Direito à Saúde e a Cobertura dos Planos de Saúde: Fundamentos, Limites e Controvérsias
A discussão acerca da obrigatoriedade dos planos de saúde em custear procedimentos médicos não previstos expressamente no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) ocupa posição central no Direito à Saúde brasileiro. Esse tema envolve a definição dos limites contratuais e regulamentares impostos às operadoras e o alcance da proteção jurídica conferida aos beneficiários. Para profissionais do Direito, é fundamental compreender os contornos legais, constitucionais e jurisprudenciais que permeiam tal matéria.
O Direito Fundamental à Saúde
Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, o direito à saúde ocupa um dos pilares do Estado brasileiro. O artigo 196 consagra que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”, sendo garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, bem como o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Ainda que o texto constitucional cuide primordialmente do Sistema Único de Saúde (SUS), desde os anos 1990 observa-se uma crescente expansão da saúde suplementar, sendo a atuação das operadoras de planos de assistência à saúde regulamentada pela Lei nº 9.656/1998, além da atuação normativa da ANS.
A natureza dos contratos de plano de saúde
Os contratos de plano de saúde reúnem as características de contrato de consumo, nos termos previstos pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), especialmente porque são celebrados entre fornecedores de serviços (operadoras) e consumidores (beneficiários). Logo, os princípios da boa-fé objetiva, transparência e vulnerabilidade do consumidor devem nortear as relações.
Soma-se a isso o aspecto da chamada função social do contrato, conferindo maior proteção ao consumidor quando este se vê em situação de fragilidade diante das negativas de cobertura.
O Rol da ANS: Taxatividade x Exemplificatividade
O tema da cobertura obrigatória envolve a Resolução Normativa (RN) nº 465/2021 da ANS, que dispõe sobre o rol de procedimentos e eventos em saúde. Historicamente, o rol foi elaborado como um parâmetro mínimo de cobertura obrigatória. Ocorre que, não raramente, surgem necessidades médicas que extrapolam a lista de procedimentos ali prevista, sobretudo diante da constante evolução da medicina.
Por muito tempo discutiu-se se o rol da ANS teria natureza taxativa (somente o que está listado deve ser custeado) ou exemplificativa (um parâmetro, porém não exaustivo).
Jurisprudência e a posição do STJ
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfrentou essa matéria em recurso repetitivo, fixando tese de que o rol da ANS é taxativo, porém mitigado. Em outras palavras, admite-se a possibilidade de cobertura obrigatória de procedimento não incluído no rol, desde que preenchidos determinados requisitos: inexistência de substituto terapêutico incluído no rol, comprovação da eficácia do tratamento e recomendação por órgãos técnicos de renome.
Assim, abre-se espaço para o Judiciário avaliar, casuisticamente, se a recusa do plano é legítima ou viola o direito à saúde do consumidor. Outro requisito relevante é laudo médico fundamentado e a demonstração de que as alternativas previstas no rol não são adequadas ao caso concreto.
Limites Contratuais e Relação com o Código de Defesa do Consumidor
O contrato de plano de saúde é típicamente considerado contrato de adesão. Diante disso, cláusulas que imponham restrições à cobertura, por serem redigidas unilateralmente, não podem contrariar os direitos básicos do consumidor, notadamente o direito à vida, saúde, segurança e dignidade (artigos 6º e 51 do CDC).
O STJ, ao interpretar negativas baseadas exclusivamente no rol da ANS, reforça que, em algumas hipóteses, a recusa pode equivaler à prática abusiva e, portanto, nula de pleno direito. Especial atenção tem sido conferida a casos de urgência e emergência, tratamentos continuados e doenças graves, situações em que o Judiciário costuma ser mais protetivo ao beneficiário.
Agravo da condição de saúde e a obrigação do plano
O agravamento do estado de saúde do paciente, pela negativa de procedimento ou tratamento, implica grave risco de responsabilização civil da operadora, incluindo o dever de indenizar por danos morais e/ou materiais. Os tribunais têm reconhecido tal responsabilidade com base nos princípios da dignidade da pessoa humana e no dever de boa-fé.
Execução Judicial e Tutelas de Urgência
A busca por procedimentos e tratamentos não protegidos formalmente pelo rol da ANS ocorre, com frequência, pela via judicial. A concessão de tutela de urgência tem sido uma importante ferramenta para garantir a realização de tratamento imprescindível à saúde do consumidor.
O artigo 300 do Código de Processo Civil disciplina os requisitos para a antecipação de tutela em situações de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Nos casos relacionados ao direito à saúde, o periculum in mora quase sempre está presente em razão do risco de agravamento da doença ou morte.
Lembrando que a atuação prática nesse tipo de demanda exige dos advogados domínio dos instrumentos processuais e atualidade sobre a jurisprudência. Para quem deseja aprofundar-se neste campo, a especialização em Direito Médico e da Saúde é diferencial determinante, como na Pós-Graduação em Direito Médico e da Saúde.
