A medida cautelar de busca e apreensão representa, hoje, o epicentro de uma batalha jurisprudencial silenciosa, mas profunda. O texto frio do Código de Processo Penal não mais reflete a dinâmica exigida pelos Tribunais Superiores. Trata-se de um instituto que opera na fronteira delicada da inviolabilidade de domicílio e da intimidade, onde a “velha dogmática” cede lugar a um standard probatório elevado, exigindo do advogado criminalista não apenas conhecimento da lei, mas domínio estratégico dos precedentes que revolucionaram a matéria a partir de 2021.
No ordenamento jurídico atual, a busca e apreensão deixou de ser validada apenas pela “fé pública” policial. Ela é um meio de obtenção de prova que, se mal instrumentalizado, contamina todo o processo. Para o defensor técnico, compreender a evolução do entendimento do STJ (especialmente da 6ª Turma) e do STF é vital para identificar nulidades, combater abusos estatais e, sobretudo, proteger o constituinte contra as modernas “fishing expeditions”.
A Revolução da “Fundada Suspeita”: O Fim do “Tirocínio” Subjetivo
A maior omissão na prática forense mediana é ignorar a mudança de paradigma estabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça, notadamente a partir do julgamento do HC 598.051/SP. A clássica “fundada suspeita” do artigo 240 do CPP foi reescrita pela jurisprudência.
Não basta mais o “nervosismo” do abordado, a “atitude suspeita” genérica ou denúncias anônimas não corroboradas por diligências preliminares robustas. O STJ elevou o sarrafo: exige-se agora a descrição objetiva e justificada a priori da suspeita. O “tirocínio policial”, baseado em impressões subjetivas, não autoriza a busca pessoal e, muito menos, a violação domiciliar.
Para o advogado de defesa, isso significa que qualquer busca baseada exclusivamente na intuição do agente estatal, sem lastro em dados concretos anteriores à abordagem, é passível de anulação. A busca não pode ser validada pelo que ela encontra (o sucesso da diligência não sanea a ilicitude da origem). Se a suspeita não era objetivamente fundada antes, a prova é ilícita.
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O Domicílio e a Armadilha do Consentimento
A Constituição Federal protege a casa como asilo inviolável. Contudo, a grande zona de litígio reside na exceção: a entrada franqueada pelo morador. Durante décadas, bastava a palavra do policial afirmando que “foi convidado a entrar”. Isso mudou.
A jurisprudência atual impõe ao Estado o ônus de provar a legalidade do ingresso. Se a entrada ocorreu sem mandado, baseada no suposto consentimento, este deve ser:
- Voluntário e livre de qualquer coação (física ou moral);
- Comprovado por declaração escrita;
- Preferencialmente registrado em áudio e vídeo.
Em caso de dúvida, a palavra do agente público não prevalece sobre a garantia constitucional. Para a defesa técnica, a ausência de registro audiovisual do consentimento em operações sem mandado é uma tese de nulidade fortíssima, baseada na premissa de que o cidadão médio, diante de agentes armados, não possui liberdade plena para consentir, salvo prova inequívoca em contrário.
Combate às “Fishing Expeditions” e a Delimitação do Mandado
O conceito de fishing expedition (pescaria probatória) deixou de ser teoria acadêmica para se tornar argumento central em Habeas Corpus e Reclamações. Trata-se da prática de lançar uma medida invasiva sem alvo definido — ou com um alvo excessivamente amplo — na esperança de encontrar “qualquer coisa”.
Um exemplo clássico, rechaçado pelo STF (como no caso do RHC 143.169), é a apreensão de “todos os documentos e computadores” de uma empresa ou escritório, sem recorte temporal ou temático. Se a investigação versa sobre crimes fiscais de 2022, a apreensão de documentos de 2010 ou arquivos pessoais sem conexão com o fato configura abuso.
O advogado deve manejar remédios processuais, como o Mandado de Segurança ou o Incidente de Restituição de Coisas Apreendidas, para impugnar mandados genéricos. O objetivo não é apenas recuperar bens, mas delimitar o objeto da prova pericial, impedindo que a acusação utilize a busca como pretexto para uma devassa indiscriminada na vida do investigado.
Busca e Apreensão Digital: O Buraco é Mais Embaixo
A fronteira digital trouxe desafios que superam a simples apreensão do hardware. Embora a posição majoritária entenda que o mandado de apreensão do celular autoriza o acesso aos dados estáticos (fotos, agenda), existem nuances vitais:
- Espelhamento de WhatsApp (WhatsApp Web): O STJ declarou ilegal a utilização do espelhamento via WhatsApp Web sem autorização específica para interceptação telemática, pois isso configura monitoramento em tempo real, e não mera análise de dados armazenados.
- Dados em Nuvem: A apreensão do aparelho não autoriza, automaticamente, o acesso a dados armazenados em nuvem (Google Drive, iCloud) que não estão fisicamente no dispositivo. Isso exige quebra de sigilo específica.
- Senha e Biometria: A discussão sobre a obrigatoriedade de fornecer a senha ou a biometria para desbloqueio toca no privilégio contra a autoincriminação (nemo tenetur se detegere), sendo terreno fértil para a defesa combativa.
