A Dogmática Jurídica e a Hermenêutica: Estratégia e Técnica na Prática Forense
A Natureza da Dogmática Jurídica: Entre a Decisão e a Investigação
O estudo do Direito, para o profissional que almeja a excelência, exige uma distinção fundamental trazida pela Teoria Geral: a diferença entre o enfoque zetético e o enfoque dogmático. Enquanto a zetética (comum aos filósofos e sociólogos) dissolve as premissas em dúvidas infinitas buscando a verdade, a Dogmática Jurídica tem uma função social específica: garantir a decidibilidade dos conflitos. O advogado, portanto, opera dentro de um sistema de “não negação” de certos pontos de partida, como a validade da norma e a autoridade da Constituição.
Compreender o Direito como um sistema de crenças estruturado — metaforicamente, uma “religião secular” — não significa aceitar a lei cegamente. Pelo contrário, significa entender as regras do jogo. A verdadeira maestria jurídica não reside na tentativa amadora de “burlar” o sistema, mas na capacidade técnica de articular os dogmas para construir teses viáveis. Diferente do filósofo que questiona “o que é a justiça”, o advogado deve responder “o que é o direito neste caso concreto”.
A liturgia do processo judicial, com seus ritos e prazos, protege o direito material. O profissional de alto nível sabe que o excesso de formalismo pode sufocar a justiça, mas que o desprezo pela forma gera nulidade. A hermenêutica entra aqui não para “manipular” o texto, mas para expandir o campo semântico da norma até o limite do possível, construindo o sentido que melhor proteja o interesse do constituinte, sem romper a moldura da legalidade.
O Papel da Hermenêutica e os Riscos do Decisionismo
A hermenêutica jurídica é a ferramenta que transforma o texto frio da lei em norma viva aplicável ao fato. No entanto, a transição do positivismo clássico para o cenário atual exige cautela. Não basta mais buscar a “vontade do legislador”; é preciso integrar a norma aos valores constitucionais. Contudo, é preciso evitar o erro comum de confundir a atuação do advogado com a do juiz.
O advogado é um defensor parcial; seu papel é construir argumentos de justiça. O juiz é quem realiza a justiça estatal. A confusão desses papéis leva a uma advocacia ineficiente. No contexto atual, a argumentação jurídica lida intensamente com princípios, que operam sob a lógica da ponderação, diferentemente das regras, que operam no “tudo ou nada”.
Aqui reside um ponto de atenção crucial: a ponderação de princípios não pode ser um cheque em branco para o arbítrio ou para o “solipsismo judicial”. O advogado deve dominar a técnica argumentativa para demonstrar que a aplicação de um princípio exige critérios racionais, e não apenas uma “escolha moral” subjetiva do julgador. Uma base sólida em teoria constitucional permite ao advogado blindar suas teses contra decisões baseadas em meras convicções pessoais travestidas de princípios.
A especialização é o caminho para dominar essa linguagem sofisticada. Um curso como a Pós-Graduação em Direito e Processo Constitucional oferece o arcabouço teórico necessário para que o advogado compreenda os limites e as possibilidades da interpretação principiológica.
Linguagem, Visual Law e a Prevalência da Substância
A linguagem jurídica é um instrumento de poder e precisão. O domínio da terminologia técnica e da estrutura silogística é o que delimita o campo do debate forense. Contudo, a modernidade impõe o desafio da clareza. A tendência do Visual Law e do Legal Design é bem-vinda para facilitar a comunicação, mas o advogado experiente sabe de uma verdade inabalável: a estética jamais salva uma tese jurídica medíocre.
O advogado contemporâneo deve ser bilíngue: capaz de dialogar com a alta complexidade dogmática nos tribunais superiores e, simultaneamente, traduzir essa complexidade de forma clara para o cliente. A forma deve servir ao conteúdo, e não o contrário. Uma petição visualmente agradável, mas carente de fundamento dogmático robusto (como a correta distinção entre vigência e eficácia), será rejeitada. A autoridade do Direito repousa na robustez dos argumentos, e a ética profissional exige que a técnica jurídica seja a protagonista.
Kelsen, o Neoconstitucionalismo e a Correção Teórica
É comum encontrar críticas superficiais que culpam o positivismo de Hans Kelsen pelas atrocidades do século XX. O jurista culto, porém, sabe que a Teoria Pura do Direito tinha um propósito científico e descritivo, buscando isolar o Direito da política e da moral para entendê-lo como sistema. Kelsen não validou a barbárie; ele descreveu como os sistemas jurídicos funcionam, independentemente do seu conteúdo moral.
