A Importância das Diligências Preliminares e o Juízo de Admissibilidade na Ação Penal
O processo penal brasileiro é regido por um sistema de garantias que visa equilibrar o poder punitivo do Estado e os direitos fundamentais do indivíduo. Dentro desse espectro, o momento da admissibilidade da ação penal é crucial. Muitas vezes negligenciada em análises superficiais, a fase que antecede o recebimento formal da denúncia ou da queixa-crime carrega um peso processual determinante. Quando tribunais superiores ou juízos de primeira instância determinam a realização de diligências preliminares antes de decidir pelo prosseguimento de uma ação, estamos diante da aplicação prática do filtro processual necessário para evitar lides temerárias.
A compreensão deste mecanismo exige um olhar técnico sobre a justa causa e as condições da ação. Não se trata apenas de burocracia, mas da verificação da existência de um lastro probatório mínimo que justifique a movimentação da máquina judiciária. O advogado que domina essa etapa consegue, muitas vezes, trancar uma ação penal no nascedouro ou, pelo lado da acusação, garantir que a peça inicial seja robusta o suficiente para resistir às primeiras objeções da defesa.
A Natureza Jurídica das Diligências Preliminares
As diligências preliminares não devem ser confundidas com o inquérito policial em si, embora muitas vezes ocorram em paralelo ou como complemento a ele. Elas representam atos de verificação ordenados pelo magistrado ou requeridos pelo Ministério Público para sanar dúvidas, preencher lacunas ou confirmar a materialidade de fatos narrados em uma notícia-crime ou em uma representação. No contexto dos tribunais superiores, onde a competência originária impõe um rito específico, essas diligências ganham contornos ainda mais complexos.
A determinação de tais medidas sinaliza que a peça acusatória, embora possa conter indícios, ainda não atingiu o patamar de “justa causa” plena exigida para a instauração do processo. O magistrado, ao invés de rejeitar de plano a inicial acusatória, opta pela cautela, buscando elementos que confirmem a viabilidade da pretensão punitiva. Isso demonstra um respeito ao princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, mas temperado pelo princípio da vedação ao excesso.
Juridicamente, essas diligências situam-se em uma zona cinzenta entre a investigação administrativa e o processo judicial. Elas são a materialização do controle jurisdicional sobre a persecução penal. Ao determinar que se ouçam testemunhas, que se requisitem documentos ou que se realizem perícias antes do recebimento da denúncia, o juízo está exercendo seu papel de garantidor, impedindo que o status dignitatis do acusado seja atingido por uma ação penal infundada.
O Lastro Probatório Mínimo e a Justa Causa
O conceito de justa causa é a pedra angular para entender as diligências preliminares. O Código de Processo Penal, em seu artigo 395, inciso III, estabelece que a denúncia ou queixa será rejeitada quando faltar justa causa para o exercício da ação penal. A doutrina clássica define justa causa como o suporte probatório mínimo que deve acompanhar a acusação, indicando a autoria e a materialidade delitiva.
Sem esse lastro, a ação penal transforma-se em um constrangimento ilegal. É nesse ponto que a determinação de diligências preliminares se torna vital. Se o juiz percebe que a narrativa é plausível, mas a prova documental ou testemunhal anexada é frágil, ele pode converter o julgamento da admissibilidade em diligência. Isso evita a rejeição prematura de uma acusação que pode ser verdadeira, mas também protege o réu de responder a um processo baseado apenas em conjecturas.
Para o profissional do Direito, entender essa nuance é essencial. Muitas defesas falham ao atacar o mérito da causa prematuramente, quando deveriam focar na ausência de justa causa e na desnecessidade ou inutilidade das diligências propostas. Aprofundar-se nos meandros do sistema acusatório e nas regras de admissibilidade é o que diferencia um advogado mediano de um especialista. Para quem busca essa excelência técnica, a Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal oferece o arcabouço teórico e prático necessário para manejar esses institutos com precisão.
O Papel do Judiciário e o Princípio da Inércia
Pode parecer contraditório que o Judiciário, regido pelo princípio da inércia, determine diligências de ofício ou a requerimento em uma fase pré-processual. No entanto, essa atuação não fere o sistema acusatório quando o objetivo é verificar a admissibilidade da acusação. O juiz não está produzindo prova para condenar, mas sim verificando se existem condições mínimas para que o processo exista.
