O Processo de Impeachment: Entre a Teoria Constitucional e a Realpolitik
O estudo do impedimento de mandatários do Poder Executivo, popularmente conhecido como impeachment, exige do jurista uma compreensão que transcende a mera leitura textual da Constituição Federal. Estamos diante de um instituto de natureza jurídica mista, ou sui generis, que mescla elementos de direito sancionador com julgamentos de conveniência política. Contudo, a análise puramente idealista, que enxerga o processo apenas sob o prisma da legalidade estrita, mostra-se insuficiente diante da prática histórica brasileira.
Embora a preponderância do aspecto político não deva, em tese, suprimir o fundamento jurídico, a realidade forense demonstra que a tipicidade nos crimes de responsabilidade possui uma elasticidade perigosa. A Lei 1.079/1950, recepcionada pela ordem de 1988, apresenta tipos penais abertos — como “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”. Na prática, essa vaguidade normativa permite que a subsunção do fato à norma dependa, muitas vezes, do animus político dos julgadores, transformando a “juridicidade” em uma ferramenta de validação para decisões de conveniência parlamentar.
O Presidencialismo de Coalizão e a “Governabilidade”
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 85, estabelece o rol de condutas que configuram crimes de responsabilidade. No entanto, o jurista atento deve observar o fenômeno do Presidencialismo de Coalizão. Diferente do sistema parlamentarista, onde o voto de desconfiança derruba o governo, no Brasil, a perda da base aliada no Congresso costuma ser o catalisador que transforma uma “gestão impopular” em uma “gestão criminosa” sob a ótica do impeachment.
Quando juristas debatem a linha tênue entre o controle interinstitucional e a ruptura democrática, o foco recai sobre a governabilidade. Se um presidente perde a capacidade de articulação política, seus atos administrativos passam a ser escrutinados com uma lupa jurídica em busca de um crime de responsabilidade que justifique o afastamento. Portanto, a defesa técnica enfrenta o desafio de sustentar teses jurídicas de atipicidade perante um júri — o Senado — cuja convicção é formada precipuamente por critérios políticos.
Para atuar com excelência nesta área, compreendendo as nuances que separam a sanção legítima do uso estratégico do direito (lawfare), o aprofundamento acadêmico é indispensável. Profissionais que buscam dominar a hermenêutica da Carta Magna e sua aplicação prática encontram na Pós-Graduação em Direito e Processo Constitucional o arcabouço teórico necessário para enfrentar essas complexas dinâmicas de poder.
O Devido Processo Legal, o STF e os Precedentes Polêmicos
A tramitação de um processo de impedimento deve obediência ao devido processo legal. Contudo, o “rito” é um campo de batalha à parte. O Supremo Tribunal Federal (STF) atua como guardião das regras do jogo (vide ADPF 378), definindo o rito processual, mas historicamente adota uma postura de autocontenção (self-restraint) quanto ao mérito. A Corte evita revisar se o fato imputado é grave o suficiente, deixando essa valoração para o Senado.
Entretanto, dois pontos cruciais desafiam a estabilidade da doutrina clássica:
- O Poder do Presidente da Câmara: Antes de qualquer julgamento, existe o filtro político quase absoluto do Presidente da Câmara dos Deputados. A inexistência de prazo para apreciar os pedidos de impeachment confere a este agente um poder monocrático de “engavetamento” ou “admissibilidade”, muitas vezes utilizado como instrumento de barganha política.
- O Precedente do “Fatiamento” (2016): A votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff criou um precedente hermenêutico complexo ao separar a perda do cargo da inabilitação para funções públicas, contrariando a leitura literal do parágrafo único do artigo 52 da Constituição. Isso demonstra que, no limite, o Senado pode reinterpretar as consequências constitucionais da condenação, desafiando a segurança jurídica.
A Defesa Técnica em um Tribunal Político
A atuação dos advogados neste cenário é um exercício de alta complexidade. Não basta dominar o Direito Penal ou Administrativo; é necessário compreender o Regimento Interno das Casas Legislativas e a sociologia do poder. Enquanto a acusação busca dar roupagem jurídica a um descontentamento político, a defesa trabalha para expor a ausência de materialidade e dolo, tentando constranger politicamente os julgadores a não ignorarem a técnica jurídica.
