Dupla Maternidade no Ordenamento Jurídico Brasileiro: Fundamentos e Implicações
A filiação é um dos temas mais ricos e desafiadores do Direito de Família. Dentre as complexidades que envolvem o reconhecimento de vínculos parentais, destaca-se a possibilidade de dupla maternidade, uma realidade cada vez presente no cenário social e jurídico brasileiro. A compreensão profunda desse fenômeno exige domínio normativo, análise jurisprudencial e sensibilidade ao pluralismo das estruturas familiares contemporâneas.
Fundamentos Legais da Filiação e a Evolução da Parentalidade
O conceito de filiação no Direito Civil brasileiro tem raízes no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88) e no melhor interesse da criança e do adolescente (art. 227, caput, da CF/88). O Código Civil, especialmente em seus arts. 1.593 a 1.610, disciplina os vínculos parentais e assegura a igualdade entre as diferentes modalidades de filiação — biológica, socioafetiva e adotiva.
A Constituição Federal, em seu art. 226, § 7º, determina a proteção da família em todas as suas formas, enquanto o art. 20 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que a filiação não pode sofrer qualquer discriminação. Essas bases constitucionais permitem ao intérprete do Direito enxergar a parentalidade além do modelo tradicional e abrir espaço para múltiplas formas de vínculo, inclusive aquelas resultantes de relações homoafetivas e da parentalidade socioafetiva.
Dupla Maternidade: Aspectos Centrais e Reconhecimento Jurídico
A dupla maternidade consiste no reconhecimento, em registro civil, da maternidade de duas mulheres em relação à mesma criança. Esse fenômeno decorre, majoritariamente, de duas situações:
1. Reprodução Humana Assistida
O uso de técnicas de reprodução assistida por casais homoafetivos femininos tornou recorrente o pedido de reconhecimento de dupla maternidade. Nesses casos, via de regra, uma das mulheres contribui geneticamente para a concepção, enquanto a outra figura como mãe legal, sendo ambas reconhecidas como mães no registro civil do filho.
O Provimento nº 63/2017 do CNJ regulamenta o registro de crianças nascidas por técnicas de reprodução assistida, prevendo expressamente, em seu art. 10, § 5º, a possibilidade de ambos os genitores — ainda que do mesmo sexo — constarem no assento de nascimento, com a designação correspondente (mãe e mãe).
2. Parentalidade Socioafetiva
Outra hipótese relevante é a da parentalidade socioafetiva, na qual o vínculo resulta da convivência e do reconhecimento social da relação de mãe e filho, independentemente de contribuição genética. O STJ, em decisões paradigmáticas (como no REsp 1.574.908/MG), sedimentou o entendimento de que a filiação socioafetiva pode coexistir com a biológica, sendo cabível o reconhecimento do multiparentalismo.
Diante disso, é possível que a criança seja registrada com duas mães (ou, em hipóteses distintas, com três ou mais genitores reconhecidos, desde que comprovada a relação socioafetiva e o melhor interesse do menor).
Multiparentalidade e os Principais Impactos Práticos
O reconhecimento da dupla maternidade coloca em evidência o conceito de multiparentalidade, admitido expressamente no ordenamento a partir de importantes decisões do STF e do STJ. Não há limitação legal quanto ao número de ascendentes no registro civil, desde que o vínculo seja legítimo e respaldado pela proteção à dignidade e ao melhor interesse da criança.
Entre os impactos mais relevantes do reconhecimento da multiparentalidade e da dupla maternidade, destacam-se os efeitos pessoais e patrimoniais, como:
1. Convivência e Poder Familiar
O poder familiar é compartilhado entre ambas as mães, com todos os deveres e direitos inerentes à parentalidade (art. 1.634, CC). Isso inclui a participação nas decisões fundamentais da vida da criança, guarda, educação, dentre outros aspectos.
2. Alimentos
Ambas as mães têm obrigação alimentar em relação ao filho, sendo cabível, inclusive, ação de alimentos e ações correlatas em caso de dissolução do vínculo entre as genitoras.
3. Sucessão
O reconhecimento da dupla maternidade amplia a linha sucessória do filho, que adquire direito ao patrimônio das duas mães, respeitado o regime aplicável.
4. Registro Civil e Efetividade de Direitos
O Provimento 63/2017, citado anteriormente, elimina a exigência de autorização judicial para a lavratura do registro de dupla maternidade em caso de reprodução assistida, conferindo maior celeridade e segurança jurídica às famílias.
