Plantão Legale

Carregando avisos...

Exame Criminológico: Fundamentação e Defesa na Execução Penal

Artigo de Direito
Getting your Trinity Audio player ready...

O exame criminológico representa um dos pontos mais sensíveis e controversos na fase de execução da pena no ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se de uma avaliação técnica multidisciplinar que visa aferir a personalidade do apenado, sua periculosidade e a probabilidade de reincidência criminal. A sua exigência como requisito para a concessão de benefícios, como a progressão de regime ou o livramento condicional, suscita debates intensos sobre a legalidade, a necessidade e, principalmente, a fundamentação das decisões judiciais que o determinam.

A execução penal é regida por dois vetores principais: o requisito objetivo, que se refere ao cumprimento de uma fração temporal da pena, e o requisito subjetivo, que diz respeito ao mérito e ao comportamento do condenado. Enquanto o tempo é um dado matemático, o mérito é uma análise qualitativa. É nesse cenário que o exame criminológico se insere, servindo como uma ferramenta auxiliar para o juízo da execução formar sua convicção sobre a aptidão do sentenciado para retornar, gradativamente, ao convívio social.

Historicamente, a obrigatoriedade deste exame sofreu diversas alterações legislativas e jurisprudenciais. A Lei de Execução Penal (LEP) original previa a obrigatoriedade para o regime fechado. Posteriormente, alterações legislativas, como a Lei 10.792/2003, retiraram a exigência expressa do exame para a progressão de regime, bastando o atestado de bom comportamento carcerário emitido pelo diretor do estabelecimento prisional. Contudo, a jurisprudência, consolidada em súmulas dos tribunais superiores, manteve a possibilidade de o magistrado solicitar a perícia, desde que de forma fundamentada.

A Necessidade de Fundamentação Concreta

O cerne da questão jurídica reside na forma como essa solicitação é feita pelo Poder Judiciário. O princípio da motivação das decisões judiciais, insculpido no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, impõe que todo ato decisório seja devidamente justificado. No contexto da execução penal, isso significa que o juiz não pode exigir a realização do exame criminológico baseando-se em argumentos genéricos, abstratos ou inerentes ao próprio tipo penal pelo qual o indivíduo foi condenado.

Uma decisão que determina a realização do exame apenas mencionando a “gravidade do delito” ou a “longa pena a cumprir” carece de validade constitucional. A gravidade abstrata do crime já foi considerada pelo legislador ao estabelecer as penas e os regimes de cumprimento. A gravidade concreta foi sopesada na sentença condenatória para a dosimetria da pena. Na fase de execução, o olhar deve voltar-se para o comportamento atual do apenado e seu processo de ressocialização.

Para que a exigência do exame seja legítima, o magistrado deve apontar peculiaridades do caso concreto que justifiquem a necessidade de uma avaliação técnica mais aprofundada. Elementos como faltas disciplinares recentes, instabilidade emocional observada no cárcere ou contradições nos relatórios administrativos podem servir de base idônea para tal determinação. A fundamentação deve demonstrar por que, naquele caso específico, o atestado de conduta carcerária é insuficiente para aferir o requisito subjetivo.

O Papel da Defesa na Execução Penal

O advogado criminalista que atua na execução penal deve estar atento à distinção entre a fundamentação idônea e a fundamentação retórica. Muitas vezes, decisões judiciais utilizam modelos padronizados para solicitar exames criminológicos em massa, ignorando a individualização da pena e da execução. Essa prática não apenas viola garantias constitucionais, mas também agrava a superlotação e a morosidade do sistema, uma vez que a estrutura estatal para a realização dessas perícias é frequentemente precária e deficitária.

A impugnação de decisões com fundamentação genérica é uma estratégia essencial. O profissional do Direito deve manejar os recursos adequados, como o Agravo em Execução, demonstrando que a exigência do exame sem motivação vinculada aos fatos da execução constitui constrangimento ilegal. O domínio técnico sobre a jurisprudência dos tribunais superiores, especialmente as Súmulas Vinculantes e os entendimentos pacificados do Superior Tribunal de Justiça, é vital para o sucesso da defesa.

Para atuar com excelência nessa área, o conhecimento aprofundado não apenas da letra da lei, mas da dogmática penal e da jurisprudência atualizada é indispensável. Profissionais que buscam se destacar precisam compreender as nuances entre os requisitos legais e a realidade forense. Nesse sentido, a especialização é um diferencial competitivo crucial. O curso de Pós-Graduação em Tribunal do Júri e Execução Penal oferece o arcabouço teórico e prático necessário para enfrentar esses desafios complexos da advocacia criminal.

