A Imutabilidade do Fundamento Legal na Execução Fiscal: Limites à Emenda da CDA e a Segurança Jurídica
A relação jurídica tributária é regida, sobretudo, pelo princípio da estrita legalidade e pela segurança jurídica. Quando o Fisco decide cobrar um crédito tributário inadimplido, ele se vale de um título executivo extrajudicial denominado Certidão de Dívida Ativa (CDA). Este documento não é apenas uma formalidade burocrática; ele é o espelho do lançamento tributário, ato administrativo vinculado que constitui o crédito.
A controvérsia surge frequentemente no curso da Execução Fiscal, quando a Fazenda Pública percebe equívocos na constituição desse título. A Lei de Execução Fiscal (Lei nº 6.830/80) permite, em seu artigo 2º, § 8º, a emenda ou substituição da CDA até a decisão de primeira instância. No entanto, essa permissão legislativa não é um cheque em branco. A jurisprudência dos tribunais superiores consolidou o entendimento de que existem limites intransponíveis para essa alteração.
O ponto nevrálgico reside na distinção entre erro formal ou material e a alteração do próprio fundamento legal da cobrança. Compreender essa distinção é vital para a defesa do contribuinte, pois a tentativa de modificar a base legal da exigência tributária durante o processo executivo implica, necessariamente, na modificação do próprio lançamento, o que é vedado sem o devido processo administrativo anterior.
A Natureza Jurídica da CDA e os Requisitos de Validade
A Certidão de Dívida Ativa goza de presunção de certeza e liquidez, conforme estabelece o artigo 3º da Lei de Execução Fiscal (LEF) e o artigo 204 do Código Tributário Nacional (CTN). Contudo, essa presunção é relativa (juris tantum) e pode ser ilidida por prova inequívoca a cargo do executado ou de terceiro. Para que a execução seja válida, o título que a embasa deve preencher rigorosamente os requisitos estipulados no artigo 202 do CTN e no artigo 2º, § 5º, da LEF.
Dentre esses requisitos, destaca-se a obrigatoriedade de indicar a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida. A indicação correta do dispositivo de lei é fundamental para garantir o exercício do contraditório e da ampla defesa. O executado precisa saber exatamente por que está sendo cobrado e qual a base normativa que sustenta a pretensão fiscal.
Se a CDA aponta um artigo de lei revogado, inaplicável ou incorreto, a defesa do contribuinte é estruturada para combater aquela fundamentação específica. Se, no meio do jogo processual, a Fazenda pudesse simplesmente alterar a regra legal invocada, toda a defesa apresentada se tornaria inócua, configurando uma violação flagrante ao devido processo legal. É nesse contexto que o estudo aprofundado sobre Execução Fiscal e os Meios de Defesa do Contribuinte se torna uma ferramenta indispensável para o advogado tributarista identificar nulidades.
Erro Material versus Erro no Lançamento
A jurisprudência pátria, sintetizada notavelmente na Súmula 392 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), estabelece que a Fazenda Pública pode substituir a CDA até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução. Embora a súmula mencione explicitamente o sujeito passivo, a ratio decidendi se estende à modificação do fundamento legal que implique revisão do lançamento.
O erro material ou formal diz respeito a defeitos que não alteram a substância do crédito. Exemplos incluem erros de digitação, falhas no cálculo de atualização monetária ou a omissão de algum dado cadastral secundário. Nesses casos, a emenda da CDA é perfeitamente cabível, pois visa sanear o processo sem prejudicar a defesa do executado quanto ao mérito da dívida.
Por outro lado, o erro na capitulação legal da infração ou do tributo atinge a própria essência do ato de constituição do crédito. O lançamento tributário (art. 142 do CTN) é o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido e identificar o sujeito passivo. Se o fundamento legal muda, muda-se a própria definição jurídica do fato gerador ou da penalidade.
A Impossibilidade de Modificação do Fundamento Legal
Quando a Fazenda Pública tenta alterar o fundamento legal da cobrança em sede de execução fiscal, ela está, na prática, tentando realizar um novo lançamento tributário dentro do processo judicial. Isso é inadmissível. O lançamento é ato privativo da autoridade administrativa e deve ser precedido, ou sucedido, de oportunidade de impugnação na via administrativa.
Ao alterar a base legal na CDA, o Fisco estaria cobrando um “novo” crédito, distinto daquele que foi originalmente inscrito em Dívida Ativa. Isso retiraria do contribuinte a oportunidade que ele teve (ou deveria ter tido) de discutir administrativamente essa nova qualificação jurídica. Portanto, a alteração do fundamento legal não é uma mera correção formal; é uma revisão do critério jurídico do lançamento, o que esbarra no erro de direito.
O artigo 146 do CTN protege o contribuinte contra a mudança de critério jurídico em relação a fatos pretéritos. Ainda que o Fisco possa rever o lançamento em certas hipóteses (art. 149 do CTN), isso deve ocorrer através de novo processo administrativo, respeitando os prazos decadenciais, e não através de uma simples petição de substituição de CDA em uma execução já ajuizada.
Impactos Processuais da Tentativa de Alteração
Do ponto de vista processual, a insistência do Fisco em manter uma execução com base em fundamento legal equivocado, ou a tentativa frustrada de alterá-lo, deve conduzir à extinção da execução fiscal.
