O Papel Jurídico e Institucional das Associações de Classe no Ordenamento Brasileiro
A advocacia brasileira opera dentro de um ecossistema complexo que vai muito além da atuação individual do profissional em tribunais ou escritórios. A estrutura que sustenta a classe jurídica é formada por instituições sólidas, dotadas de personalidade jurídica própria e regidas por normas específicas do Direito Civil e do Estatuto da Advocacia. Compreender a natureza jurídica, a governança e o impacto dessas associações é fundamental para qualquer advogado que deseje ter uma visão macroscópica de sua profissão. As associações de classe não são meros clubes de convivência; são entes de direito privado com funções públicas relevantes, atuando na defesa das prerrogativas, na atualização técnica e na representação política da classe.
O estudo das associações nos remete diretamente à Parte Geral do Código Civil. Contudo, é preciso uma distinção técnica precisa: diferentemente das sociedades, que possuem animus lucrandi subjetivo (visam a partilha de resultados entre sócios), as associações são formadas pela união de pessoas para fins não econômicos. Aqui reside uma nuance crucial que o advogado gestor não pode ignorar: ter “fins não econômicos” não impede o exercício de atividade econômica. A associação pode e deve gerar receitas, mas o superávit deve ser integralmente revertido para a manutenção e desenvolvimento dos objetivos institucionais. O desvio dessa regra, especialmente no que tange à remuneração de dirigentes em descompasso com a legislação tributária (Lei 9.532/97), pode colocar em risco a imunidade ou isenção fiscal da entidade, gerando passivos tributários gigantescos.
A Natureza Jurídica e a Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais
O Código Civil Brasileiro, em seus artigos 53 a 61, estabelece o regramento base. O ato constitutivo é a lei interna da entidade, mas ele não é absoluto. Um ponto de atenção moderna na governança dessas entidades é a aplicação da teoria da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais (Drittwirkung). O Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que as associações, mormente aquelas com caráter de representação de classe, não podem atuar como “clubes privados” arbitrários. O estatuto social não pode se sobrepor às garantias constitucionais.
Isso é vital na análise do artigo 57 do Código Civil, que trata da exclusão de associados. A expulsão sumária é inadmissível. É obrigatória a instauração de procedimento administrativo que assegure o contraditório e a ampla defesa. Redigir um estatuto com poderes draconianos de exclusão é plantar uma nulidade judicial futura. Além disso, o artigo 59 determina que compete privativamente à assembleia geral destituir os administradores e alterar o estatuto, estabelecendo um sistema de freios e contrapesos indispensável.
A complexidade administrativa dessas entidades exige do profissional do Direito um conhecimento que transcende a dogmática jurídica tradicional. É necessário entender de gestão, de compliance e de estratégia organizacional para não transformar a associação em uma extensão informal do próprio escritório. Para aqueles que buscam se aprofundar na gestão de entidades jurídicas e na própria organização de suas carreiras, o curso de Pós Social em Gestão de Escritórios e Departamentos Jurídicos oferece ferramentas essenciais para navegar neste ambiente corporativo e institucional.
Governança, Responsabilidade Civil e Risco Ético
A administração de uma associação impõe aos seus gestores deveres fiduciários. A responsabilidade civil dos administradores pode ser acionada em casos de violação da lei ou do estatuto (excesso de mandato). Embora a desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do CC) seja teoricamente aplicável em casos de confusão patrimonial ou desvio de finalidade, há um risco ainda mais imediato para o advogado dirigente: o risco ético-disciplinar.
A gestão temerária de uma entidade de classe pode configurar inidoneidade moral, sujeitando o advogado a processos perante o Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da OAB, o que pode impactar sua inscrição principal e sua carreira. A transparência na gestão financeira e o rigor contábil não são apenas boas práticas de gestão, são mecanismos de defesa da própria licença profissional do gestor.
A Representatividade Processual: Precisão Técnica Necessária
Um dos temas que mais gera confusão e risco processual é a legitimidade das associações para atuar em juízo. É perigoso assumir que a legitimidade é automática. O advogado deve distinguir duas situações processuais distintas:
- Representação Processual (Art. 5º, XXI, CF): Para ações ordinárias coletivas, a jurisprudência do STF (RE 573.232) exige autorização expressa dos associados (seja individualmente ou por deliberação específica em assembleia). Uma autorização genérica no estatuto costuma ser insuficiente, levando à extinção do processo por ilegitimidade ativa.
- Substituição Processual: Ocorre no Mandado de Segurança Coletivo. Neste caso, conforme a Súmula 629 do STF, a associação atua em nome próprio defendendo direito alheio, dispensando a autorização especial, bastando que a entidade esteja constituída há pelo menos um ano e que o objeto da ação tenha pertinência temática com seus fins institucionais.
