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Reforma Tributária: A Nova Competência Municipal e o IBS

Artigo de Direito
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A Reconfiguração da Competência Tributária Municipal na Nova Ordem Constitucional

A promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023 inaugurou um novo paradigma no Sistema Tributário Nacional, alterando profundamente as bases do federalismo fiscal brasileiro. Para os profissionais do Direito, compreender essas mudanças exige ir além da leitura superficial do texto constitucional. É necessário mergulhar nas implicações dogmáticas e práticas que a unificação de tributos impõe aos entes federados, especialmente aos municípios.

Historicamente, a competência tributária municipal foi marcada pela rigidez da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003. O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) operava sob uma lógica de taxatividade que gerou décadas de contencioso jurídico sobre o que constituiria “serviço” versus “mercadoria”. O novo cenário, contudo, propõe a fusão de competências e a criação de um modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) Dual.

Essa transição não é meramente administrativa; ela redefine o conceito de autonomia financeira dos entes locais. O jurista atento deve observar como a substituição do ISSQN pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) desloca o eixo de tributação da origem para o destino. Essa mudança principiológica altera a balança de poder e receita entre grandes metrópoles produtoras de serviços e municípios menores, exigindo uma nova engenharia jurídica no planejamento orçamentário e fiscal.

O Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Gestão Compartilhada

O ponto central da reforma para a advocacia municipalista e tributária reside na estrutura do IBS. Diferente do ISSQN, cuja gestão era exclusiva de cada prefeitura, o IBS nasce como um tributo de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios. A autonomia para legislar sobre alíquotas permanece, mas a administração do tributo sofre uma centralização operacional inédita.

A criação do Comitê Gestor do IBS representa uma inovação institucional sem precedentes no direito público brasileiro. Este órgão, dotado de independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira, assumirá funções cruciais. Caberá a ele uniformizar a interpretação da legislação, arrecadar o imposto e distribuir o produto da arrecadação entre os entes federados.

Para o advogado tributarista, isso significa uma mudança drástica no polo passivo das obrigações acessórias e no contencioso administrativo. Não mais se lidará com milhares de legislações municipais díspares sobre obrigações acessórias, mas sim com um regulamento único nacional. Entender essa dinâmica é vital para a conformidade fiscal das empresas e para a defesa dos contribuintes. Para aprofundar-se nessas novas regras e estruturas, é indispensável o estudo técnico, como o oferecido na Pós-Graduação em O Novo Direito Tributário com a Reforma Tributária.

A gestão compartilhada também levanta questões complexas sobre o contencioso judicial. A representação judicial do Comitê Gestor e a legitimidade dos municípios para atuar em processos que envolvam o IBS são temas que exigirão, nos próximos anos, intensa construção doutrinária e jurisprudencial. A advocacia pública municipal, por sua vez, terá que se reinventar, focando menos na fiscalização direta e mais na auditoria da distribuição de receitas e na participação política dentro do Comitê.

O Princípio do Destino e a Justificativa Econômica

A alteração do local de recolhimento do tributo da origem para o destino é uma das transformações mais significativas trazidas pela reforma. No modelo anterior, o ISSQN era, em regra, devido no local do estabelecimento prestador, salvo exceções previstas na lei complementar. Isso favorecia municípios que sediavam grandes prestadores de serviços, criando, por vezes, “paraísos fiscais” internos e a famigerada guerra fiscal.

Com a implementação do princípio do destino, a arrecadação passa a pertencer ao município onde ocorre o consumo do bem ou serviço. Juridicamente, isso fortalece o pacto federativo ao distribuir a riqueza tributária de forma mais isonômica, correlacionando a receita à população consumidora. No entanto, a operacionalização desse princípio depende de um sistema tecnológico robusto e de definições legais precisas sobre o “local de consumo” para serviços intangíveis e digitais.

Essa mudança impacta diretamente a redação de contratos e o planejamento tributário das empresas. A identificação correta do domicílio do tomador do serviço torna-se o elemento crítico para a definição da sujeição ativa. O advogado deve estar preparado para assessorar clientes na adaptação de seus sistemas de faturamento e na correta interpretação das regras de transição que vigorarão por décadas.

