A Autonomia da Vontade e a Arbitragem no Direito do Trabalho: A Coexistência da Cláusula Compromissória e do Compromisso Arbitral
A evolução das relações de trabalho no Brasil trouxe consigo a necessidade de modernização dos métodos de resolução de conflitos. Durante décadas, a Justiça do Trabalho deteve o monopólio quase absoluto da solução de lides entre empregados e empregadores.
Esse cenário, contudo, sofreu alterações significativas com o advento da Lei 13.467/2017, conhecida como Reforma Trabalhista. A inserção do artigo 507-A na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) inaugurou uma nova era ao permitir a pactuação de cláusula compromissória de arbitragem.
Apesar dessa inovação legislativa, ainda pairam dúvidas técnicas sobre a aplicação prática do instituto. Uma das questões mais nevrálgicas diz respeito à distinção e à independência entre a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.
Profissionais do Direito devem compreender que a ausência de previsão contratual prévia não impede a utilização da via arbitral. Aprofundar-se nesses conceitos é essencial para oferecer segurança jurídica aos clientes corporativos e aos trabalhadores de alto nível.
O Instituto da Arbitragem e a Quebra de Paradigmas na CLT
Historicamente, o Direito do Trabalho brasileiro foi regido pelo princípio da proteção e pela indisponibilidade dos direitos trabalhistas. A hipossuficiência do trabalhador era vista como um óbice intransponível para a aplicação da arbitragem, sob o argumento de que o empregado não teria liberdade real para optar por essa via.
A legislação anterior à reforma via com extrema reserva a arbitragem individual. Contudo, a dinâmica do mercado de trabalho contemporâneo, especialmente no que tange aos executivos e trabalhadores com alta qualificação e remuneração, exigiu uma flexibilização.
O artigo 507-A da CLT estabeleceu requisitos objetivos para a validade da arbitragem. O empregado deve perceber remuneração superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Além do critério financeiro, exige-se a iniciativa do empregado ou sua concordância expressa. Essa mudança reconhece a figura do “hipersuficiente”, um trabalhador que, em tese, possui condições de negociar em pé de igualdade com o empregador.
Para o advogado que deseja atuar nesta área com excelência, o domínio da Lei 9.307/96 (Lei de Arbitragem) em conjunto com as normas trabalhistas é mandatório. Compreender as nuances procedimentais pode ser o diferencial em negociações complexas. O curso de Arbritagem da Legale Educacional oferece a base teórica necessária para navegar por este sistema de resolução de disputas com competência.
Diferenciando Cláusula Compromissória de Compromisso Arbitral
A confusão terminológica e conceitual entre cláusula compromissória e compromisso arbitral é comum, mas perigosa na prática forense. Ambos são espécies do gênero “convenção de arbitragem”, mas operam em momentos distintos da relação jurídica.
A cláusula compromissória é o pacto adjeto ao contrato de trabalho. Ela é firmada antes que qualquer litígio surja. É uma medida preventiva, onde as partes definem que, caso ocorra uma divergência futura decorrente daquele contrato, ela será resolvida via arbitragem.
Por outro lado, o compromisso arbitral é o acordo celebrado pelas partes após o surgimento do conflito. É um instrumento repressivo ou resolutivo. Neste caso, o litígio já existe e as partes, de comum acordo, decidem submetê-lo ao juízo arbitral, renunciando à jurisdição estatal para aquele caso específico.
Essa distinção é crucial. A lei civil, aplicável subsidiariamente ao Direito do Trabalho por força do artigo 8º da CLT, permite que as partes recorram ao compromisso arbitral mesmo que não haja cláusula compromissória anterior.
Portanto, a inexistência de uma cláusula no contrato de trabalho original não fecha as portas para a arbitragem. Se, no momento da rescisão ou durante o contrato, surgir uma lide e as partes (respeitando os requisitos do art. 507-A) decidirem pela arbitragem, poderão firmar um compromisso arbitral válido.
A Validade do Compromisso Arbitral Sem Previsão Contratual
A doutrina especializada e a jurisprudência mais técnica têm consolidado o entendimento de que a autonomia da vontade das partes, quando respeitados os limites legais, deve prevalecer.
Não há na legislação trabalhista ou na Lei de Arbitragem qualquer dispositivo que condicione a validade do compromisso arbitral à existência prévia de uma cláusula compromissória. Exigir tal vínculo seria criar um requisito não previsto em lei, ferindo o princípio da legalidade.