Dominar essa distinção técnica evita que o advogado promova lides temerárias ou perca oportunidades de defesa da classe por falhas formais.
A Especialização como Vetor de Liderança
A ascensão em carreiras institucionais exige um preparo multidisciplinar. O Direito Civil fornece a base estrutural, mas o domínio das obrigações e dos contratos é essencial, pois as associações celebram inúmeros negócios jurídicos, desde parcerias complexas até a contratação de fornecedores. Entender profundamente o regime jurídico das obrigações permite ao gestor jurídico blindar a instituição.
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Desafios Contemporâneos: LGPD e Compliance de Dados
As associações de classe enfrentam o desafio da modernização e da adequação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). O erro comum é basear todo o tratamento de dados no “legítimo interesse” para fins de marketing jurídico ou convênios. O gestor jurídico deve realizar uma taxonomia dos dados, lembrando que associações frequentemente lidam com dados sensíveis (filiação a sindicato ou organização de caráter religioso, filosófico ou político, dados de saúde em convênios médicos).
A base legal deve ser sólida, muitas vezes exigindo a revisão dos contratos de adesão para incluir o consentimento específico ou adequar-se à execução de contrato. O vazamento de dados de advogados não gera apenas multas, mas danos reputacionais irreparáveis à confiança na instituição.
A sustentabilidade financeira e a relevância política da associação dependem de líderes que atuem como verdadeiros arquitetos institucionais. O advogado moderno não se associa apenas por idealismo, mas busca retorno e segurança. As associações que compreendem essa dinâmica prosperam; as que ignoram a técnica jurídica e a gestão profissional, tornam-se irrelevantes.
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Insights sobre o tema
- As associações exercem atividade econômica, mas não possuem finalidade lucrativa subjetiva (distribuição de dividendos). A confusão desses conceitos gera riscos fiscais.
- A autonomia da assembleia geral não é absoluta; estatutos devem respeitar os direitos fundamentais dos associados (Eficácia Horizontal).
- Há uma diferença processual vital entre representação (exige autorização expressa) e substituição processual (Mandado de Segurança Coletivo).
- A má gestão associativa pode acarretar infração ética perante a OAB, além da responsabilidade civil.
- A adequação à LGPD em associações exige cuidado redobrado com dados sensíveis e a correta atribuição das bases legais para tratamento.
Perguntas e Respostas
1. Uma associação de advogados pode pagar salários aos seus diretores?
Juridicamente, o Código Civil não proíbe expressamente, mas isso pode implicar na perda de imunidades e isenções tributárias (como IRPJ e CSLL), conforme as regras da Lei 9.532/97 e do Código Tributário Nacional. A remuneração deve ser compatível com o mercado e estritamente necessária, sob pena de descaracterizar a natureza beneficente ou sem fins lucrativos perante o Fisco.
2. O que é a eficácia horizontal dos direitos fundamentais aplicada às associações?
É a aplicação das garantias constitucionais (como contraditório, ampla defesa e não discriminação) nas relações entre particulares. Isso significa que uma associação não pode expulsar um membro ou restringir direitos de forma arbitrária, mesmo que o estatuto permita, pois a Constituição prevalece sobre as normas internas da entidade.
3. Para ajuizar uma ação coletiva ordinária, basta a previsão no estatuto?
Não. Conforme entendimento do STF (RE 573.232), para ações ordinárias, a associação precisa de autorização expressa dos associados. Essa autorização pode ser individual ou aprovada em assembleia especificamente convocada para esse fim. Apenas no Mandado de Segurança Coletivo essa autorização específica é dispensada (Súmula 629 do STF).
4. O advogado gestor de associação pode sofrer punição na OAB por má gestão?
Sim. A conduta inidônea ou a prática de atos que desabonem a conduta pública do advogado, inclusive na gestão de entidades de classe, podem configurar infração ético-disciplinar, sujeita a julgamento pelo Tribunal de Ética e Disciplina.
5. Qual a base legal da LGPD para uma associação tratar dados de seus membros?
Geralmente, a base primordial é a “execução de contrato” (o vínculo associativo) ou “cumprimento de obrigação legal”. O uso de “legítimo interesse” deve ser cauteloso. Para dados sensíveis (comuns em associações políticas ou de saúde), pode ser necessário o consentimento específico e destacado do titular.
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Acesse a lei relacionada em Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-10/paula-lima-hyppolito-oliveira-e-eleita-presidente-da-aasp/.