Essa distinção é sutil e frequentemente debatida nos tribunais superiores. A linha que separa a gestão da prova (vedada ao juiz na fase investigativa pelo pacote anticrime) da verificação de condições da ação é tênue. Quando um tribunal determina diligências antes de aceitar uma queixa-crime, por exemplo, ele está atuando no exercício de seu poder de cautela.
A inércia jurisdicional é quebrada pela provocação inicial (a peça acusatória), e a resposta do juiz pode ser o recebimento, a rejeição ou a conversão em diligência. Essa terceira via é fundamental em casos complexos, crimes financeiros ou delitos que deixam poucos vestígios, onde a prova inicial raramente é exaustiva.
Diligências em Ações Penais Originárias
Em casos de competência originária de tribunais, a dinâmica processual possui particularidades. A Lei 8.038/90, que regula esses procedimentos, prevê etapas específicas que permitem ao relator ordenar diligências para o esclarecimento dos fatos antes de levar o recebimento da denúncia ao colegiado. Isso ocorre porque o recebimento da denúncia por um tribunal superior tem um peso institucional e político significativo, exigindo um grau de certeza maior do que aquele usualmente requerido na primeira instância.
O advogado que atua nessas esferas precisa ter domínio não apenas do Código de Processo Penal, mas dos regimentos internos dos tribunais e da legislação especial. A capacidade de prever quais diligências podem ser solicitadas e como se posicionar diante delas – seja para impugnar sua legalidade ou para acompanhar sua produção – é uma habilidade de alto nível.
Estratégia Defensiva diante das Diligências Preliminares
Para a defesa, o momento das diligências preliminares é uma oportunidade estratégica de ouro. Ao invés de aguardar passivamente a formação da culpa, o advogado pode atuar de forma proativa. Se o tribunal ou o juiz determinou diligências, é sinal de que a acusação não está pronta. Isso abre flanco para que a defesa demonstre, logo após a conclusão dessas medidas, que a justa causa continua inexistente.
Acompanhar a produção dessas provas preliminares é mandatório. O contraditório, embora mitigado na fase inquisitorial, ganha força quando as diligências são ordenadas judicialmente na fase de admissibilidade. A defesa deve vigiar a cadeia de custódia das provas produzidas, a legalidade dos depoimentos colhidos e a pertinência dos documentos juntados.
Muitas vezes, o resultado da diligência preliminar é justamente a prova da atipicidade da conduta ou da existência de uma excludente de ilicitude manifesta. O advogado criminalista deve estar preparado para peticionar imediatamente após o cumprimento das diligências, argumentando pela rejeição da peça acusatória com base nos novos elementos – ou na falta deles.
A Visão do Ministério Público e do Querelante
Sob a ótica da acusação, a determinação de diligências preliminares deve ser vista como uma “segunda chance” para robustecer a tese acusatória. É o momento de suprir omissões que poderiam levar à inépcia da denúncia. O promotor ou o advogado do querelante deve ser cirúrgico ao requerer ou cumprir essas diligências.
Evitar pedidos protelatórios ou que nada acrescentem à materialidade é fundamental para manter a credibilidade da acusação. O foco deve ser estritamente o preenchimento da lacuna apontada pelo magistrado. Se a dúvida é sobre a autoria, a diligência deve focar nisso. Se é sobre a materialidade, perícias e documentos são o caminho.
A qualidade da redação jurídica e a capacidade de argumentação lógica são testadas ao extremo nessa fase. Não basta ter o direito; é preciso demonstrar que os fatos se amoldam perfeitamente à norma penal incriminadora. Para aprimorar essa competência específica, o curso de Redação Jurídica pode ser um diferencial competitivo, ensinando como estruturar o raciocínio de forma a convencer o julgador da presença (ou ausência) da justa causa.
O Controle de Legalidade e Nulidades
Um aspecto frequentemente ignorado é que as diligências preliminares também estão sujeitas ao regime de nulidades. Provas obtidas por meios ilícitos nessa fase contaminam a ação penal futura, conforme a teoria dos frutos da árvore envenenada. Se uma busca e apreensão for determinada como diligência preliminar sem a devida fundamentação ou desrespeitando normas constitucionais, toda a ação penal subsequente pode ser comprometida.
O controle de legalidade deve ser rigoroso. A urgência ou a necessidade de esclarecer fatos não autoriza o atropelo de garantias fundamentais. O advogado deve estar atento se a diligência ordenada não viola o princípio da não autoincriminação ou se não se trata de uma “fishing expedition” (pescaria probatória), onde se busca qualquer prova sem um alvo definido, o que é vedado pelo ordenamento jurídico.
