A autocomposição de conflitos e a consolidação dos meios adequados de resolução de disputas representam uma das mais significativas mudanças de paradigma no sistema jurídico brasileiro contemporâneo. O abandono gradual da cultura do litígio em favor de uma cultura de pacificação social não é apenas uma tendência doutrinária, mas uma imposição normativa clara, refletida na estrutura do Código de Processo Civil de 2015 e em legislações esparsas que tratam da mediação e da conciliação no âmbito da Administração Pública.
A morosidade do Judiciário e o custo elevado da tramitação processual, tanto para o Estado quanto para as partes, exigiram uma reconfiguração da atuação dos operadores do Direito. Nesse cenário, a conciliação deixa de ser apenas uma etapa burocrática do rito processual para se tornar uma verdadeira política de Estado, com reflexos profundos na advocacia privada e na atuação da Fazenda Pública.
A Autocomposição como Norma Fundamental do Processo Civil
O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) elevou a solução consensual dos conflitos à categoria de norma fundamental. O artigo 3º, §§ 2º e 3º, estabelece que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos e que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
Essa diretriz normativa altera a função tradicional do advogado. Se antes a técnica jurídica se resumia ao combate processual e à busca por uma sentença favorável imposta por um terceiro (o juiz), hoje a excelência na advocacia exige o domínio de técnicas de negociação. O advogado moderno deve saber identificar quando o interesse do cliente é melhor satisfeito por um acordo construído pelas partes do que por uma decisão judicial incerta e tardia.
Para dominar essas nuances e aplicar corretamente os institutos previstos no código, o aprofundamento técnico é essencial. O estudo detalhado do Direito Processual Civil permite ao profissional navegar com segurança entre as opções de rito e as oportunidades de autocomposição, garantindo que o acordo firmado tenha exequibilidade e segurança jurídica.
Diferenciação Técnica: Conciliação versus Mediação
Embora muitas vezes tratados como sinônimos no linguajar leigo, a conciliação e a mediação possuem distinções técnicas precisas que o operador do Direito deve dominar, conforme estipulado no artigo 165 do CPC. A correta identificação do método adequado é crucial para o sucesso da resolução do conflito.
A conciliação é o método preferencial para casos em que não houver vínculo anterior entre as partes. Nela, o conciliador atua de forma mais ativa, podendo sugerir soluções para o litígio, desde que não exerça qualquer tipo de constrangimento ou intimidação. É comumente aplicada em relações de consumo ou em danos decorrentes de acidentes de trânsito, onde o objetivo principal é a resolução pontual daquela controvérsia específica.
Por outro lado, a mediação é indicada para casos em que houver vínculo anterior entre as partes, como no Direito de Família ou em conflitos societários. O mediador atua como um facilitador do diálogo, auxiliando as partes a compreenderem as questões e os interesses em conflito, de modo que elas mesmas identifiquem, pelo restabelecimento da comunicação, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos. Na mediação, o foco não é apenas o acordo, mas a preservação ou o encerramento saudável da relação continuada entre os envolvidos.
A Autocomposição no Âmbito da Administração Pública
Um dos avanços mais notáveis na dogmática jurídica recente é a superação do dogma da indisponibilidade absoluta do interesse público como óbice à realização de acordos pela Fazenda Pública. A doutrina e a jurisprudência modernas compreendem que o interesse público primário (o bem comum) muitas vezes é melhor atendido pela resolução célere e econômica do conflito do que pela manutenção de litígios intermináveis.
A Lei nº 13.140/2015 (Lei de Mediação) dispõe expressamente sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Ela prevê a criação de câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, competentes para dirimir controvérsias entre órgãos da administração e entre estes e particulares. Isso representa uma evolução rumo a uma Administração Pública Dialógica.
Nesse contexto, a transação tributária e os acordos em ações de improbidade administrativa (com as alterações trazidas pela Lei nº 14.230/2021) demonstram que a consensualidade é transversal a todos os ramos do Direito. O advogado que atua contra a Fazenda Pública precisa compreender os requisitos legais para propor e negociar esses acordos, que muitas vezes envolvem descontos em multas e juros ou parcelamentos vantajosos para o contribuinte ou administrado.
A advocacia pública e a privada, nesse ponto de intersecção, exigem um conhecimento robusto das prerrogativas estatais e dos limites da negociação administrativa. Profissionais que buscam especialização nessa área encontram no curso de Pós-Graduação em Direito Público Aplicado 2024 as ferramentas necessárias para atuar com segurança em negociações que envolvem o erário e o interesse coletivo.
O Papel do Sistema de Justiça Multiportas
O conceito de Justiça Multiportas (Multi-door Courthouse), idealizado pelo professor Frank Sander, foi plenamente recepcionado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Essa concepção estabelece que o Poder Judiciário não deve ser apenas um “prolator de sentenças”, mas um centro de referência para a solução de disputas, oferecendo diversos mecanismos (portas) adequados a cada tipo de conflito.
Entre essas portas, encontram-se a conciliação, a mediação, a arbitragem e a adjudicação judicial clássica. O papel do advogado é realizar uma triagem técnica (screening) para direcionar o caso do cliente à porta mais adequada. Insistir na via judicial contenciosa para um conflito que poderia ser resolvido via mediação pode significar um aumento desnecessário de custos e desgaste emocional para o cliente.
A Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi pioneira ao instituir a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses, padronizando a atuação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs). A atuação nesses centros exige do advogado uma postura colaborativa e não adversarial, focada na construção de pontes e na identificação de interesses subjacentes às posições declaradas.
