O sistema tributário nacional impõe aos contribuintes e aos advogados tributaristas um desafio constante de navegação entre normas complexas, interpretações jurisprudenciais oscilantes e um rigoroso sistema de fiscalização. Um dos temas mais sensíveis e que gera contencioso administrativo e judicial de grande monta diz respeito à escolha do regime de tributação da pessoa jurídica. A opção pelo Lucro Presumido, quando realizada em desconformidade com os ditames legais, não gera apenas o desenquadramento; ela inaugura uma discussão técnica profunda sobre qual deve ser a base de cálculo substitutiva: o Lucro Real ou o Lucro Arbitrado.
Para o profissional do Direito, compreender essa dinâmica é vital. Não se trata apenas de corrigir uma alíquota, mas de entender a estrutura probatória, os livros contábeis exigidos e os limites do poder de fiscalização do Estado. A seguir, exploraremos as nuances jurídicas desse cenário, focando na defesa do contribuinte e na legalidade dos lançamentos de ofício.
Os Regimes de Tributação e a Natureza da Opção
A legislação do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) estabelece regras rígidas para o enquadramento das empresas. A regra geral, baseada no princípio da capacidade contributiva e na aferição da renda efetiva, é o Lucro Real. Este regime exige uma escrituração contábil comercial e fiscal rigorosa, apurando-se o resultado líquido do exercício ajustado pelas adições, exclusões e compensações autorizadas em lei.
O Lucro Presumido, por sua vez, é uma técnica de simplificação. O legislador, presumindo uma margem de lucro com base na receita bruta da atividade, dispensa o contribuinte de provar despesas detalhadas para fins fiscais, embora a contabilidade comercial continue sendo obrigatória pelo Código Civil. No entanto, essa opção não é irrestrita. A Lei nº 9.718/1998 e legislações posteriores impõem limites, seja pelo volume de receita bruta anual (atualmente R$ 78 milhões), seja pela natureza da atividade (bancos, seguradoras, factoring, entre outras).
Quando uma empresa opta pelo Lucro Presumido indevidamente — ou seja, quando está legalmente obrigada ao Lucro Real —, a consequência imediata é a desconsideração dessa opção pela autoridade fiscal. É neste momento que surge a controvérsia jurídica. A fiscalização deve reconstruir a contabilidade para apurar o Lucro Real ou pode se valer imediatamente do Lucro Arbitrado?
O Desenquadramento de Ofício e a Determinação da Base de Cálculo
A constatação de que o sujeito passivo optou indevidamente pelo Lucro Presumido leva ao lançamento de ofício das diferenças tributárias. A lógica inicial sugere que, se a empresa estava obrigada ao Lucro Real, a tributação deveria seguir essa sistemática. Contudo, a aplicação prática esbarra em obstáculos fáticos.
Empresas que operam sob a égide do Lucro Presumido, ainda que indevidamente, muitas vezes não mantêm a escrituração necessária para a apuração do Lucro Real. O Livro de Apuração do Lucro Real (LALUR) pode inexistir, e a contabilidade pode não estar segregada ou detalhada conforme as normas contábeis vigentes. Diante da impossibilidade ou da dificuldade extrema em apurar o lucro real efetivo, o Fisco frequentemente recorre ao Lucro Arbitrado.
O arbitramento do lucro é uma medida excepcional, prevista no Código Tributário Nacional (CTN) e regulamentada pelo Regulamento do Imposto de Renda (RIR). Ele ocorre quando a escrita contábil é imprestável, inexistente ou quando o contribuinte se recusa a apresentar os documentos. O ponto de tensão reside na “automaticidade” desse arbitramento em casos de exclusão do Lucro Presumido.
Lucro Real versus Lucro Arbitrado: A Batalha Jurídica
A discussão central para o advogado tributarista é defender qual métrica deve ser aplicada retroativamente. O Lucro Arbitrado, em regra, resulta em uma carga tributária superior à do Lucro Real, funcionando quase como uma sanção indireta, embora sua natureza jurídica seja de base de cálculo substitutiva e não de penalidade.
O Fisco tende a aplicar o arbitramento fundamentando-se na ausência de escrituração apta a demonstrar o Lucro Real. O argumento é pragmático: se o contribuinte agiu como se estivesse no Presumido, provavelmente não cumpriu as obrigações acessórias do Real.
Por outro lado, a defesa técnica deve focar no princípio da verdade material. Se, mesmo com a opção indevida, a empresa possui contabilidade comercial idônea que permita a reconstrução do resultado fiscal, o Lucro Real deve prevalecer. A jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) e do Poder Judiciário tem oscilado, mas há uma forte corrente no sentido de que o arbitramento é subsidiário.
