O regime jurídico da improbidade e o dolo
A Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), especialmente após as alterações da Lei nº 14.230/2021, passou a exigir de maneira mais explícita a comprovação do dolo para a configuração da improbidade nos atos que atentam contra os princípios da Administração Pública ou causam enriquecimento ilícito. O art. 1º, §2º da LIA reforça que improbidade requer conduta dolosa, salvo nos casos de lesão ao erário, onde a culpa grave pode ter um papel, mas mesmo aí sofreu restrição.
Essa exigência visa evitar a banalização das sanções de improbidade, protegendo agentes públicos de punições desproporcionais por meros erros administrativos, sem intenção de prejudicar o interesse público.
A repercussão penal da ausência de dolo
Em matéria penal, o dolo também é elemento estruturante em inúmeros tipos penais ligados à função pública, como corrupção (arts. 317 e 333 do Código Penal), peculato (art. 312) e prevaricação (art. 319). Quando uma decisão judicial reconhece a ausência de dolo em um processo de improbidade, há implicações diretas para a tipicidade penal, já que a conduta perde seu elemento subjetivo essencial.
Essa interligação ocorre porque, se na ação cível de improbidade se reconhece que não houve intenção de lesar ou obter benefício, a mesma conduta dificilmente pode ser enquadrada penalmente como crime funcional doloso.
Independência e comunicabilidade das instâncias
O ordenamento jurídico brasileiro adota a independência relativa entre as instâncias civil, administrativa e penal. Isso significa que, em regra, as decisões de uma esfera não vinculam absolutamente as demais. No entanto, há exceções previstas, notadamente quando a decisão judicial penal reconhece a inexistência material do fato ou a negativa de autoria (art. 935 do Código Civil).
Na prática, quando a esfera cível de improbidade reconhece ausência de dolo — e o crime correspondente exige em todos os casos este elemento subjetivo — a ação penal pode perder suportes probatórios e jurídicos, pois o mesmo núcleo fático já foi analisado de forma aprofundada sob perspectiva análoga.
O conceito e as espécies de dolo no Direito Penal
O dolo pode se apresentar sob diversas formas: dolo direto, quando o agente quer o resultado; e dolo eventual, quando assume o risco de produzi-lo. No contexto da improbidade, a Lei nº 14.230/2021 optou por um conceito restritivo, exigindo vontade livre e consciente de alcançar resultado ilícito. É insuficiente a mera violação a um dever funcional; é necessário o elemento anímico voltado a fraudar ou causar lesão.
Essa construção aproximou ainda mais o conceito cível-administrativo ao conceito penal, fortalecendo a possibilidade de decisões convergentes entre as instâncias quando o dolo é afastado.
Aspectos processuais relevantes
Sob a ótica processual, o afastamento do dolo em ação de improbidade pode ser considerado fato novo e relevante na ação penal correlata. Isso pode fundamentar, por exemplo, pedidos de trancamento de ação penal via habeas corpus ou revisão criminal, considerando a ausência de justa causa para a persecução.
Além disso, a defesa técnica deve estar atenta à possibilidade de utilizar fundamentos e provas colhidas no processo cível de improbidade para reforçar a tese defensiva na esfera penal, especialmente quando há coincidência de fatos e de elementos subjetivos exigidos.
Harmonização interpretativa e segurança jurídica
O alinhamento conceitual entre improbidade administrativa e os crimes funcionais é uma medida de segurança jurídica. Isso impede que um mesmo fato, sem comprovação de dolo, seja punido de forma desigual em esferas distintas, contrariando os princípios da proporcionalidade e da culpabilidade.
Ao reconhecer a necessidade de dolo em ambas as esferas, o ordenamento evita que condutas meramente culposas ou frutos de má gestão administrativa sejam confundidas com corrupção ou peculato.
Aplicação prática para operadores do Direito
Para o advogado criminalista ou para o profissional que atua na defesa de agentes públicos, a compreensão do nexo entre a ação de improbidade e o processo penal é estratégica. Saber manejar as provas, conhecer a jurisprudência e compreender a comunicação entre instâncias pode significar o êxito ou o insucesso de uma defesa.
Esse é um tema que demanda estudo aprofundado, integrado e multidisciplinar, que transite pelo Direito Administrativo, Direito Penal e Direito Processual Penal. Uma formação sólida, como a oferecida pela Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal, pode proporcionar ao profissional a base teórica e prática necessária para essas atuações de alta complexidade.
Alterações legislativas e evolução jurisprudencial
Com a reforma de 2021, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal começou a refletir uma postura mais protetiva ao agente público em relação a condutas culposas. Essa orientação tende a influenciar também o Ministério Público na análise de viabilidade de oferecimento de denúncias criminais em casos onde a improbidade foi afastada pela ausência de dolo.
Assim, observa-se um movimento de racionalização punitiva, reservando as sanções severas para hipóteses de real intenção lesiva.
Conclusão
O dolo é o ponto de conexão decisivo entre a improbidade administrativa e crimes correlatos na esfera penal. Seu afastamento em uma instância pode repercutir diretamente na outra, reforçando o princípio da culpabilidade e a manutenção da coerência do sistema sancionador. É essencial que os profissionais do Direito conheçam profundamente esse vínculo para estruturar defesas eficazes e, ao mesmo tempo, assegurar a correta aplicação das normas.
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Insights
A exigência do dolo na improbidade fortalece a consistência entre esferas cível e penal.
O afastamento do dolo na improbidade pode gerar reflexos diretos na tipicidade penal.
A defesa deve utilizar elementos probatórios de uma esfera em benefício da outra quando há identidade fática.
O operador do Direito precisa estar atento às possibilidades processuais que surgem dessa inter-relação.
Formação especializada é crucial para atuar com segurança nesses casos.
Perguntas e Respostas
O que é dolo no contexto da improbidade administrativa?
É a vontade livre e consciente de atingir um resultado ilícito, como fraudar ou causar lesão ao erário, indo além da mera negligência ou imprudência.
O dolo é exigido para todos os atos de improbidade?
Após a Lei nº 14.230/2021, sim, com poucas exceções restritas, havendo grande reforço na necessidade de prova do dolo, especialmente para atos que atentam contra princípios ou resultam em enriquecimento ilícito.
Como o afastamento do dolo em improbidade influencia a esfera penal?
Se a conduta penal exige dolo e este foi afastado na improbidade, a ação penal pode ficar sem sustentação fática e jurídica para condenação.
É possível trancar uma ação penal com base na absolvição por ausência de dolo na improbidade?
Sim, quando houver identidade de fatos e de elemento subjetivo exigido, pode-se pleitear o trancamento via habeas corpus ou revisão.
Como se preparar para atuar em casos que envolvem improbidade e crime funcional?
É fundamental ter conhecimento integrado de Direito Administrativo e Penal, aliado a uma compreensão processual abrangente, algo que formações como uma pós-graduação na área podem oferecer.
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Acesse a lei relacionada em Lei nº 8.429/1992
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-ago-08/improbidade-absolvicao-que-afasta-dolo-retira-fundamento-da-acao-penal-pelos-mesmos-fatos/.