Argumentar sobre “golpe” ou “ruptura institucional” não é apenas retórica, mas uma tese sobre o desvio de finalidade do instituto. Se o procedimento legal é usado como invólucro para destituir um governante sem a devida causa legal (apenas por perda de apoio), opera-se uma fraude à Constituição. O advogado constitucionalista deve atuar como um fiscal da legalidade, alertando que a flexibilização das normas de impedimento hoje pode gerar a instabilidade de amanhã.
Hermenêutica Constitucional e Realidade
A interpretação das normas de crimes de responsabilidade exige um olhar que combine o “dever-ser” normativo com o “ser” da realidade política. Conceitos indeterminados como “decoro” e “probidade” são preenchidos conforme a temperatura das ruas e dos corredores de Brasília. A doutrina majoritária entende que o crime de responsabilidade não exige o mesmo standard probatório do Direito Penal comum — o princípio in dubio pro reo muitas vezes cede lugar à convicção política da maioria parlamentar.
Portanto, o estudo aprofundado dessas dinâmicas é o que diferencia o técnico ingênuo do jurista estratégico. Compreender que o impeachment é um processo onde o Direito Constitucional tenta balizar, mas nem sempre controla, a política, é essencial para qualquer análise séria sobre a higidez do sistema democrático brasileiro.
Quer dominar o Direito Constitucional e se destacar na advocacia com conhecimentos profundos sobre o funcionamento real do Estado? Conheça nosso curso Pós-Graduação em Direito e Processo Constitucional e transforme sua carreira.
Insights sobre o Tema
- Natureza Mista: O impeachment não é um processo penal comum nem puramente político. É um julgamento político com fundamentação jurídica necessária, onde a forma é legal, mas o conteúdo é valorativo.
- Tipicidade Elástica: Os tipos penais da Lei 1.079/50 são propositalmente abertos, permitindo que crises de governabilidade sejam enquadradas como crimes de responsabilidade.
- O Guardião do Rito: O STF intervém para garantir o devido processo legal (ampla defesa, contraditório), mas evita a todo custo julgar o mérito da decisão política dos senadores, salvo em casos de teratologia.
- Poder de Agenda: O controle de admissibilidade pelo Presidente da Câmara é, na prática, o maior filtro do processo, operando sob uma discricionariedade quase absoluta.
- Precedentes Criativos: A jurisprudência do impeachment é construída no calor do momento, como visto no fatiamento da pena em 2016, o que exige do jurista uma capacidade de adaptação a interpretações não ortodoxas da Constituição.
Perguntas e Respostas
1. O impeachment é um processo exclusivamente jurídico?
Não. Ele é político-administrativo. Embora exija um fato típico (crime de responsabilidade), o julgamento é realizado por um órgão político (Senado) que decide baseado em conveniência e oportunidade, muitas vezes flexibilizando o rigor probatório exigido em tribunais judiciais.
2. O Supremo Tribunal Federal pode anular um impeachment?
Em teoria, sim, se houver violação flagrante das garantias processuais (defesa, contraditório). Na prática, o STF exerce forte autocontenção para evitar uma crise institucional, recusando-se a analisar se o crime “realmente aconteceu” ou se foi grave o suficiente, entendendo que isso é competência do Senado.
3. A impopularidade do governante é motivo legal para impeachment?
Juridicamente, não. O presidencialismo exige mandato fixo e crime de responsabilidade para a destituição. Contudo, na realpolitik do presidencialismo de coalizão, a impopularidade extrema e a perda de base parlamentar costumam criar o ambiente propício para que condutas antes toleradas sejam subitamente enquadradas como crimes de responsabilidade.
4. Qual o papel do Presidente da Câmara dos Deputados?
Ele detém o “poder de porta”. Cabe a ele receber ou arquivar os pedidos de impeachment. Como não há prazo legal para essa decisão, ele pode manter os pedidos em suspensão indefinidamente, usando-os como instrumento de poder e negociação política com o Executivo.
5. O que foi o “fatiamento” do impeachment em 2016?
Foi uma interpretação dada pelo Senado Federal, sob presidência do STF, que permitiu condenar a ex-presidente à perda do cargo, mas, em votação separada, manteve seus direitos políticos (habilitação para função pública). Isso demonstrou que o julgamento do impeachment pode gerar interpretações constitucionais ad hoc que fogem à literalidade da norma.
Aprofunde seu conhecimento sobre o assunto na Wikipedia.
Acesse a lei relacionada em Lei nº 1.079, de 10 de Abril de 1950
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-12/porque-por-vezes-impeachment-e-golpe/.