Para advogados que desejam aprofundar-se nas minúcias de como cada regime opera e como defender a manutenção ou alteração de um regime em sede de contencioso, o estudo detalhado do Regime de Tributação da Pessoa Jurídica é indispensável para construir teses sólidas.
Se a perícia contábil conseguir demonstrar o lucro efetivo, o lançamento pelo Lucro Arbitrado pode ser desconstituído, restando ao contribuinte o pagamento do imposto pelo Lucro Real (acrescido de multas e juros, evidentemente), o que muitas vezes representa uma economia substancial em comparação ao arbitramento.
Requisitos para a Aplicação do Lucro Arbitrado
Para que a defesa seja eficaz, é necessário dissecar os requisitos do arbitramento previstos na legislação, especificamente no artigo 603 do RIR/2018 (Decreto nº 9.580/2018). As hipóteses incluem:
A falta de escrituração contábil nos moldes da legislação comercial e fiscal.
A escrituração com vícios, erros ou deficiências que a tornem imprestável para identificar a movimentação financeira ou o lucro real.
A recusa em apresentar livros e documentos à fiscalização.
A opção indevida pelo Lucro Presumido, por si só, enquadra-se geralmente na hipótese de falta de escrituração adequada para o Lucro Real. No entanto, o advogado deve questionar: a escrituração é realmente inexistente ou apenas não foi ajustada no LALUR? A ausência do livro fiscal (LALUR) invalida toda a contabilidade comercial (Diário e Razão) para fins de apuração da base de cálculo?
Há precedentes importantes indicando que a ausência de livros fiscais específicos não autoriza o arbitramento automático se os livros comerciais permitirem a aferição do lucro líquido. O arbitramento não pode ser punitivo; ele é uma técnica de aferição indireta da riqueza quando a aferição direta é impossível.
Aspectos Processuais e Ônus da Prova
No contencioso tributário, o ônus da prova é uma questão delicada. O ato administrativo de lançamento goza de presunção de legitimidade. Portanto, cabe ao contribuinte provar que o arbitramento foi indevido e que é possível apurar o Lucro Real.
Essa prova é eminentemente pericial. O advogado deve trabalhar em conjunto com assistentes técnicos contábeis para auditar a documentação da empresa retroativamente. Se for possível reconstruir o balanço e demonstrar que o lucro efetivo foi menor que o arbitrado pelo Fisco, essa diferença constitui um direito do contribuinte, amparado pelo princípio da vedação ao confisco e da capacidade contributiva.
Além disso, é crucial analisar as multas aplicadas. Muitas vezes, em conjunto com o imposto principal, são lançadas multas qualificadas (150%) sob a alegação de fraude ou simulação na opção pelo regime simplificado. A defesa deve demonstrar a ausência de dolo, caracterizando o erro como uma falha de interpretação da legislação ou erro de fato, visando reduzir a penalidade para o patamar padrão (75%).
A Importância da Escrita Contábil
Um ponto de atenção para a advocacia preventiva e consultiva é a orientação sobre a manutenção da contabilidade. Mesmo empresas do Lucro Presumido devem manter escrituração contábil completa. Isso não serve apenas para fins de distribuição de lucros isentos acima dos limites presumidos, mas funciona como um “seguro” jurídico.
Caso a empresa seja desenquadrada de ofício no futuro, a existência de uma contabilidade robusta é o único caminho para evitar o arbitramento e garantir a tributação pelo Lucro Real, que reflete a realidade econômica do negócio. Sem livros contábeis (Diário, Razão, Balancetes), a defesa torna-se frágil, restando pouca margem de manobra contra a discricionariedade técnica da autoridade fiscal.
Reflexos na PIS/COFINS
A alteração do regime de IRPJ/CSLL contamina a apuração de PIS e COFINS. No Lucro Presumido, a regra geral é a cumulatividade (alíquotas de 0,65% e 3,00% sem direito a crédito). No Lucro Real, vigora a não cumulatividade (1,65% e 7,60% com direito a crédito).
Quando ocorre o lançamento de ofício para o Lucro Real, o Fisco exige a diferença de alíquotas. Contudo, o advogado deve estar atento ao direito ao crédito. Se o Fisco exige a alíquota maior do regime não cumulativo, deve obrigatoriamente abater os créditos presumidos ou reais que a empresa teria direito se estivesse nesse regime desde o início. A jurisprudência tem repelido a tentativa do Fisco de cobrar a alíquota cheia sem considerar os insumos que gerariam crédito, sob pena de enriquecimento sem causa do Estado.
