O Regime Jurídico dos Adicionais de Remuneração no Serviço Público: Uma Análise Constitucional e Administrativa
A complexidade do sistema remuneratório no âmbito da Administração Pública brasileira é um tema que exige do operador do Direito uma compreensão transversal, abarcando tanto o Direito Administrativo quanto o Constitucional e, por vezes, princípios do Direito do Trabalho aplicados subsidiariamente. A remuneração dos agentes públicos não se constitui apenas de uma contraprestação singela, mas de um arcabouço normativo que envolve vencimentos, subsídios e, crucialmente, as vantagens pecuniárias.
Entre as vantagens pecuniárias, destacam-se os adicionais, verbas que possuem natureza jurídica distinta e que frequentemente se tornam objeto de litigância entre o Poder Público e os servidores. A compreensão da natureza jurídica dessas parcelas, especificamente os adicionais de periculosidade e insalubridade, é fundamental para a defesa da segurança jurídica e do princípio da irredutibilidade de vencimentos.
Não raro, observamos embates judiciais acerca da continuidade ou suspensão desses pagamentos. Para o advogado que atua nesta seara, é imperativo dominar não apenas a legislação infraconstitucional local, mas a interpretação que as Cortes Superiores conferem aos direitos sociais estendidos aos servidores públicos por força do artigo 39, § 3º, da Constituição Federal.
A Natureza Jurídica das Vantagens Pecuniárias
Para aprofundarmos na matéria, devemos primeiramente distinguir as espécies de vantagens pecuniárias. A doutrina clássica do Direito Administrativo divide as vantagens em indenizações, gratificações e adicionais. Enquanto as indenizações visam ressarcir o servidor por despesas realizadas em função do cargo, e as gratificações remuneram serviços extraordinários ou condições pessoais, os adicionais possuem uma característica *pro labore faciendo* ou *propter laborem*.
Isso significa que o adicional é devido em razão do exercício da função em condições específicas e anormais. No caso dos adicionais de periculosidade e insalubridade, a causa justificadora do pagamento é a exposição do agente público a riscos ou a agentes nocivos à saúde. Essa natureza condicional é o ponto nevrálgico de muitas disputas judiciais.
Se a condição de risco ou insalubridade cessa, cessa também o direito ao recebimento. Contudo, a controvérsia surge quando a condição de risco permanece, mas a Administração, por atos normativos infralegais ou decisões administrativas unilaterais, decide interromper o pagamento baseando-se em interpretações restritivas de legalidade ou questões orçamentárias.
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O Princípio da Legalidade e a Reserva de Lei
Um dos argumentos mais frequentes utilizados pela Fazenda Pública para suspender pagamentos de adicionais reside no Princípio da Legalidade Estrita. Segundo essa tese, a Administração só pode fazer o que a lei autoriza. Portanto, a concessão de qualquer vantagem pecuniária deve estar estritamente prevista em lei específica do ente federativo (União, Estado ou Município).
Ocorre que o direito ao adicional de remuneração para atividades penosas, insalubres ou perigosas está previsto no artigo 7º, inciso XXIII, da Constituição Federal, sendo estendido aos servidores públicos pelo artigo 39, § 3º. A discussão jurídica se desloca, então, para a eficácia dessa norma constitucional.
Embora a norma constitucional garanta o direito, a sua regulamentação depende, via de regra, de legislação local que defina os percentuais e as bases de cálculo. A ausência de regulamentação específica ou a revogação de normas locais gera um vácuo jurídico que muitas vezes prejudica o servidor. O advogado deve argumentar com base na eficácia dos direitos fundamentais sociais e na proibição do retrocesso social.
Quando há lei regulamentadora, a Administração não pode, por mero ato administrativo ou decreto, suspender a eficácia da lei sob alegação de conveniência e oportunidade. A suspensão de um direito remuneratório previsto em lei exige processo legislativo equivalente ou declaração de inconstitucionalidade pela via adequada, não podendo ocorrer por decisão monocrática de gestores ou órgãos de controle sem o devido processo legal.
A Irredutibilidade de Vencimentos e o Direito Adquirido
O princípio da irredutibilidade de vencimentos, consagrado no artigo 37, XV, da Constituição, é a principal barreira contra a supressão arbitrária de parcelas remuneratórias. Entretanto, a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores entende que não há direito adquirido a regime jurídico. Isso significa que a forma de cálculo da remuneração pode ser alterada, desde que o montante global não sofra redução nominal.
