O cotidiano forense nos mostra que a intersecção entre o saber jurídico e o conhecimento técnico especializado, como a medicina, gera zonas de tensão que vão muito além da teoria. Embora a garantia do devido processo legal e a amplitude do direito de defesa sejam pilares do Estado Democrático de Direito, a realidade da “trincheira” processual é mais áspera.
Um dos pontos mais nevrálgicos reside na participação do advogado durante a realização de provas periciais. A presença do causídico nesse momento não é apenas uma formalidade, mas uma garantia de paridade de armas. Contudo, para exercer essa prerrogativa, o advogado precisa despir-se do idealismo ingênuo e armar-se de estratégia jurídica sólida para enfrentar barreiras corporativas e jurisprudenciais.
O Conflito Normativo: Estatuto da OAB versus Resoluções do CFM
Para atuar com excelência, o advogado deve encarar o “elefante na sala”: o conflito aparente entre normas. De um lado, o Art. 7º da Lei Federal 8.906/94 (Estatuto da OAB) garante o acesso do advogado a recintos onde ocorram atos de prova. Do outro, o Conselho Federal de Medicina (CFM), através de normas como a Resolução nº 2.324/2022 (sucessora da polêmica 1.219/80), instrui médicos a vedarem a presença de não-médicos durante o exame físico, alegando sigilo e autonomia profissional.
O perito médico, muitas vezes, barra a entrada do advogado amparado por seu conselho de classe. Chegar à perícia apenas com o Estatuto da OAB debaixo do braço pode não ser suficiente. O advogado de alta performance antecipa esse conflito. Entender a hierarquia das normas e saber como manejar o pedido de acompanhamento prévio perante o juízo é vital.
Para profissionais que buscam superar essa barreira com técnica, o aprofundamento através de uma Pós-Graduação em Direito Médico e da Saúde é um diferencial estratégico, permitindo uma atuação que transcende o conhecimento processual básico e prepara para o embate normativo.
Limites da Atuação: Fiscalização Processual vs. Auditoria Técnica
É crucial ajustar a expectativa sobre o papel do advogado na sala de perícia. Vender a ideia de que o advogado irá “fiscalizar a técnica médica” é perigoso, a menos que o causídico também seja médico. O advogado dificilmente terá competência para validar se uma manobra de Lasègue foi executada com a angulação correta ou se a ausculta foi precisa.
A função do advogado na perícia é de fiscalização da legalidade e da urbanidade, atuando como garantidor do rito processual. Sua presença serve para:
- Assegurar que o perito trate o periciado com respeito e dignidade;
- Garantir que a anamnese (entrevista) seja completa e que o periciado tenha chance de relatar suas queixas;
- Verificar se os documentos médicos levados pelo periciado foram recebidos e analisados;
- Inibir condutas abusivas ou exames realizados em tempo exíguo, incompatível com a complexidade do caso.
O Mito da Nulidade Automática e a Prova do Prejuízo
Um erro comum é acreditar que o simples impedimento da entrada do advogado gera a nulidade automática da perícia. A jurisprudência brasileira, guiada pelo princípio do pas de nullité sans grief (não há nulidade sem prejuízo), tende a validar os atos se não ficar demonstrado um dano concreto à defesa.
Se o juiz entender que o laudo está completo e fundamentado, o argumento de cerceamento de defesa cairá no vazio. Portanto, a advocacia moderna exige a construção da prova do prejuízo. Se barrado, o advogado não deve apenas protestar, mas produzir evidências: registrar o fato em ata, gravar a negativa (se legalmente viável), e demonstrar na impugnação quais pontos cruciais da história clínica foram ignorados pelo perito justamente pela falta de fiscalização.
Cursos focados na prática, como o que aborda os Requisitos da Petição Inicial e Perícia nos Benefícios por Incapacidade, oferecem a visão judicial necessária para que o advogado saiba exatamente como fundamentar a existência desse prejuízo processual.
A Distinção Necessária: Ato Médico Assistencial e Ato Pericial
Para desarmar o argumento do sigilo médico utilizado para barrar advogados, é preciso domínio dogmático. O sigilo médico visa proteger a intimidade do paciente na relação terapêutica. Na perícia, o médico atua como longa manus da justiça ou da administração, exercendo uma função pública (ou de natureza pública).
O advogado é o representante legal da parte e também está sujeito ao sigilo. Logo, sua presença não viola a confidencialidade. No entanto, o bom senso deve imperar no tocante à intimidade física. Durante o exame físico, especialmente se houver necessidade de despir-se, a presença do advogado pode ser restringida para preservar o pudor do próprio cliente, salvo se o advogado for do mesmo gênero e houver consentimento expresso, ou se limitar a ficar atrás de um biombo, ouvindo a interação. O foco é a proteção da dignidade da pessoa humana, não a curiosidade clínica.
O Papel do Assistente Técnico e do Advogado
A melhor defesa é multidisciplinar. O Código de Processo Civil prevê o assistente técnico (médico de confiança), que debate a ciência com o perito. O advogado garante o direito. Embora o advogado preparado em Direito Médico tenha uma visão aguçada, ele não substitui o assistente técnico nas questões biológicas.
Porém, quando a parte não pode custear um assistente técnico — realidade da maioria das ações previdenciárias — o advogado torna-se a única barreira contra o arbítrio. Negar sua presença é deixar o hipossuficiente vulnerável diante da máquina estatal.
Conclusão
A batalha pela presença nas perícias não é apenas sobre prerrogativas da classe, mas sobre a transparência da justiça. O advogado de excelência não conta apenas com a letra da lei, mas com a estratégia processual para fazer essa lei valer.
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Perguntas e Respostas Práticas
1. O advogado pode intervir tecnicamente durante o exame médico pericial?
Não. O advogado não possui habilitação para discutir diagnósticos ou conduzir o exame físico. Sua intervenção deve se limitar a questões de ordem, respeito ao periciado e garantia de que o histórico (anamnese) seja ouvido integralmente.
2. Como superar a barreira do perito que invoca resolução do CFM?
A via mais segura é a preventiva. Ao solicitar a perícia, o advogado deve peticionar ao juiz requerendo expressamente a autorização para acompanhar o ato, fundamentando no Art. 7º da Lei 8.906/94. Com o despacho judicial em mãos, o perito é obrigado a permitir a entrada, sob pena de desobediência.
3. O que fazer se for impedido de entrar na sala?
Mantenha a urbanidade. Solicite que a negativa seja registrada no laudo ou em ata própria da secretaria do local de perícia. Se possível, tenha testemunhas. O objetivo é criar a prova do cerceamento para utilizar em preliminar de apelação ou pedido de anulação, demonstrando o prejuízo concreto que a ausência causou (ex: o perito não anotou uma cirurgia prévia que o advogado teria lembrado).
4. A vedação de advogados anula a perícia automaticamente?
Raramente. Os tribunais aplicam o princípio de que não há nulidade sem prejuízo. O advogado terá o ônus de provar que a sua ausência resultou em um laudo viciado, incompleto ou falso. Apenas alegar violação de prerrogativa costuma ser insuficiente para anular o ato técnico.
5. Em que momento o advogado deve se retirar da sala?
Por questões éticas e de respeito à intimidade do cliente, recomenda-se que o advogado se retire ou se afaste durante o exame físico que exija exposição do corpo do periciado, retornando imediatamente após a recomposição das vestes para acompanhar as conclusões finais ou a dispensa.
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Acesse a lei relacionada em Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-09/oab-questiona-no-supremo-proibicao-de-advogados-em-pericias-medicas/.