Se o trabalhador enquadrado como hipersuficiente e a empresa decidem, livremente e de boa-fé, submeter uma controvérsia já existente à arbitragem, o ato é perfeito e acabado. O compromisso arbitral, por si só, é instrumento hábil para instituir a jurisdição arbitral.
Isso é particularmente relevante em negociações de distrato ou acordos extrajudiciais complexos envolvendo altos executivos. Muitas vezes, o contrato de trabalho foi assinado anos antes da Reforma Trabalhista ou sem a previsão da arbitragem.
Diante de um conflito atual, as partes podem optar pela celeridade e confidencialidade da arbitragem assinando um compromisso arbitral. A validade desse ato jurídico depende apenas da capacidade das partes, da disponibilidade do direito (direitos patrimoniais disponíveis) e da forma escrita.
Requisitos Formais e Materiais para a Segurança Jurídica
Para que o compromisso arbitral ou a cláusula compromissória sobrevivam a um eventual escrutínio judicial de nulidade, o advogado deve ser rigoroso na observância dos requisitos formais.
No contexto trabalhista, a “iniciativa do empregado” ou sua “concordância expressa” são os pilares da validade. Cláusulas de adesão genéricas, escondidas em contratos padrão, tendem a ser anuladas pela Justiça do Trabalho, mesmo para hipersuficientes.
No caso específico do compromisso arbitral (pós-conflito), a prova do consentimento costuma ser mais robusta, pois o empregado está assinando um documento específico para resolver um problema atual e conhecido.
Diferente da cláusula genérica que visa um futuro incerto, o compromisso trata de direitos concretos. Isso reduz a margem para alegações de vício de consentimento ou coação, desde que o trabalhador esteja devidamente assistido e esclarecido.
É fundamental que o advogado corporativo ou o patrono do reclamante saiba redigir esses instrumentos com precisão técnica. A descrição do litígio, a escolha da câmara arbitral ou do árbitro, e a delimitação dos poderes são elementos essenciais do compromisso arbitral, conforme dita a Lei 9.307/96.
Para dominar a redação dessas cláusulas e entender profundamente a aplicação subsidiária das normas civis no processo laboral, a especialização é o caminho. Uma Pós-Graduação em Direito do Trabalho e Processo permite ao profissional ter uma visão sistêmica, integrando os novos institutos da reforma com a teoria geral do processo.
O Princípio da Competência-Competência
Outro ponto de alta relevância técnica é o princípio da Competência-Competência (Kompetenz-Kompetenz). Segundo este postulado, previsto no parágrafo único do artigo 8º da Lei de Arbitragem, cabe ao próprio árbitro decidir, com prioridade ao juiz togado, sobre a sua própria competência.
Isso inclui decidir sobre a existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem. Portanto, se as partes assinam um compromisso arbitral, a discussão inicial sobre a validade desse ato deve ocorrer perante o árbitro, e não diretamente no Judiciário.
A intervenção do Poder Judiciário, em regra, deve ocorrer a posteriori, através da ação anulatória da sentença arbitral (art. 33 da Lei de Arbitragem), caso haja vícios graves.
No Direito do Trabalho, contudo, há uma mitigação prática desse princípio quando se discute a própria arbitrabilidade do litígio (ex: violação de direitos indisponíveis ou fraude na classificação do hipersuficiente). Ainda assim, a existência de um compromisso arbitral formalmente válido cria uma barreira inicial à jurisdição estatal.
A Natureza dos Direitos Passíveis de Arbitragem
A arbitragem restringe-se a direitos patrimoniais disponíveis. No Direito do Trabalho, a definição do que é “disponível” gera debates acalorados.
Verbas rescisórias, horas extras trabalhadas e bônus de performance, em regra, possuem natureza patrimonial. Já normas de saúde e segurança do trabalho, por exemplo, são de ordem pública e indisponíveis, não podendo ser objeto de transação ou arbitragem.
Ao redigir um compromisso arbitral, o advogado deve ter cautela redobrada para não incluir matérias de ordem pública absoluta, sob pena de nulidade parcial ou total da sentença arbitral. A segregação clara dos temas é uma estratégia de mitigação de riscos.
A Atuação Estratégica na Advocacia Trabalhista
A possibilidade de utilizar o compromisso arbitral independentemente da cláusula contratual abre um leque estratégico para a advocacia. Permite resolver passivos de executivos de forma discreta e rápida, evitando a exposição pública de processos judiciais que podem afetar a reputação tanto da empresa quanto do profissional.