Os Impactos das Súmulas e Enunciados
O STJ firmou entendimento relevante ao editar a Súmula 608: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.” Tal orientação reforça a possibilidade de controle de abusividade contratual e o caminho para discutir cláusulas que limitem o acesso a tratamentos imprescindíveis.
Outro aspecto fundamental é o tratamento similar nas hipóteses do artigo 35-C da Lei 9.656/98, que prevê a cobertura obrigatória em situações de urgência e emergência, mitigando restrições contratuais ou do rol.
Discussões sobre Práticas Abusivas
Dentre as cláusulas discutidas judicialmente, destacam-se as que excluem procedimentos por suposta ausência de previsão na ANS, medicamentos de uso off-label, tratamentos inovadores e transplantes. O CDC considera inválidas as limitações que contrariem a boa-fé objetiva ou o equilíbrio contratual (arts. 47, 51).
Assim, o advogado deve estar atento tanto aos fundamentos legais quanto à postura jurisprudencial dos tribunais superiores para traçar estratégias eficientes de proteção aos interesses dos consumidores.
Aspectos da Responsabilidade Civil das Operadoras
A recusa indevida de cobertura pode dar ensejo à indenização por danos morais, na medida em que compromete o tratamento e a própria dignidade do paciente. A responsabilidade das operadoras é objetiva (art. 14 do CDC), não se eximindo de reparar o dano causado ao consumidor pelo simples inadimplemento contratual, sem necessidade de demonstração de culpa.
É possível discutir também o nexo causal entre a recusa e eventual agravamento da doença, cabendo à operadora a prova de inexistência desse nexo ou de fato impeditivo de sua responsabilidade.
O aprofundamento da teoria geral dos contratos, responsabilidade civil médica e direito do consumidor são essenciais para o êxito profissional, destacando a relevância do estudo prático, como proporcionado pela Pós-Graduação em Direito Médico e da Saúde.
Breves Considerações Finais
A compreensão acerca dos limites da cobertura dos planos de saúde, a relação contratual fundamentada pelo princípio da dignidade da pessoa humana e a proteção do consumidor, somados ao constante aperfeiçoamento profissional, formam a base para uma atuação qualificada no Direito à Saúde.
O operador do Direito deve estar sempre atento às alterações legislativas e à evolução jurisprudencial, em especial à interpretação dos tribunais superiores. O assunto exige um olhar multidisciplinar e sensível, pois envolve vida, saúde, dignidade e, muitas vezes, urgência.
Quer dominar Direito Médico e da Saúde e se destacar na advocacia? Conheça nossa Pós-Graduação em Direito Médico e da Saúde e transforme sua carreira.
Insights Práticos sobre o Tema
O conflito entre o direito contratual e o direito fundamental à saúde demanda análise criteriosa, em atenção tanto à legislação específica dos planos de saúde como aos comandos constitucionais e de defesa do consumidor.
Julgados recentes demonstram que o domínio do tema amplia as possibilidades de atuação do advogado, seja em sede consultiva ou contenciosa. O acompanhamento das mudanças promovidas pela atuação da ANS e a evolução da jurisprudência são diferenciais competitivos.
O uso estratégico de tutelas de urgência, o domínio do processo judicial na saúde suplementar e o conhecimento das nuances contratuais formam o tripé indispensável para uma advocacia de excelência nesse nicho.
Perguntas e Respostas Frequentes
1. Quando o plano de saúde é obrigado a custear procedimentos não previstos no rol da ANS?
O custeio é obrigatório se houver ausência de substituto terapêutico no rol, laudo médico fundamentado, eficácia comprovada pelo tratamento e recomendação técnica de órgãos de renome, conforme entendimento do STJ.
2. O que caracteriza uma cláusula como abusiva em contrato de plano de saúde?
São abusivas as cláusulas que restringem direitos essenciais ou contrariem a boa-fé, o equilíbrio contratual e a função social do contrato, podendo ser anuladas pelo Judiciário.
3. Qual é a responsabilidade da operadora diante da recusa indevida de cobertura?
A responsabilidade é objetiva, sendo possível a condenação por danos morais e materiais se comprovado que a recusa agravou o estado de saúde do beneficiário.
4. Como o advogado deve proceder em casos urgentes para garantir tratamento ao cliente?
Recomenda-se a propositura de ação judicial com pedido liminar de tutela de urgência, demonstrando o perigo de dano e a plausibilidade do direito, ancorado em laudos médicos e fundamentos legais/jurisprudenciais.
5. As decisões judiciais variam em relação ao rol taxativo da ANS?
Sim, embora atualmente prevaleça a tese do rol taxativo mitigado, admitindo exceções diante de casos específicos, especialmente quando comprovada a necessidade do tratamento e ausência de alternativa similar no rol.
Aprofunde seu conhecimento sobre o assunto na Wikipedia.
Acesse a lei relacionada em Lei nº 9.656/1998
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-ago-25/plano-de-saude-precisa-arcar-com-cirurgia-cardiaca-fora-da-lista-da-ans/.