Do Formalismo à Trincheira: O Consequencialismo Jurídico e a Realidade dos Contratos Administrativos
O Direito Administrativo brasileiro vive um momento de esquizofrenia teórica e prática. De um lado, temos a doutrina e a legislação moderna — capitaneadas pela LINDB e pela Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) — que clamam por pragmatismo, eficiência e olhar para as consequências. De outro, temos a realidade das controladorias e dos Tribunais de Contas, onde a tradição formalista ainda impera e o medo da responsabilização pessoal paralisa o gestor.
O debate sobre a aplicação do consequencialismo na nulidade dos contratos administrativos não pode ser reduzido a uma luta do “bem” (eficiência) contra o “mal” (legalidade estrita). Essa dicotomia é falsa. A aplicação do consequencialismo não é um cheque em branco para validar ilegalidades em nome de um suposto “interesse público”. Pelo contrário, trata-se de uma técnica de salvamento para situações limite, onde a aplicação cega da lei causaria mais danos à sociedade do que a manutenção provisória de um ato viciado.
A Falácia da “Prognose” e o Risco do Subjetivismo
A alteração da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), com a inclusão dos artigos 20 e 21, trouxe a obrigação de considerar as consequências práticas das decisões. A teoria é sedutora: o juiz ou gestor não pode decidir com base em valores abstratos sem projetar cenários. Contudo, aqui reside a primeira armadilha: como fazer essa projeção sem cair no “chutômetro”?
Dizer que o gestor deve “considerar impactos” é vago. Para que a decisão de não anular um contrato se sustente juridicamente, ela não pode ser um exercício de retórica. Ela exige metodologia. Estamos falando de Análise de Impacto Regulatório (AIR), métricas econômicas e dados de engenharia.
Se a motivação for frágil, o consequencialismo vira sinônimo de arbítrio. Para o advogado que atua na área, o alerta é claro: uma defesa baseada no consequencialismo que não apresenta dados irrefutáveis será estraçalhada pelo Ministério Público e pelos Tribunais de Contas como mera tentativa de encobrir má gestão.
O Artigo 147 da Lei 14.133/2021 e o “Apagão das Canetas”
A Nova Lei de Licitações institucionalizou o pragmatismo no seu artigo 147. O dispositivo permite que, constatada a irregularidade, a Administração opte pela não anulação do contrato caso isso implique prejuízos desproporcionais ao interesse público.
O texto legal cria um roteiro de avaliação que inclui:
- Impactos econômicos e financeiros do atraso;
- Riscos sociais e ambientais;
- Custo da deterioração de obras paralisadas;
- Custos de nova licitação.
No entanto, a prática revela o fenômeno da Administração Defensiva. O gestor público, temendo pelo seu CPF e sua reputação, muitas vezes prefere anular o contrato — causando prejuízo ao erário, mas seguindo a linha mais conservadora — do que enfrentar a complexidade de justificar a manutenção de um ato ilegal perante um auditor de contas punitivista.
A segurança jurídica prometida pela lei ainda colide com a cultura do controle externo. O advogado não deve esperar que o controlador tenha mudado sua mentalidade automaticamente; é dever da defesa construir uma tese técnica insuperável que demonstre que a anulação seria mais ilegal (por violar a continuidade e a economicidade) do que a manutenção.
Indenização e a Guerra da Má-Fé
Quando a nulidade é inevitável, entramos no campo minado da indenização. O artigo 149 da Nova Lei reforça que o dever de indenizar o contratado pelo que foi executado permanece, vedando o enriquecimento sem causa da Administração, salvo se houver má-fé comprovada.
Aqui reside um dos pontos de maior litigiosidade. É comum que a Administração Pública tente imputar má-fé ao contratado — muitas vezes confundindo-a com erro ou inabilidade — como estratégia para evitar o pagamento (o “calote oficial”).
É crucial entender que a nulidade do contrato não presume a má-fé do contratado. O ônus da prova da má-fé é da Administração. Para o profissional do direito, dominar essa distinção entre irregularidade formal, erro grosseiro e dolo é vital para garantir o recebimento dos valores devidos.
A Modulação de Efeitos: A Verdadeira Advocacia de Resultados
Diante desse cenário hostil, a aplicação mais inteligente do consequencialismo talvez não seja a luta binária entre “manter” ou “anular”, mas sim a negociação da modulação dos efeitos.
A autoridade competente pode decidir que a nulidade só tenha eficácia a partir de um momento futuro. Isso permite, por exemplo, que um contrato de fornecimento de merenda escolar continue vigente por mais seis meses — tempo suficiente para realizar uma nova licitação — evitando o colapso do serviço.
Dominar essa técnica de ponderação e saber apresentar essa solução aos órgãos de controle é o que diferencia o advogado teórico do estrategista jurídico. É necessário sair do checklist formal e adentrar na análise de riscos e resultados.
Conclusão: Arme-se de Conhecimento Técnico
O consequencialismo jurídico exige do operador do direito muito mais do que a leitura da lei seca. Exige capacidade de análise econômica, gestão de risco e uma argumentação robusta capaz de blindar a decisão contra o voluntarismo e o punitivismo.
O território é complexo e não admite amadorismo. Para navegar com segurança entre a necessidade de eficiência e o rigor dos órgãos de controle, a atualização constante é a única via. O curso de Pós-Graduação em Licitações e Contratos Administrativos 2025 oferece as ferramentas teóricas e práticas para enfrentar esses desafios reais da advocacia pública e privada.
Perguntas e Respostas Estratégicas
O consequencialismo permite manter qualquer contrato ilegal?
Não. O consequencialismo não revoga a legalidade. Ele é uma técnica de exceção. A manutenção do contrato só é possível se ficar comprovado, por dados objetivos, que a anulação causaria um dano ao interesse público superior à manutenção da ilegalidade sanável ou modulada.
Como o gestor pode se proteger ao decidir não anular um contrato?
A proteção reside na motivação qualificada. A decisão deve ser amparada por pareceres técnicos (jurídicos, de engenharia, econômicos) que demonstrem inequivocamente o cálculo de custo-benefício. “Achismos” não protegem o CPF do gestor.
A empresa contratada sempre recebe se o contrato for nulo?
A regra é o pagamento pelo que foi executado para evitar enriquecimento ilícito do Estado. A exceção é a má-fé ou se o contratado deu causa à nulidade. Contudo, a má-fé deve ser provada pela Administração, não presumida.
Qual a postura atual dos Tribunais de Contas sobre o tema?
Embora a legislação tenha mudado, a cultura dos Tribunais de Contas ainda tende ao formalismo. O controle externo fiscaliza não apenas a legalidade, mas a economicidade. Portanto, o argumento para manter um contrato viciado deve ser, acima de tudo, financeiramente e socialmente vantajoso para o Estado.
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Acesse a lei relacionada em Lei nº 14.133, de 1º de Abril de 2021
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-05/consequencialismo-e-as-nulidades-nos-contratos-administrativos/.