A Decisão de Recebimento ou Rejeição Pós-Diligências
Após o cumprimento das diligências, os autos retornam para a decisão de admissibilidade. Este é um novo momento de cognição judicial. O juiz analisará se as dúvidas foram sanadas e se a justa causa se fez presente. A decisão que recebe a denúncia após as diligências deve ser fundamentada, enfrentando os elementos trazidos.
Por outro lado, se as diligências restarem infrutíferas, a rejeição da denúncia ou queixa impõe-se como medida de justiça. O Estado não pode manter um cidadão sob a espada de Dâmocles de um processo penal sem viabilidade. A decisão de rejeição, neste caso, faz coisa julgada formal, impedindo a renovação da ação salvo se surgirem provas substancialmente novas, conforme dispõe o artigo 18 do CPP, aplicado analogicamente.
Conclusão
O estudo aprofundado das diligências preliminares revela a sofisticação do processo penal. Elas são o filtro que separa a persecução legítima do arbítrio. Para os profissionais do Direito, compreender a dinâmica dessas medidas, saber requerê-las, acompanhá-las e impugná-las é essencial para uma atuação técnica e eficaz. Seja na defesa, buscando demonstrar a fragilidade da acusação, seja na acusação, buscando consolidar a justa causa, o domínio desse tema é um divisor de águas na prática forense criminal.
Quer dominar a advocacia criminal e se destacar no mercado? Conheça nosso curso Advogado Criminalista e transforme sua carreira com conhecimento prático e aprofundado.
Insights sobre o Tema
A fase pré-processual define o jogo. Muitas vezes, advogados focam excessivamente na audiência de instrução e julgamento e negligenciam a batalha da admissibilidade da acusação.
A justa causa é um conceito dinâmico. Ela não é estática; pode existir num momento e desaparecer após uma diligência que comprove um álibi, por exemplo.
O silêncio estratégico. Durante as diligências preliminares, nem sempre falar muito é o melhor para a defesa. Acompanhar a produção da prova sem antecipar teses pode ser mais eficaz.
Diligência não é devassa. O escopo das diligências preliminares deve ser limitado ao estritamente necessário para a análise da admissibilidade da ação, não servindo para investigações genéricas.
Competência originária exige técnica refinada. Atuar perante tribunais superiores em ações penais originárias requer um conhecimento processual muito acima da média, dado o rigor técnico dessas cortes.
Perguntas e Respostas
O que diferencia as diligências preliminares do inquérito policial?
O inquérito policial é um procedimento administrativo inquisitorial presidido pela autoridade policial para apurar autoria e materialidade. As diligências preliminares judiciais são atos determinados pelo juiz ou relator, já na fase de análise da peça acusatória, para verificar a presença de condições da ação e justa causa antes do recebimento formal da denúncia ou queixa.
A defesa pode participar das diligências preliminares?
Sim. Embora a fase investigativa tenha contraditório mitigado, quando as diligências são ordenadas em juízo ou tribunal, a defesa tem o direito de acompanhar a produção da prova e garantir a legalidade do ato, sob pena de nulidade, conforme a Súmula Vinculante 14 do STF.
Se as diligências não confirmarem a autoria, o que acontece?
Se as diligências preliminares não forem suficientes para estabelecer indícios mínimos de autoria e materialidade (justa causa), o juiz ou tribunal deve rejeitar a denúncia ou queixa-crime, extinguindo o processo sem julgamento do mérito naquele momento.
O juiz pode ordenar diligências de ofício?
Existe debate doutrinário sobre isso em virtude do sistema acusatório. No entanto, prevalece o entendimento de que, na fase de admissibilidade, o juiz pode determinar diligências para esclarecer pontos duvidosos sobre as condições da ação, sem que isso signifique substituir o órgão acusador na produção de provas incriminatórias.
Qual o recurso cabível contra a decisão que ordena diligências preliminares?
Em regra, trata-se de despacho de mero expediente ou decisão interlocutória simples irrecorrível de imediato, salvo se causar gravame irreparável ou violar direito líquido e certo, hipótese em que pode caber Mandado de Segurança ou Habeas Corpus para trancar a ação ou impedir a diligência ilegal.
Aprofunde seu conhecimento sobre o assunto na Wikipedia.
Acesse a lei relacionada em Código de Processo Penal
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-15/stf-determina-diligencias-preliminares-em-acao-sobre-banco-master/.