Contudo, essa regra geral possui nuances importantes quando tratamos de adicionais de periculosidade. Como se trata de uma verba vinculada a uma condição de trabalho (o risco), enquanto o servidor estiver exposto a esse risco, a verba integra a sua remuneração para fins de proteção da irredutibilidade. Retirar o adicional mantendo o servidor na mesma condição laboral perigosa equivale a uma redução inconstitucional de vencimentos.
É fundamental diferenciar a alteração de regime jurídico (mudança na base de cálculo ou na composição da remuneração) da simples supressão de uma verba devida. Se a Administração suprime o pagamento de um adicional legalmente previsto, sem que tenha havido alteração na legislação de regência ou nas condições fáticas de trabalho, estamos diante de uma ilegalidade passível de correção via Mandado de Segurança ou ação ordinária.
Para compreender as nuances processuais dessas ações contra a Fazenda Pública, o estudo aprofundado em Pós-Graduação Prática em Direito Administrativo é essencial para traçar estratégias processuais vitoriosas, identificando os remédios constitucionais adequados para cada ato coator.
O Devido Processo Legal Administrativo
Outro aspecto crucial nas lides que envolvem a suspensão de pagamentos a servidores é a observância do devido processo legal administrativo. A Administração Pública tem o poder-dever de autotutela, podendo anular seus próprios atos quando eivados de vícios (Súmula 473 do STF). Todavia, quando essa anulação repercute na esfera jurídica individual dos servidores, especialmente atingindo verbas de natureza alimentar, a autotutela não é absoluta.
A jurisprudência é pacífica no sentido de que a suspensão ou cancelamento de benefícios, gratificações ou adicionais que já vinham sendo pagos ao servidor exige a instauração prévia de processo administrativo, assegurando-se o contraditório e a ampla defesa. A interrupção abrupta do pagamento, baseada apenas em pareceres internos ou decisões de órgãos de controle externo (como Tribunais de Contas), sem que o servidor tenha tido a oportunidade de se manifestar, viola garantias constitucionais básicas.
O advogado deve estar atento para requerer, liminarmente, o restabelecimento do pagamento não apenas com base no mérito do direito ao adicional, mas com base na nulidade do procedimento administrativo que o suprimiu. A verba alimentar não pode ser objeto de cortes unilaterais e surpresas.
A Tensão entre Orçamento e Direitos Subjetivos
Um argumento recorrente do Poder Público para a suspensão de direitos remuneratórios é a limitação orçamentária e as restrições impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Alega-se, frequentemente, que o pagamento de determinados adicionais elevaria os gastos com pessoal acima dos limites prudenciais.
No entanto, o Direito consolidou o entendimento de que direitos subjetivos dos servidores, legalmente constituídos, não podem ser derrogados sob a justificativa genérica de falta de dotação orçamentária. A LRF estabelece mecanismos para ajuste fiscal (como a redução de cargos em comissão ou a exoneração de servidores não estáveis), mas não autoriza o inadimplemento de obrigações legais preexistentes referentes a verbas de natureza alimentar devidas a servidores efetivos que continuam exercendo suas funções.
A exceção do orçamento não serve como salvo-conduto para o enriquecimento sem causa da Administração, que se beneficia do trabalho em condições perigosas ou insalubres sem efetuar a contraprestação pecuniária devida.
Reflexos Previdenciários e a Contributividade
A discussão sobre os adicionais não se encerra no pagamento mensal. Há uma dimensão previdenciária relevante. Em muitos regimes próprios de previdência social (RPPS), discute-se se os adicionais de periculosidade e insalubridade devem compor a base de cálculo da contribuição previdenciária e se eles se incorporam aos proventos de aposentadoria.
A regra geral, após as últimas reformas previdenciárias, tende a excluir as parcelas temporárias ou indenizatórias da base de cálculo e dos proventos, salvo se houver previsão legal específica de incorporação ou média aritmética que as considere. Contudo, em regimes estatutários anteriores ou em legislações municipais específicas, ainda existem previsões de incorporação proporcional ao tempo de percepção.
A suspensão indevida do pagamento desses adicionais durante a atividade pode, portanto, gerar um prejuízo de longo prazo, afetando a média remuneratória do servidor e reduzindo seus proventos futuros. A ação judicial deve contemplar, nestes casos, não apenas o restabelecimento imediato, mas o recolhimento das contribuições previdenciárias sobre as parcelas pretéritas.