O advogado deve estar atento para manejar os instrumentos corretos. A Exceção de Pré-Executividade é cabível quando a nulidade do título puder ser comprovada de plano, sem necessidade de dilação probatória. Se a CDA cita uma lei revogada, por exemplo, isso é matéria de ordem pública cognoscível de ofício pelo juiz. Já os Embargos à Execução permitem uma dilação probatória mais ampla.
Se a Fazenda admite que o fundamento legal está errado e pede para substituir a CDA alterando a lei base, o advogado do executado deve impugnar tal pedido alegando a impossibilidade de modificação do lançamento. O reconhecimento dessa impossibilidade leva à nulidade do título executivo e, consequentemente, à nulidade da execução (nulla executio sine titulo). Aprofundar-se em temas como este em uma Pós-Graduação em Direito Tributário e Processo Tributário é o que diferencia o advogado generalista do especialista.
O Princípio da Causalidade e Honorários
Outro aspecto relevante decorrente da impossibilidade de mudar o fundamento legal é a fixação dos honorários de sucumbência. Se a Fazenda Pública, reconhecendo o erro na fundamentação legal, pede a extinção da execução ou se o juiz a decreta de ofício ou a requerimento da parte, o princípio da causalidade impõe que o ente público arque com os custos do processo e os honorários advocatícios.
O contribuinte não pode ser penalizado por um erro cometido exclusivamente pela Administração Pública. Se ele foi forçado a contratar advogado e apresentar defesa porque o Estado constituiu o crédito de forma errônea, a reparação patrimonial através dos honorários é medida de justiça.
Conclusão
A estabilidade da Certidão de Dívida Ativa é uma garantia fundamental do contribuinte. Embora o sistema processual permita correções para sanar vícios menores e aproveitar os atos processuais, a linha vermelha é traçada quando a alteração toca na substância do lançamento tributário.
A vedação à mudança do fundamento legal da cobrança durante a Execução Fiscal protege o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Impede que o processo judicial sirva de laboratório para o Fisco corrigir erros de direito cometidos na fase administrativa. Para o profissional do Direito, identificar essas nuances não é apenas uma questão técnica, mas uma estratégia essencial para obter a extinção de execuções fiscais viciadas, protegendo o patrimônio de seus clientes contra a arbitrariedade estatal.
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Insights sobre o Tema
A Rigidez do Lançamento: O lançamento tributário não é um rascunho. Uma vez constituído, ele vincula a atividade administrativa. Alterar a base legal equivale a criar um novo lançamento, o que exige novo processo administrativo e reinício da contagem prescricional.
Limites da Súmula 392/STJ: Muitos profissionais focam apenas na vedação da troca do sujeito passivo. É crucial lembrar que a jurisprudência estende essa vedação a qualquer alteração que implique revisão do lançamento, incluindo a mudança da fundamentação legal da dívida.
Estratégia de Defesa: Ao se deparar com uma CDA, a primeira verificação deve ser a correspondência entre a infração descrita e o artigo de lei citado. Discrepâncias aqui são fatais para a pretensão executória e excelentes para a defesa.
Economia Processual vs. Garantias Individuais: Embora o princípio da instrumentalidade das formas vise salvar o processo, ele não pode se sobrepor às garantias constitucionais do contraditório. Uma execução baseada em fundamento legal surpresa é nula, não importa quão avançado esteja o processo.
Perguntas e Respostas
1. A Fazenda Pública pode corrigir um erro de digitação no valor da dívida presente na CDA?
Sim. Erros materiais ou de cálculo podem ser corrigidos através da substituição da CDA até a sentença de primeira instância, conforme prevê a Lei de Execução Fiscal e a Súmula 392 do STJ, desde que isso não altere a natureza jurídica do lançamento.
2. O que acontece se a CDA citar uma lei que foi revogada antes do fato gerador?
A CDA será considerada nula. Citar uma lei revogada é um vício quanto ao fundamento legal. A Fazenda não poderá simplesmente substituir a CDA por outra com a lei correta no curso da execução, pois isso configuraria alteração do lançamento, o que é vedado jurisprudencialmente. A execução deve ser extinta.
3. Qual o momento limite para a Fazenda Pública realizar a substituição da CDA para correção de erros formais?
O limite temporal é a prolação da sentença dos embargos à execução (primeira instância). Após esse momento, a preclusão impede a emenda do título executivo, mesmo que seja apenas para erros formais.
4. A vedação de alteração do fundamento legal se aplica também às multas administrativas não tributárias?
Sim. O raciocínio se aplica igualmente às execuções fiscais de dívidas não tributárias (como multas ambientais ou do Procon). O título executivo deve refletir com precisão o processo administrativo que lhe deu origem, garantindo a ampla defesa do executado.
5. Se a execução for extinta por erro no fundamento legal, a Fazenda pode cobrar a dívida novamente?
Em tese, sim, desde que não tenha ocorrido a decadência ou a prescrição. O Fisco deverá realizar um novo lançamento tributário (ou ato administrativo equivalente), notificando o contribuinte e abrindo prazo para defesa administrativa, para só então, se mantida a dívida, inscrever em dívida ativa e ajuizar nova execução.
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Acesse a lei relacionada em Lei nº 6.830/80
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-15/stj-reforca-seguranca-aos-contribuintes-fazenda-nao-pode-mudar-o-fundamento-legal-da-cobranca/.