A Transição Federativa e a Segurança Jurídica

Um dos aspectos mais delicados para o Direito Tributário e Financeiro é o período de transição. A Emenda Constitucional estabeleceu um longo período para a migração total do sistema atual para o novo regime. Durante esse lapso temporal, conviverão o sistema antigo (ISSQN e ICMS) e o novo (IBS e CBS), criando um cenário de “cumulatividade sistêmica” que desafia a segurança jurídica.

Para os municípios, foi estabelecida uma regra de retenção de receitas, garantindo que nenhum ente tenha perda abrupta de arrecadação. Essa regra baseia-se na média da arrecadação histórica, corrigida pela inflação. O cálculo dessa média e os critérios de correção serão, invariavelmente, objeto de disputas jurídicas e contábeis.

O profissional do direito deve dominar as regras de cálculo dessa transição para atuar tanto na defesa dos interesses municipais quanto na consultoria a empresas que precisam prever sua carga tributária futura. A coexistência de regimes exige um conhecimento híbrido, mantendo a expertise no ISSQN – Aspectos Práticos enquanto se constrói a competência no novo sistema. A complexidade aumenta ao considerarmos que as alíquotas do IBS serão calibradas gradualmente para manter a carga tributária global inalterada.

Desafios na Regulamentação via Lei Complementar

A Constituição, após a emenda, traça as diretrizes gerais, mas remete à Lei Complementar a definição de aspectos fundamentais do novo tributo. A definição exata do fato gerador, a base de cálculo e, crucialmente, as hipóteses de não incidência e isenção, dependem dessa legislação infraconstitucional. O debate legislativo sobre a Lei Complementar é o momento onde os conceitos jurídicos abstratos se tornam normas aplicáveis.

Questões como a tributação de serviços digitais, plataformas de streaming e a economia compartilhada ganham novos contornos. Se antes a discussão era se o streaming era serviço (ISS) ou comunicação (ICMS), agora a discussão se desloca para as alíquotas e regimes diferenciados dentro do IBS. O princípio da não-cumulatividade plena, prometido pela reforma, também dependerá da regulamentação para que o crédito financeiro seja efetivamente garantido ao contribuinte.

A advocacia deve monitorar de perto a tramitação desses projetos de lei. A definição de “serviço” e “bem” pode ter perdido a relevância para a incidência (ambos tributados pelo IBS), mas pode manter relevância para regimes específicos ou alíquotas diferenciadas que a Lei Complementar venha a estabelecer para certos setores, como saúde e educação.

O Papel das Administrações Tributárias Municipais

Com a centralização da arrecadação e fiscalização no Comitê Gestor, questiona-se o futuro das administrações tributárias locais. O texto constitucional assegura que as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais.

Isso impõe uma modernização forçada aos fiscos municipais. A fiscalização deixará de ser um ato isolado de um auditor municipal sobre um prestador local e passará a ser um ato coordenado, muitas vezes baseado em malhas fiscais nacionais. O advogado que atua no contencioso deve estar ciente de que a prova e o lançamento tributário terão presunção de legitimidade reforçada por essa atuação conjunta.

Além disso, a competência para o julgamento administrativo das impugnações ao lançamento do IBS será do Comitê Gestor, e não mais dos Conselhos de Contribuintes municipais isoladamente. Isso uniformiza a jurisprudência administrativa, reduzindo a insegurança jurídica causada por decisões conflitantes sobre temas idênticos em municípios vizinhos.

Aspectos Processuais e o Novo Contencioso

A reforma tributária não altera apenas o direito material; ela revoluciona o direito processual tributário. A competência jurisdicional para tratar de questões do IBS ainda suscita debates. Sendo um tributo de competência compartilhada, mas gerido por um órgão nacional, a Justiça Estadual ou Federal será a competente? A tendência é a fixação de competência de acordo com a natureza do ato impugnado e a participação dos entes.

As execuções fiscais também sofrerão impactos. A Certidão de Dívida Ativa (CDA) do IBS será única, mas o produto da arrecadação pertencerá a múltiplos entes. A legitimidade ativa para a cobrança judicial exigirá clareza legislativa para evitar nulidades processuais. O advogado de defesa terá novos argumentos preliminares baseados na higidez do título executivo e na competência da autoridade lançadora.