O advento do neoconstitucionalismo (ou pós-positivismo) não ocorre porque Kelsen “falhou”, mas porque as sociedades democráticas decidiram incorporar a moral dentro do Direito, positivando valores éticos na própria Constituição. Isso altera a função do jurista: a validade da norma passa a depender não apenas da sua forma de produção, mas da sua compatibilidade material com os direitos fundamentais.
Para o advogado, isso significa que a fundamentação das peças processuais deve transitar com fluidez entre a regra específica e o princípio geral. Contudo, é vital lembrar: o Direito é um sistema de contenção de poder. A argumentação principiológica não serve para ignorar a lei, mas para aplicá-la à luz da Constituição. O domínio dessa tensão entre a segurança da regra e a justiça do princípio é o que separa o advogado comum do estrategista jurídico.
A Teoria Geral do Direito como Vantagem Competitiva
Muitos profissionais negligenciam a Teoria Geral do Direito (TGD) após a graduação, considerando-a abstrata. Ledo engano. É na TGD que encontramos as armas para o contencioso estratégico. Conceitos como validade, eficácia, antinomias e lacunas são ferramentas diárias.
Em um sistema processual que valoriza cada vez mais os precedentes (vide CPC/2015), a habilidade mais valiosa não é decorar ementas, mas saber dissecar um acórdão. O advogado deve dominar a distinção entre:
- Ratio Decidendi: Os fundamentos determinantes que vinculam casos futuros.
- Obiter Dictum: Comentários laterais do julgador que não criam obrigatoriedade.
Saber realizar o distinguishing (demonstrar que o caso do cliente é diferente do precedente desfavorável) ou o overruling (argumentar pela superação do precedente) exige um conhecimento profundo da estrutura normativa. O advogado que domina a dogmática sabe que um texto pode abrigar diversas normas, e seu trabalho é convencer o juiz a adotar a norma que favorece seu constituinte.
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Insights sobre o Tema
- A dogmática jurídica visa a decidibilidade e a segurança, enquanto a zetética visa a investigação especulativa. O advogado atua na dogmática.
- Não confunda o papel do advogado com o do juiz. O advogado constrói a tese parcial; o juiz realiza a síntese estatal.
- A crítica a Hans Kelsen deve ser técnica, não política. O neoconstitucionalismo é uma evolução estrutural que insere a moral no texto constitucional, exigindo novas técnicas interpretativas.
- No sistema de precedentes, saber diferenciar a razão de decidir (ratio decidendi) de meros comentários (obiter dictum) é a habilidade prática mais importante da atualidade.
- O Visual Law é ferramenta, não fundamento. A substância teórica sempre prevalece sobre a forma estética.
Perguntas e Respostas
O que diferencia a Dogmática Jurídica da Zetética na prática forense?
A Dogmática parte de premissas inquestionáveis (dogmas) para solucionar conflitos concretos, focando na decisão e na ação. A Zetética questiona as próprias premissas em busca de verdades filosóficas. Na prática, o advogado usa a dogmática para oferecer uma solução ao juiz, e não para criar dúvidas insolúveis.
O positivismo de Kelsen é oposto aos Direitos Humanos?
Não necessariamente. A teoria de Kelsen é descritiva e científica, visando explicar como o Direito funciona, não como ele “deveria ser”. O neoconstitucionalismo avança não por negar a ciência de Kelsen, mas por incorporar valores éticos (como a dignidade humana) como normas jurídicas positivas dentro da Constituição.
Qual o risco do uso indiscriminado de princípios na argumentação?
O risco é o decisionismo ou ativismo judicial sem critérios. Quando princípios são usados sem rigor argumentativo para afastar regras claras, gera-se insegurança jurídica e solipsismo (decisão baseada apenas na consciência do juiz). O advogado deve exigir que a ponderação seja racional e fundamentada.
Por que o estudo da Ratio Decidendi é crucial hoje?
Com o sistema de precedentes vinculantes do CPC/2015, o advogado precisa saber identificar o fundamento central que gerou a decisão (ratio) para aplicá-lo ou afastá-lo (distinguishing) em seu caso. Citar apenas a ementa do julgado é uma prática obsoleta e perigosa.
O Visual Law substitui a argumentação textual complexa?
Jamais. O Visual Law é um recurso de design para facilitar a compreensão da informação. Ele não substitui a necessidade de uma fundamentação jurídica robusta, baseada em doutrina e teoria geral. Uma peça bonita sem base legal é apenas um desenho ineficaz.
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Acesse a lei relacionada em Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-14/a-religiao-secular-do-direito/.