Diante da importância e da complexidade do tema, um domínio sólido sobre as inovações legislativas, as repercussões sucessórias e os desafios processuais é indispensável para o advogado que atua em Direito de Família. Aprofundar-se em especializações como a Pós-Graduação em Advocacia no Direito de Família e Sucessões potencializa a atuação estratégica nesses casos inovadores.
Jurisprudência e Doutrina: Tendências e Divergências
A jurisprudência brasileira tem demonstrado progressiva abertura para o reconhecimento da dupla maternidade e da multiparentalidade. Em diversas decisões, o STF e o STJ afirmaram que o parentesco pode ser reconhecido simultaneamente por filiação biológica e socioafetiva, sem hierarquia entre as espécies.
Contudo, questões pontuais ainda desafiam a uniformização dos entendimentos, como:
A possibilidade de multiparentalidade em contextos de disputa entre filiação biológica e socioafetiva.
A definição dos requisitos probatórios para o reconhecimento judicial da maternidade socioafetiva.
Os reflexos tributários e previdenciários decorrentes da multiparentalidade.
Tais particularidades reforçam a necessidade de constante atualização e do aprofundamento intelectual, uma vez que cada caso pode exigir argumentação refinada e soluções criativas.
Desafios Éticos e Práticos do Advogado de Família
A atuação em processos de reconhecimento de dupla maternidade exige do advogado sensibilidade, escuta ativa e respeito à diversidade. O profissional deve, ainda, considerar aspectos éticos relevantes, tais como a proteção de dados do menor, a atuação interdisciplinar e o cuidado com o melhor interesse da criança.
Ademais, o domínio das técnicas processuais relacionadas à retificação de registro civil, ação declaratória de filiação e processos de reprodução assistida é fundamental para assegurar a efetividade dos direitos das famílias pluriparentais.
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Papel do Registro Civil: Do Procedimento à Garantia dos Direitos
A lavratura do registro civil com duas mães é hoje procedimento corriqueiro em cartórios brasileiros nos casos de reprodução assistida. Para a parentalidade socioafetiva, a retificação do registro pode se dar tanto por via judicial quanto, em certos casos, administrativa, mediante exigência de prova inequívoca da afetividade e do consentimento da parte interessada, respeitando-se o artigo 10, §4º, do Provimento nº 63/2017.
O acesso ao registro é, portanto, porta de entrada para a cidadania do menor e a efetividade de todos os direitos dele decorrentes. O domínio dessas nuances processuais e administrativas distingue o profissional que busca excelência no Direito de Família.
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Insights Finais
A dupla maternidade é expressão do pluralismo jurídico e do reconhecimento da diversidade familiar. Olhar para esse fenômeno requer aprofundamento doutrinário, atualização jurisprudencial e domínio dos institutos clássicos e modernos da filiação. O profissional que se capacita para lidar com essas realidades pluralizadas amplia radicalmente sua capacidade de promover justiça e cidadania.
Perguntas e Respostas Relevantes
1. É possível o reconhecimento simultâneo de mãe biológica e mãe socioafetiva no registro de uma criança?
Sim, o ordenamento jurídico brasileiro admite o reconhecimento da multiparentalidade, permitindo que uma criança tenha simultaneamente vínculos parental pelo critério biológico e socioafetivo, inclusive com duas mães constando em seu registro civil.
2. Existe necessidade de autorização judicial para registrar uma criança com duas mães oriundas de reprodução assistida?
Não. Desde a edição do Provimento nº 63/2017 do CNJ, é possível a lavratura direta e administrativa do registro de dupla maternidade em casos de reprodução assistida, sem necessidade de ordem judicial.
3. Os direitos sucessórios são impactados pelo reconhecimento da dupla maternidade?
Sim. Uma vez reconhecida a dupla maternidade, a criança passa a ter direitos sucessórios em relação a ambas as mães, sendo incluída na ordem de vocação hereditária de cada uma.
4. Qual a diferença central entre filiação biológica, socioafetiva e registral?
A filiação biológica decorre do vínculo genético; a socioafetiva resulta do vínculo de convivência, cuidado e reconhecimento mútuo; e a registral decorre do assentamento formal do registro civil, podendo as três coexistirem, conforme entendimento dos tribunais superiores.
5. Quais são as principais provas necessárias para o reconhecimento da maternidade socioafetiva?
Em geral, exigem-se documentos, fotos, testemunhas, declarações escolares ou médicas e outros elementos que comprovem o exercício da maternidade de fato, além do consentimento da criança, se possível, e do genitor ou responsável registral, quando aplicável.
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Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-ago-26/juiz-reconhece-dupla-maternidade-de-crianca-em-mg/.