A Evolução Legislativa e o Exame Criminológico

O cenário legislativo brasileiro é dinâmico e sujeito a pressões sociais que, por vezes, resultam em endurecimento das normas de execução penal. Alterações recentes na legislação, muitas vezes apelidadas pela mídia com nomes populares, buscaram reintroduzir a obrigatoriedade de exames ou dificultar a progressão de regime. A Lei 14.843/2024, por exemplo, trouxe novas redações à LEP, reacendendo debates sobre a discricionariedade do juiz versus a imposição legal de perícias.

Mesmo diante de novas leis que sugiram uma obrigatoriedade, a interpretação constitucional deve prevalecer. A análise do requisito subjetivo não pode ser transformada em um obstáculo intransponível ou em uma ferramenta de punição adicional. O exame criminológico deve manter sua natureza de perícia técnica auxiliar, e não se tornar um requisito burocrático automático que ignora a evolução do apenado.

O profissional do direito deve saber interpretar as novas regras à luz dos princípios da dignidade da pessoa humana e da individualização da pena. Se uma nova legislação impõe o exame, a defesa deve fiscalizar a sua realização, garantindo que seja feita por equipe multidisciplinar competente e que os quesitos formulados sejam pertinentes à avaliação da cessação de periculosidade, evitando perguntas que violem o direito à não autoincriminação ou que revolvam fatos já julgados.

Aspectos Técnicos da Perícia

O exame criminológico não é um ato simples; ele é composto, idealmente, por avaliações psicológica, psiquiátrica e social. Cada uma dessas vertentes analisa aspectos diferentes do indivíduo. O laudo psicológico foca na estrutura de personalidade e possíveis patologias. O psiquiátrico avalia a sanidade e periculosidade sob a ótica médica. O social verifica o amparo familiar e as perspectivas de reintegração na comunidade.

Quando o magistrado fundamenta a necessidade do exame, ele pode solicitar apenas uma dessas vertentes ou o conjunto completo. A defesa deve estar apta a analisar criticamente os laudos apresentados. Muitas vezes, os pareceres técnicos são superficiais, baseados em entrevistas breves que não refletem a realidade do apenado. A impugnação de laudos inconclusivos ou contraditórios é tão importante quanto o combate à exigência imotivada do exame.

Além disso, a demora na realização do exame é um problema crônico. O apenado que já preencheu o requisito temporal não pode ser mantido em regime mais gravoso indefinidamente aguardando a disponibilidade de peritos estatais. Nesses casos, a defesa pode pleitear a progressão per saltum ou a realização de perícia particular, argumentos que exigem base jurídica sólida para serem acolhidos pelos tribunais.

Súmulas e Entendimentos Jurisprudenciais

A Súmula Vinculante 26 do Supremo Tribunal Federal é um marco na regulação dessa matéria. Ela estabelece que, para a progressão de regime, o exame criminológico não é obrigatório, mas pode ser determinado pelo juiz de forma fundamentada. Esse entendimento reforça a discricionariedade motivada do magistrado e afasta a automaticidade da exigência.

No mesmo sentido, a Súmula 439 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que o exame criminológico admite a sua realização se as peculiaridades da causa assim o recomendarem. Ambas as súmulas convergem para o ponto central deste artigo: a proibição da generalidade. O Judiciário não pode criar uma regra não escrita de que “todo crime hediondo exige exame” ou “todo reincidente precisa de perícia”. Cada execução é um universo próprio.

A aplicação dessas súmulas deve ser invocada constantemente nas petições defensivas. Quando um juiz profere uma decisão padrão, copiando e colando argumentos utilizados em centenas de outros processos, ele está afrontando diretamente a autoridade desses precedentes vinculantes e a própria Constituição. O advogado atua como o garante da legalidade, forçando o sistema a olhar para o indivíduo e não apenas para o número do processo.

Para os advogados que desejam aprimorar sua atuação na defesa dos direitos fundamentais e entender a fundo a estrutura do sistema punitivo, investir em educação continuada é o caminho. O curso de Advogado Criminalista prepara o profissional para identificar essas nulidades e atuar de forma combativa e técnica em todas as fases da persecução penal.

Impacto da Decisão na Ressocialização

A exigência de fundamentação concreta não é um mero preciosismo jurídico. Ela tem impacto direto na eficácia do sistema prisional. Decisões genéricas que atrasam a progressão de regime contribuem para o encarceramento em massa e para a tensão dentro dos presídios. O apenado que cumpre seus deveres, trabalha, estuda e mantém bom comportamento, tem a legítima expectativa de progredir de regime conforme a lei.