A Competência do Poder Judiciário
Por fim, é necessário abordar o papel do Poder Judiciário no controle desses atos. Embora o Judiciário não possa atuar como legislador positivo, criando gratificações ou majorando vencimentos (Súmula Vinculante 37), ele tem o dever de garantir a aplicação da lei existente.
Quando o Judiciário determina o restabelecimento de um adicional suprimido ilegalmente, ele não está aumentando vencimentos sem lei, mas sim garantindo a eficácia da lei que instituiu a vantagem e que foi indevidamente afastada pelo administrador. A distinção é sutil, mas fundamental para superar as barreiras processuais e as vedações à concessão de tutelas de urgência contra a Fazenda Pública.
O controle de legalidade dos atos administrativos que suspendem pagamentos deve ser rigoroso. O ato administrativo goza de presunção de legitimidade, mas essa presunção é relativa (juris tantum) e cede diante da prova de que o servidor preenche os requisitos legais para a percepção da vantagem e de que a supressão ocorreu sem o devido processo legal ou com base em interpretação equivocada da norma.
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Insights sobre o Tema
A análise aprofundada da questão dos adicionais no serviço público revela que a segurança jurídica é o valor central em disputa. Para o profissional do Direito, o ponto chave não é apenas a existência da lei que cria o benefício, mas a estabilidade das relações jurídicas continuadas. A “desadministrativização” do Direito, ou seja, a retirada de arbitrariedade das decisões de gestão de pessoas no setor público, é uma tendência. Percebe-se que a defesa técnica deve focar na imutabilidade das condições fáticas: se o risco (fato gerador) persiste, a supressão do adicional (consequência jurídica) é ontologicamente insustentável sem alteração legislativa formal. Além disso, a estratégia processual deve sempre visar a blindagem contra o efeito suspensivo automático de recursos da Fazenda, demonstrando a natureza alimentar da verba.
Perguntas e Respostas
1. A Administração Pública pode suspender o pagamento de adicional de periculosidade baseada apenas em laudo técnico unilateral novo?
Em tese, a Administração pode rever seus atos e realizar novos laudos. Contudo, se a suspensão afeta a esfera remuneratória do servidor, é indispensável a instauração de processo administrativo prévio, garantindo ao servidor o direito de contestar o laudo, apresentar assistente técnico e exercer o contraditório antes da efetiva cessação do pagamento.
2. O princípio da irredutibilidade de vencimentos impede qualquer redução no valor total recebido pelo servidor?
O princípio protege o valor nominal da remuneração. No entanto, ele não garante a perpetuidade de regime jurídico de cálculo ou de vantagens *propter laborem* (como a periculosidade) se a condição de trabalho mudar. Se o servidor deixa de trabalhar em área de risco, a retirada do adicional é lícita e não viola a irredutibilidade. A ilegalidade ocorre quando o adicional é retirado mantendo-se as condições de trabalho.
3. É possível a incorporação do adicional de periculosidade aos proventos de aposentadoria?
Isso depende da legislação específica de cada ente federativo (União, Estado ou Município) e da data de ingresso do servidor. Após a Emenda Constitucional 103/2019, a regra geral para a União é a vedação de incorporação de parcelas temporárias. Nos Estados e Municípios, deve-se observar a legislação local e se houve reforma previdenciária no ente, respeitando-se o direito adquirido.
4. Qual a medida judicial cabível contra a suspensão abrupta de adicionais?
Se a prova do direito for pré-constituída (lei vigente e laudo comprobatório do risco) e não houver necessidade de dilação probatória complexa, o Mandado de Segurança é a via adequada para atacar o ato coator, visando o restabelecimento imediato. Caso seja necessária a produção de prova pericial para comprovar que o ambiente continua perigoso, a Ação Ordinária com pedido de tutela de urgência é o caminho correto.
5. A Lei de Responsabilidade Fiscal pode ser usada como fundamento para não pagar adicionais previstos em lei?
Não. A jurisprudência do STJ e do STF é firme no sentido de que os limites orçamentários da LRF não podem servir de escusa para o descumprimento de direitos subjetivos dos servidores assegurados por lei. A adequação fiscal deve ser feita por meio de cortes em despesas discricionárias ou redução de cargos comissionados, e não pelo inadimplemento de verbas alimentares legais.
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Acesse a lei relacionada em Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal)
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-29/stf-derruba-decisao-que-interrompeu-pagamento-de-adicional-a-guardas-civis-de-sao-paulo/.