Além disso, a arbitragem permite a escolha de árbitros especialistas na matéria específica do negócio (ex: stock options, bônus complexos, propriedade intelectual desenvolvida pelo empregado), algo que a justiça estatal generalista nem sempre pode oferecer com a mesma profundidade.
O advogado deixa de ser apenas um litigante para se tornar um desenhista de soluções de conflitos. A habilidade de negociar os termos de um compromisso arbitral exige soft skills de negociação e hard skills de processo civil e trabalhista.
Entender que o contrato de trabalho não é uma amarra imutável e que a vontade das partes (qualificadas) pode moldar a forma de resolução de seus conflitos é o cerne da advocacia moderna.
A jurisprudência, ao reconhecer a autonomia do compromisso arbitral, reforça a segurança jurídica e incentiva o uso responsável dos métodos adequados de resolução de disputas.
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Insights sobre o Tema
A análise aprofundada da relação entre cláusula compromissória e compromisso arbitral revela que o formalismo excessivo não deve se sobrepor à vontade real das partes, especialmente quando há paridade de armas (hipersuficiência).
O Direito do Trabalho moderno caminha para uma segregação de tutelas: uma tutela protetiva rígida para o hipossuficiente e uma tutela baseada na autonomia privada para o hipersuficiente. O compromisso arbitral é a materialização máxima dessa autonomia, pois ocorre no momento exato da crise (o conflito), onde as partes têm plena ciência do que está em jogo.
Um ponto de atenção é que a validade desse instrumento depende inteiramente da lisura do procedimento. Qualquer indício de coação para assinar o compromisso, ou a escolha de câmaras arbitrais viciadas, contamina o ato. A ética na condução da arbitragem trabalhista é o seu principal escudo contra a anulação judicial.
Perguntas e Respostas
1. Um empregado que não ganha duas vezes o teto do RGPS pode assinar um compromisso arbitral válido?
Em regra, não. O artigo 507-A da CLT estabelece critérios cumulativos: remuneração superior a duas vezes o teto do RGPS e iniciativa ou concordância expressa. Para empregados que não cumprem o requisito financeiro, prevalece a regra da indisponibilidade e da proteção, sendo a arbitragem, na maioria dos entendimentos jurisprudenciais, inaplicável para dissídios individuais típicos.
2. A empresa pode obrigar o empregado a assinar um compromisso arbitral no momento da demissão?
Jamais. A arbitragem é voluntária. Se houver qualquer prova de coação ou vício de consentimento, o compromisso arbitral será nulo. Além disso, a lei exige iniciativa do empregado ou concordância expressa, o que pressupõe liberdade de escolha. A imposição unilateral fere a natureza contratual da arbitragem.
3. Se o contrato de trabalho tem uma cláusula de eleição de foro judicial, as partes podem optar pela arbitragem depois?
Sim. O compromisso arbitral é um ato posterior que derroga a jurisdição estatal para aquele conflito específico. Mesmo que o contrato original preveja o foro judicial, as partes, de comum acordo e atendendo aos requisitos legais, podem decidir, após o surgimento do litígio, submetê-lo à arbitragem através da assinatura de um compromisso arbitral.
4. Quais matérias não podem ser objeto de compromisso arbitral trabalhista?
Direitos indisponíveis não podem ser arbitrados. Isso inclui normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, anotação de CTPS (questão de ordem pública), e direitos fundamentais irrenunciáveis. A arbitragem deve focar em direitos patrimoniais disponíveis, como valores de verbas, multas, participações nos lucros e questões contratuais financeiras.
5. O árbitro pode decidir sobre o vínculo de emprego?
Este é um tema controverso. Parte da doutrina entende que o reconhecimento de vínculo é matéria de ordem pública e competência exclusiva da Justiça do Trabalho. Outra corrente defende que, se preenchidos os requisitos do art. 507-A (especialmente a remuneração alta comprovada por outros meios), a natureza da relação jurídica poderia ser arbitrada. Contudo, a posição mais conservadora e segura é limitar a arbitragem a questões decorrentes de uma relação de trabalho já reconhecida ou de natureza estritamente patrimonial.
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Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-17/compromisso-arbitral-trabalhista-nao-exige-clausula-em-contrato-decide-tst/.