Audiência de Conciliação e Mediação: Aspectos Práticos
O artigo 334 do CPC estabelece a audiência de conciliação ou de mediação como etapa quase obrigatória no procedimento comum. O não comparecimento injustificado do autor ou do réu é considerado ato atentatório à dignidade da justiça, sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa.
Essa obrigatoriedade reforça o caráter de política pública do instituto. O advogado deve preparar seu cliente para esse ato, explicando que a participação não implica submissão ou reconhecimento de culpa, mas uma oportunidade de controle sobre o resultado final do processo. Diferente da sentença, que é uma imposição estatal, o acordo é uma construção voluntária.
É crucial notar que a confidencialidade é um princípio basilar desses procedimentos, conforme o artigo 166 do CPC. Nada do que for dito ou apresentado durante as sessões de conciliação ou mediação poderá ser utilizado como prova em eventual instrução processual posterior, caso não se chegue a um acordo. Isso visa garantir a liberdade de negociação e a franqueza das partes durante as tratativas.
A Força do Título Executivo
Quando a autocomposição é alcançada, o termo de acordo homologado judicialmente constitui título executivo judicial, nos termos do artigo 515, incisos II e III, do CPC. Isso confere à conciliação a mesma força de uma sentença transitada em julgado, permitindo o imediato cumprimento de sentença em caso de descumprimento das obrigações assumidas.
Mesmo a conciliação extrajudicial, quando referendada pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública, pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por tribunal, constitui título executivo extrajudicial (artigo 784, inciso IV, do CPC). Isso oferece uma gama de possibilidades para a advocacia consultiva e preventiva, que pode resolver litígios complexos sem jamais ajuizar uma ação de conhecimento, partindo diretamente para a formalização de um título executivo seguro.
Desafios Culturais e a Formação Jurídica
Apesar do arcabouço legislativo favorável, a implementação plena da conciliação como política de Estado enfrenta barreiras culturais. A formação tradicional nas faculdades de Direito ainda privilegia o litígio, ensinando o estudante a “ganhar a causa” e não necessariamente a “resolver o problema”.
A mudança de mentalidade (mindset) é um processo contínuo. O advogado contemporâneo precisa desenvolver soft skills como inteligência emocional, comunicação não violenta e técnicas de negociação baseadas em princípios (Método de Harvard). Entender a diferença entre “posição” (o que a parte diz que quer) e “interesse” (o que a parte realmente precisa) é a chave para desbloquear impasses e construir acordos criativos que o juiz, limitado pelo princípio da congruência, jamais poderia sentenciar.
Além disso, a remuneração da advocacia na autocomposição deve ser valorizada. Contratos de honorários bem elaborados preveem bonificações para o êxito rápido obtido via acordo, demonstrando ao cliente que a eficiência temporal tem valor econômico. A advocacia preventiva e resolutiva deve ser vista como um investimento, não como um custo menor em relação ao contencioso.
A consolidação da conciliação e da mediação não significa o fim do litígio, mas a sua qualificação. O processo judicial contencioso deve ser reservado para as questões que envolvem interpretação de teses jurídicas complexas, criação de precedentes ou quando todas as tentativas de autocomposição restaram infrutíferas. Para todo o restante, a via consensual se apresenta como a forma mais civilizada, democrática e eficiente de pacificação social.
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Principais Insights sobre o Tema
A análise do cenário atual da conciliação e mediação no Brasil revela pontos cruciais para a prática jurídica. Primeiramente, a autocomposição deixou de ser uma faculdade para se tornar um dever-poder estatal e uma obrigação de estímulo para os advogados, alterando a ética profissional.
Além disso, a Administração Pública, historicamente a maior litigante, entrou definitivamente na era da consensualidade. A possibilidade de transações tributárias e administrativas abre um vasto campo de trabalho para advogados especializados, que podem obter resultados expressivos para seus clientes sem a necessidade de décadas de tramitação judicial.
Por fim, a técnica jurídica processual se fundiu com técnicas de negociação. O domínio da lei seca não é mais suficiente; o advogado de elite precisa compreender a teoria dos jogos e a psicologia do conflito para navegar no sistema de Justiça Multiportas com eficácia.
Perguntas e Respostas
1. Qual a principal diferença entre conciliação e mediação segundo o CPC?
A conciliação é preferencial para conflitos onde não há vínculo anterior entre as partes, permitindo sugestões do conciliador. A mediação é indicada para casos com vínculo continuado (como família), onde o mediador facilita o diálogo sem propor soluções diretas, visando a preservação da relação.
2. O não comparecimento à audiência de conciliação gera penalidade?
Sim. O artigo 334, § 8º, do CPC considera o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação como ato atentatório à dignidade da justiça, punível com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa.
3. A Fazenda Pública pode realizar acordos e conciliações?
Sim. A Lei nº 13.140/2015 e legislações específicas sobre transação tributária autorizam a Administração Pública a realizar autocomposição, superando a visão antiga de que a indisponibilidade do interesse público impediria acordos.
4. O que é o Sistema de Justiça Multiportas?
É um conceito que visualiza o Judiciário não apenas como um local de sentenças, mas como um centro de soluções de conflitos que oferece diversos mecanismos (portas) adequados a cada caso, como conciliação, mediação, arbitragem e o processo judicial tradicional.
5. O acordo extrajudicial tem força de sentença?
O acordo extrajudicial, quando referendado por advogados, Defensoria Pública, Ministério Público ou mediadores credenciados, constitui título executivo extrajudicial. Se for levado a juízo para homologação, torna-se título executivo judicial, tendo a mesma força de uma sentença definitiva.
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Acesse a lei relacionada em Lei nº 13.140/2015
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-19/a-conciliacao-como-politica-de-estado-a-lideranca-transformadora-de-jorge-messias/.