Conclusão
A opção indevida pelo Lucro Presumido é um erro que pode custar a sobrevivência da empresa, mas o tratamento jurídico dado pelo Fisco nem sempre é inquestionável. A imposição automática do Lucro Arbitrado deve ser combatida quando a realidade contábil permitir a apuração do lucro efetivo.
O domínio sobre os regimes de tributação, as obrigações acessórias e os limites da fiscalização é o que separa uma defesa genérica de uma estratégia jurídica vencedora. A complexidade do sistema tributário brasileiro exige atualização constante e uma visão integrada entre o Direito e a Contabilidade.
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Insights sobre o tema
Natureza do Arbitramento: O Lucro Arbitrado não deve ser utilizado como penalidade. Ele é uma técnica subsidiária de apuração da base de cálculo aplicável apenas quando a apuração direta (Lucro Real) é inviável faticamente.
Prevalência da Contabilidade: A existência de escrituração comercial (Código Civil), mesmo sem o cumprimento integral das obrigações acessórias fiscais (LALUR), pode ser suficiente para afastar o arbitramento em favor do Lucro Real em processos administrativos ou judiciais.
Efeito Dominó: O desenquadramento do regime de renda afeta diretamente as contribuições ao PIS e COFINS. A defesa deve garantir que, ao migrar forçosamente para a não cumulatividade, o direito aos créditos sobre insumos seja respeitado retroativamente.
Prova Pericial: Em casos de autuação por opção indevida de regime, a prova pericial contábil é a rainha das provas. O advogado deve instruir o processo demonstrando a capacidade da empresa de apurar o resultado real, contestando a liquidez e certeza do lançamento arbitrado.
Planejamento Preventivo: A melhor defesa é a prevenção. Manter contabilidade completa, independentemente do regime tributário optado, é a salvaguarda jurídica mais eficiente contra autuações exorbitantes baseadas em arbitramento.
Perguntas e Respostas
1. Se uma empresa for excluída de ofício do Lucro Presumido, ela é automaticamente tributada pelo Lucro Arbitrado?
Não necessariamente. Embora seja a prática comum da fiscalização devido à presunção de falta de escrituração adequada, o contribuinte pode pleitear a tributação pelo Lucro Real se conseguir provar, através de contabilidade idônea, o seu lucro efetivo. O arbitramento é medida excepcional e subsidiária.
2. Qual a principal diferença financeira entre ser autuado pelo Lucro Real ou pelo Lucro Arbitrado?
Geralmente, o Lucro Arbitrado utiliza margens de presunção de lucro mais altas do que as do Lucro Presumido e, frequentemente, resulta em base de cálculo superior à do Lucro Real (especialmente se a empresa teve prejuízo ou margens baixas). No Lucro Real, é possível deduzir despesas e compensar prejuízos fiscais anteriores, o que não é permitido no Arbitrado.
3. A falta do LALUR (Livro de Apuração do Lucro Real) impede totalmente a defesa pelo Lucro Real?
Não. Embora seja uma infração de obrigação acessória sujeita a multa, a jurisprudência aceita que, se a contabilidade comercial (Diário e Razão) for robusta e permitir a identificação clara do lucro líquido, o LALUR pode ser reconstruído ou suprido por perícia para fins de determinar a base de cálculo correta, afastando o arbitramento.
4. O desenquadramento retroativo afeta o PIS e a COFINS?
Sim. Se a empresa for obrigada a mudar para o Lucro Real, ela passa, via de regra, para o regime não cumulativo de PIS e COFINS (alíquotas maiores). No entanto, ela ganha o direito de descontar créditos sobre insumos, despesas de energia, aluguéis, etc., o que deve ser calculado para abater do valor cobrado no auto de infração.
5. O que é a multa qualificada nesses casos?
É uma multa de 150% sobre o valor do imposto devido, aplicada quando o Fisco entende que houve dolo, fraude ou simulação (por exemplo, criar uma estrutura artificial para se manter indevidamente no Lucro Presumido). A defesa deve focar em provar a ausência de má-fé para tentar reverter essa qualificação para a multa de ofício padrão de 75%.
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Acesse a lei relacionada em Lei nº 9.718/1998
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-17/opcao-indevida-pelo-lucro-presumido-lancamento-pela-sistematica-do-lucro-real-ou-arbitrado/.