imóvel (se houve terraplanagem, início de fundação, cercamento ou uso efetivo) pode ser determinante para o convencimento do juízo acerca da incidência ou não da taxa.
A tese de defesa do comprador deve focar na ausência de enriquecimento e na natureza bis in idem da cobrança quando cumulada com multa retenção. Já a tese da incorporadora deve reforçar o caráter de lucros cessantes e a privação da disponibilidade do ativo imobiliário, independentemente da destinação dada pelo comprador.
Em suma, a questão da taxa de fruição em lotes não edificados é um exemplo clássico de como o Direito Civil precisa se adaptar às realidades econômicas e sociais. A “posse” e a “propriedade” são conceitos elásticos, e a justa indenização depende de uma análise casuística que pondere a vedação ao enriquecimento sem causa com a necessidade de reparação integral dos danos.
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Insights sobre o Tema
A discussão sobre a taxa de fruição em terrenos não edificados revela uma tensão entre a teoria clássica das obrigações e a realidade do mercado de consumo. O insight principal para o operador do direito é que a solução não está apenas na letra fria da lei, mas na compreensão da função econômica do contrato. A indenização deve ser medida pela extensão do dano (art. 944 CC). Se o dano da loteadora é a impossibilidade de venda, isso se resolve com lucros cessantes, não necessariamente com uma “taxa de ocupação” que simula um aluguel inexistente. A nomenclatura importa menos que a natureza da verba: o objetivo é o reequilíbrio patrimonial, não a punição do inadimplente. Outro ponto de atenção é a possibilidade de modulação: talvez a taxa seja devida, mas em percentual menor que o de um imóvel edificado, refletindo a proporcionalidade do uso potencial.
Perguntas e Respostas
1. O que é exatamente a taxa de fruição em contratos imobiliários?
A taxa de fruição é uma indenização paga pelo comprador ao vendedor pelo tempo em que permaneceu na posse do imóvel, usufruindo do bem, em casos de rescisão contratual. Ela funciona como uma espécie de aluguel pelo período de ocupação.
2. Qual é o principal argumento contra a cobrança dessa taxa em lotes não edificados?
O principal argumento é a inexistência de efetivo uso ou gozo do bem capaz de gerar enriquecimento ao comprador. Em um terreno vazio, sem construção, não há moradia nem proveito econômico imediato que justifique o pagamento de uma taxa de ocupação similar a um aluguel.
3. A Lei do Distrato (Lei 13.786/2018) autoriza a cobrança da taxa de fruição?
Sim, a Lei do Distrato prevê a possibilidade de desconto de valores correspondentes à fruição do imóvel em caso de resolução contratual. No entanto, a lei não faz uma distinção explícita e detalhada sobre a aplicabilidade em lotes não edificados, gerando debates interpretativos.
4. É possível cumular a multa rescisória com a taxa de fruição?
Essa é uma questão controversa. Muitos tribunais consideram que a cumulação pode configurar bis in idem (dupla penalidade pelo mesmo fato), especialmente se a multa rescisória já tiver caráter indenizatório suficiente para cobrir as perdas e danos da vendedora, inclusive a indisponibilidade do bem.
5. Como o advogado deve proceder na defesa de um consumidor cobrado por essa taxa em um lote vazio?
O advogado deve demonstrar, mediante provas (fotos, laudos), que o terreno se manteve sem edificações e sem uso econômico efetivo durante a posse. Deve fundamentar a defesa na vedação ao enriquecimento sem causa, argumentando que a vendedora não sofreu prejuízo que justifique essa cobrança específica além da multa contratual já prevista.
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Acesse a lei relacionada em Lei nº 13.786/2018
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-17/stj-pode-pacificar-se-cabe-taxa-de-fruicao-por-lote-nao-edificado/.