Cadeia de Custódia: Auditabilidade ou Nulidade
Com o Pacote Anticrime (Lei 13.964/19), a Cadeia de Custódia deixou de ser mera formalidade administrativa para se tornar garantia de validade da prova (arts. 158-A e ss. do CPP). A defesa não deve buscar “meras irregularidades”, mas sim a perda da auditabilidade da prova.
Na prática, se um celular apreendido é ligado na delegacia sem o devido registro forense, alterando seus metadados, ou se não há cálculo de hash (identidade digital) no momento da apreensão, a integridade da prova foi comprometida. A quebra da cadeia de custódia gera desconfiança sobre a autenticidade do elemento probatório, devendo conduzir à sua ilicitude e desentranhamento.
Prática de Guerra: A Execução da Medida
O papel do advogado durante o cumprimento do mandado não é passivo. A defesa deve atuar no “chão de fábrica” da diligência:
- Fotografar o Mandado: Verifique na hora os limites da ordem (endereço exato, alvos, horários).
- Acompanhamento “Sombra”: Jamais deixe os agentes realizarem buscas em cômodos sozinhos. O advogado ou o morador devem acompanhar cada passo para evitar o “plantio” de provas.
- Testemunhas Reais: Exija que as testemunhas do povo (vizinhos ou passantes) entrem no imóvel e presenciem a busca, em vez de ficarem aguardando na calçada apenas para assinar o auto ao final.
- Horário Objetivo: A Lei de Abuso de Autoridade fixou balizas objetivas. A entrada forçada deve ocorrer entre 05h e 21h. Ingressos fora desse horário, salvo flagrante real e urgente, são ilícitos.
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Conclusão
A busca e apreensão contemporânea não é um procedimento burocrático, mas um campo minado de nulidades. A “velha advocacia”, que confiava apenas na leitura seca da lei, tornou-se obsoleta diante do refinamento jurisprudencial do STJ e STF.
A excelência na defesa criminal exige vigilância constante sobre a legalidade da origem da prova (fundada suspeita objetiva), a integridade de sua conservação (cadeia de custódia) e os limites de sua extração (vedação ao fishing expedition). O advogado que domina essas teses não apenas defende seu cliente, mas atua como guardião das garantias constitucionais contra o arbítrio estatal.
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Insights Estratégicos
- A “Nova” Fundada Suspeita: O standard probatório subiu. Nervosismo e denúncia anônima isolada não validam mais a busca pessoal ou domiciliar (HC 598.051/SP).
- Ônus da Prova do Consentimento: Cabe ao Estado provar, preferencialmente por vídeo e autorização escrita, que o morador autorizou a entrada. A palavra policial isolada perdeu força de fé pública nesse contexto.
- Fishing Expedition Digital: O acesso a dados não pode ser irrestrito. Mandados genéricos ou a busca por crimes não relacionados ao objeto da investigação no celular apreendido são passíveis de nulidade.
- Cadeia de Custódia Digital: A alteração de metadados ou a falta de hash torna a prova digital não auditável e, portanto, imprestável.
- Atuação Ativa: O advogado deve fiscalizar a execução do mandado in loco, impedindo buscas isoladas em cômodos e garantindo que o horário (05h-21h) seja respeitado.
Perguntas e Respostas
1. A polícia pode realizar busca pessoal baseada apenas em “tirocínio” ou nervosismo?
Pela jurisprudência atual do STJ (6ª Turma), não. A fundada suspeita deve ser descrita objetivamente e justificada por dados concretos anteriores à abordagem. O “faro policial” subjetivo não é mais suficiente para mitigar direitos fundamentais.
2. O que fazer se a polícia afirmar que o cliente “autorizou” a entrada na casa?
A defesa deve exigir a prova desse consentimento (vídeo ou documento escrito). Se não houver registro, a tese é de ilicitude da prova por violação de domicílio, pois o ônus de comprovar a legalidade do ingresso sem mandado é inteiramente do Estado.
3. O espelhamento de conversas via WhatsApp Web é permitido na busca e apreensão?
Não sem uma autorização específica de interceptação telemática. O STJ entende que o uso do WhatsApp Web pela polícia constitui monitoramento em tempo real e criação de um “clone”, o que extrapola a simples análise de dados armazenados no aparelho.
4. A defesa pode acompanhar a busca dentro dos cômodos?
Sim, e deve. É crucial acompanhar visualmente a atuação dos agentes para garantir a lisura da diligência, evitar a implantação de provas ilícitas e verificar se os objetos apreendidos correspondem ao escopo do mandado.
5. A quebra da cadeia de custódia anula o processo?
Pode anular a prova e, por contaminação, o processo. Embora existam julgados falando em “mera irregularidade”, a defesa deve focar na perda da capacidade de auditabilidade da prova. Se não é possível garantir que a prova não foi alterada, ela viola o contraditório e a ampla defesa.
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Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-12/flavio-dino-autoriza-busca-e-apreensao-contra-ex-assessora-de-arthur-lira/.