Outro ponto de atenção é a modulação de efeitos em decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre temas tributários. Com um sistema nacional unificado, o impacto sistêmico de qualquer decisão de inconstitucionalidade será amplificado, o que pode levar a Corte a utilizar com mais frequência a modulação de efeitos, alterando a eficácia temporal das decisões para proteger o orçamento público.

Conclusão: A Necessidade de Atualização Constante

A reforma tributária sobre o consumo é a maior alteração legislativa na área fiscal desde a Constituição de 1988. Ela não é apenas uma mudança de siglas, de ISS para IBS; é uma mudança de cultura jurídica. O municipalismo brasileiro, tradicionalmente autárquico em sua gestão fiscal, passa a integrar um federalismo cooperativo obrigatório.

Para o advogado, o domínio técnico dessas novas regras não é opcional. A capacidade de navegar pela transição, de entender a nova dinâmica do fato gerador no destino e de atuar perante o Comitê Gestor definirá o sucesso profissional nas próximas décadas. A complexidade do sistema tributário não diminuiu; ela mudou de lugar, exigindo profissionais cada vez mais qualificados e especializados.

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Insights Valiosos

1. Federalismo Cooperativo: O conceito de autonomia municipal absoluta na gestão tributária foi substituído por um modelo de federalismo cooperativo. O poder não desaparece, mas passa a ser exercido colegiadamente através do Comitê Gestor.

2. Fim da Guerra Fiscal: A mudança da tributação para o destino (local do consumo) elimina, teoricamente, a eficácia da concessão de benefícios fiscais unilaterais por municípios para atrair empresas de fachada, alterando a estratégia de desenvolvimento econômico local.

3. Complexidade da Transição: O período de transição criará um sistema híbrido onde advogados precisarão operar simultaneamente com as regras antigas (LC 116/03) e as novas (IBS/CBS), exigindo dupla competência técnica.

4. Uniformização Jurisprudencial: A centralização normativa tende a reduzir a disparidade de interpretações sobre o mesmo fato gerador, o que, a longo prazo, deve diminuir o volume de contencioso baseado em conflitos de competência territorial.

5. Protagonismo da Lei Complementar: A Constituição apenas desenhou o esqueleto do novo sistema; a “carne” jurídica (alíquotas, isenções, regimes específicos) virá através das Leis Complementares, tornando o processo legislativo infraconstitucional o foco atual de atenção.

Perguntas e Respostas

1. O ISSQN deixará de existir imediatamente após a regulamentação da reforma?
Não. Haverá um período de transição longo, previsto para durar vários anos (transição federativa), durante o qual o ISSQN será gradualmente extinto enquanto o IBS terá suas alíquotas majoradas proporcionalmente, até a substituição total.

2. Como fica a situação dos processos judiciais de ISSQN em andamento?
Os processos judiciais que discutem fatos geradores ocorridos sob a vigência da legislação antiga continuarão seu curso normal, baseados na LC 116/2003 e leis municipais. O princípio tempus regit actum (o tempo rege o ato) preserva a aplicação da lei vigente na data do fato gerador.

3. O município perdeu o poder de fiscalizar as empresas locais?
O município mantém a competência, mas a fiscalização deverá ocorrer de forma integrada e coordenada com o Comitê Gestor. A fiscalização isolada tende a ser substituída por operações conjuntas e compartilhamento de dados, visando a eficiência do IBS como um todo.

4. Quem define a alíquota do novo imposto (IBS) para o município?
Embora a gestão seja centralizada, a competência para fixar a alíquota permanece com o ente federado. O município poderá fixar sua alíquota própria por lei ordinária local, que será somada à alíquota estadual para compor a alíquota total do IBS naquela localidade.

5. O que muda para as empresas prestadoras de serviços que atuam em vários municípios?
A principal mudança é a simplificação das obrigações acessórias. Ao invés de lidar com sistemas de emissão de nota e declarações diferentes para cada município onde prestam serviço, as empresas reportarão a um sistema nacional unificado, embora o imposto seja destinado ao local do consumo.

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Acesse a lei relacionada em Lei Complementar nº 116/2003

Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-23/municipios-planejar-para-reformar/.

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