Quando o Estado, através do Judiciário, cria barreiras burocráticas não previstas ou mal justificadas, ele quebra o contrato de confiança necessário para a ressocialização. O sentimento de injustiça dentro do cárcere é um fator desestabilizador. Portanto, exigir que o juiz explique, com dados reais, o motivo da necessidade de um exame criminológico é também uma medida de política criminal e de pacificação social.

A análise da vida pregressa, muitas vezes utilizada erroneamente para justificar o exame, refere-se ao passado do apenado. A execução penal olha para o futuro. O que importa é se a pena cumpriu sua função retributiva e preventiva até aquele momento e se o indivíduo apresenta condições de assumir a autodisciplina exigida no regime semiaberto ou aberto.

O Devido Processo Legal na Execução

O princípio do devido processo legal substantivo exige razoabilidade e proporcionalidade nas decisões. Exigir um exame complexo, demorado e custoso sem uma razão plausível viola a razoabilidade. Se o diretor do presídio, que convive diariamente com o preso e tem acesso aos seus registros disciplinares, atesta o bom comportamento, há uma presunção de aptidão subjetiva.

Para ilidir essa presunção, o magistrado precisa de fatos. A “cultura do encarceramento” que permeia parte do Judiciário tende a ver a progressão como um benefício imerecido, e não como um direito subjetivo do apenado que cumpriu os requisitos legais. O combate a essa cultura exige uma advocacia técnica, que não se contenta com despachos de mero expediente e que leva a discussão às instâncias superiores quando necessário.

A fundamentação das decisões é, em última análise, uma garantia contra o arbítrio. Sem ela, o juiz se torna um legislador positivo, criando requisitos ao seu bel-prazer. A batalha contra a fundamentação genérica no exame criminológico é uma batalha pela integridade do Estado Democrático de Direito, onde a liberdade só pode ser restringida nos estritos limites da lei e com justificativas claras e verificáveis.

Quer dominar a Execução Penal e se destacar na advocacia criminal? Conheça nosso curso Pós-Graduação em Tribunal do Júri e Execução Penal e transforme sua carreira.

Insights Jurídicos

A exigência de exame criminológico baseada em fundamentação genérica viola o princípio constitucional da motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, CF) e contraria verbetes sumulares dos tribunais superiores. A gravidade abstrata do delito ou a longa pena a cumprir não são argumentos idôneos para justificar a medida excepcional. O magistrado deve apontar fatos concretos da execução penal, como infrações disciplinares ou comportamento instável, para legitimar a solicitação da perícia. A atuação defensiva deve focar na impugnação dessas decisões padronizadas, utilizando recursos como o Agravo em Execução e invocando a Súmula Vinculante 26 do STF.

Perguntas e Respostas

1. O exame criminológico é obrigatório para a progressão de regime?
Em regra, não. A legislação atual, interpretada à luz da Constituição e das Súmulas dos tribunais superiores, retirou a obrigatoriedade automática. Contudo, o juiz pode determiná-lo, desde que o faça por meio de decisão fundamentada em fatos concretos da execução penal, e não apenas na gravidade do crime.

2. O que constitui “fundamentação genérica” na solicitação do exame?
Fundamentação genérica ocorre quando o juiz justifica a necessidade do exame utilizando argumentos vagos, como “a gravidade do delito”, “a necessidade de maior cautela” ou “o longo tempo de pena restante”, sem apontar qualquer fato específico do comportamento do preso que gere dúvida sobre sua aptidão para a progressão.

3. Qual o recurso cabível contra a decisão que exige o exame sem fundamentação idônea?
O recurso adequado é o Agravo em Execução. A defesa deve demonstrar ao tribunal que a decisão de primeira instância carece de motivação vinculada ao caso concreto, configurando constrangimento ilegal e violação ao princípio da individualização da pena.

4. A nova lei “da saidinha” (Lei 14.843/2024) alterou a necessidade de fundamentação?
Embora alterações legislativas possam tentar endurecer as regras, a exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais permanece inalterada. Nenhuma lei ordinária pode revogar o artigo 93, IX, da Constituição Federal. Portanto, mesmo com novas regras, o juiz deve explicar o porquê da aplicação da medida no caso específico.

5. O que fazer se o Estado demorar excessivamente para realizar o exame?
A demora injustificada na realização do exame criminológico, quando este impede o gozo de um direito como a progressão de regime, configura constrangimento ilegal. A defesa pode impetrar Habeas Corpus pedindo a progressão independentemente do exame ou solicitar que seja aceita uma perícia particular, argumentando que a ineficiência estatal não pode prejudicar o direito do apenado.

Aprofunde seu conhecimento sobre o assunto na Wikipedia.

Acesse a lei relacionada em Lei 14.843/2024

Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-18/nao-cabe-fundamentacao-generica-para-exigencia-de-exame-criminologico-diz-toffoli/.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *