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Georreferenciamento: Segurança Jurídica no Registro

Artigo de Direito
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O Georreferenciamento e a Segurança Jurídica no Registro de Imóveis: Uma Abordagem Técnica

A identificação precisa da propriedade imobiliária rural no Brasil passou por uma transformação paradigmática nas últimas décadas. O que antes era delimitado por marcos naturais imprecisos e descrições vagas nos títulos de propriedade, hoje exige rigor científico e tecnológico. Para o profissional do Direito, compreender o georreferenciamento não é apenas uma questão de entender mapas, mas de dominar os requisitos legais que garantem a validade dos negócios jurídicos e a segurança fundiária.

O georreferenciamento consiste na determinação dos limites de um imóvel rural através de coordenadas referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro. Este procedimento técnico, quando averbado na matrícula do imóvel, confere uma identidade única àquela parcela do território, mitigando significativamente os riscos de sobreposição de áreas. A base legal fundamental para esta exigência reside na Lei 10.267/2001, que alterou dispositivos cruciais da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973).

A implementação desta norma visa extinguir o cenário de insegurança que historicamente permeou o campo brasileiro, onde a grilagem e os conflitos possessórios eram facilitados pela precariedade das descrições registrais. Ao vincular a descrição do imóvel a coordenadas geográficas precisas, o legislador buscou atender ao Princípio da Especialidade Objetiva com um nível de exatidão inédito no sistema registral pátrio.

O Princípio da Especialidade Objetiva e a Lei 10.267/2001

No Direito Registral Imobiliário, o Princípio da Especialidade Objetiva exige que o imóvel seja descrito de forma completa e inconfundível. Antes do advento das tecnologias de medição por satélite, as matrículas imobiliárias frequentemente utilizavam expressões como “limitando-se com terras de fulano” ou “até a grande árvore”. Tais descrições, embora válidas à época, tornaram-se obsoletas e geradoras de litígios.

A Lei 10.267/2001 introduziu a obrigatoriedade de que a identificação do imóvel rural nos cartórios de registro inclua o código do imóvel, os dados constantes do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) e a descrição georreferenciada. O artigo 176 da Lei de Registros Públicos foi modificado para exigir que os memoriais descritivos sejam assinados por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites.

Para o advogado que atua na área, é vital compreender que a ausência deste procedimento impede a prática de diversos atos registrais. O impedimento não é apenas burocrático, mas uma trava legal que visa forçar a atualização da malha fundiária nacional. A especialização nesta área demanda um estudo aprofundado, como o oferecido em uma Pós-Graduação em Regularização Imobiliária, que prepara o jurista para lidar com as complexidades destas exigências técnicas e legais.

O georreferenciamento não opera sozinho no mundo jurídico. Ele deve ser certificado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Esta certificação atesta que a poligonal do imóvel não se sobrepõe a nenhuma outra área já constante no cadastro georreferenciado do órgão. Sem a certificação do INCRA, o oficial de registro de imóveis está impedido de proceder à averbação da nova descrição perimétrica na matrícula.

Prazos Obrigatórios e Hipóteses de Exigência

A exigibilidade do georreferenciamento foi escalonada com base na dimensão da área do imóvel rural. O Decreto 4.449/2002, posteriormente alterado por decretos subsequentes como o Decreto 9.311/2018, estabeleceu os prazos carenciais. Inicialmente, a exigência recaiu sobre latifúndios, estendendo-se gradativamente às propriedades menores.

Atualmente, advogados devem estar atentos aos marcos temporais vigentes para orientar seus clientes corretamente. Em casos de desmembramento, parcelamento, remembramento e qualquer situação de transferência de propriedade, a apresentação do georreferenciamento é condição *sine qua non* para imóveis que já atingiram o prazo legal de obrigatoriedade. A inobservância destes prazos resulta na impossibilidade de registrar escrituras de compra e venda ou formalizar garantias reais.

Além das transações voluntárias, o Poder Judiciário também exige o georreferenciamento em ações que versem sobre a posse ou propriedade de imóveis rurais. Em ações de usucapião, por exemplo, a descrição georreferenciada é indispensável para a correta individualização do objeto da lide. O juiz necessita da certeza de que a sentença declaratória de domínio recairá sobre uma área perfeitamente delimitada, sem atingir direitos de terceiros lindeiros não citados no processo.

O Procedimento de Retificação de Registro

Um dos efeitos práticos mais comuns do georreferenciamento é a constatação de divergências entre a área real do imóvel e a área constante na matrícula. É frequente que medições antigas, feitas com teodolitos ou correntes, apresentem erros significativos quando comparadas à precisão do GPS. Nestes casos, surge a necessidade de retificação do registro imobiliário.

O artigo 213 da Lei de Registros Públicos prevê o procedimento para a retificação de área. Quando a alteração de área for intramuros, ou seja, respeitando as divisas físicas já consolidadas e com a anuência dos confrontantes, o procedimento pode ser realizado diretamente no Cartório de Registro de Imóveis. Este é o chamado procedimento administrativo de retificação, que trouxe celeridade à regularização fundiária.

O advogado desempenha papel central na instrução deste procedimento. Cabe a ele analisar a documentação técnica fornecida pelo agrimensor, verificar a regularidade das anuências dos confrontantes e elaborar o requerimento ao oficial de registro. Caso haja impugnação fundamentada por algum confrontante, o oficial remeterá o caso ao juízo competente, transformando o procedimento administrativo em judicial. Dominar a Retificação de Registros é, portanto, uma competência essencial para evitar que impasses técnicos se tornem litígios prolongados.

É importante destacar que a retificação decorrente do georreferenciamento não serve como meio de aquisição de propriedade. Se a medição revelar uma área maior que englobe terras devolutas ou de terceiros, sem justo título, a via adequada não será a retificação, mas sim a ação de usucapião ou outra medida petitória, conforme o caso. O registrador deve agir com cautela para evitar que a retificação seja utilizada como instrumento de grilagem.

A Conexão com o Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF)

A modernização trazida pela tecnologia culminou na criação do Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF) pelo INCRA. O SIGEF é uma plataforma eletrônica que automatizou o processo de certificação dos imóveis rurais. Antes do SIGEF, a análise dos processos de georreferenciamento era manual e morosa, levando meses ou até anos.

Com o sistema automatizado, o responsável técnico envia a planilha de dados cartográficos e o sistema verifica instantaneamente se há sobreposição com áreas já certificadas, terras indígenas, unidades de conservação ou áreas quilombolas. Se não houver sobreposição técnica, a certificação é emitida quase que imediatamente.

Para o operador do Direito, o SIGEF é uma fonte de consulta indispensável. Antes de iniciar qualquer *due diligence* para aquisição de imóvel rural, a verificação da situação da certificação no SIGEF é mandatória. Uma certificação válida no SIGEF, contudo, não garante a propriedade. Ela atesta apenas que a descrição técnica não se sobrepõe a outras na base de dados do INCRA. A propriedade só se consolida com o registro desta certificação na matrícula do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis competente.

Existe um equívoco comum de que a certificação no SIGEF substitui o registro. Não substitui. O artigo 176, parágrafo 4º, da Lei 6.015/73 é claro ao determinar que a identificação georreferenciada apenas ingressa no mundo jurídico registral após a devida averbação. Até que isso ocorra, a certificação é apenas um documento técnico administrativo.

Impactos na Usucapião Extrajudicial e Judicial

A ação de usucapião de imóvel rural sofreu impactos diretos com a exigência do georreferenciamento. Seja na via judicial ou na extrajudicial (realizada em cartório), a petição inicial ou o requerimento devem vir instruídos com a planta e o memorial descritivo georreferenciados. A precisão dos limites é fundamental para a citação correta dos confinantes e dos entes públicos.

No caso da usucapião extrajudicial, regulamentada pelo Provimento 65 do CNJ e pelo artigo 216-A da Lei de Registros Públicos, a planta assinada por profissional habilitado e pelos titulares dos direitos reais registrados na matrícula é requisito de admissibilidade. Se o imóvel usucapiendo for rural, esta planta deve necessariamente seguir as normas técnicas do georreferenciamento do INCRA.

A falta de rigor técnico nesta etapa pode levar à nulidade de todo o processo de usucapião no futuro. Se ficar comprovado posteriormente que a área usucapida se sobrepôs a uma área pública ou de terceiro que não foi devidamente notificado devido a erro na identificação dos limites, a segurança jurídica do título aquisitivo estará comprometida. Portanto, o advogado deve trabalhar em estreita colaboração com engenheiros agrimensores de confiança.

Responsabilidade Civil e Criminal

A legislação impõe responsabilidades severas tanto para o proprietário quanto para o profissional técnico que realiza o georreferenciamento. O artigo 9º, parágrafo 1º, do Decreto 4.449/2002 estabelece que a certificação do INCRA não implica reconhecimento do domínio ou a exatidão dos limites e confrontações indicados pelo proprietário.

Isso significa que, se houver dolo ou culpa na elaboração do trabalho técnico, resultando em prejuízo a terceiros, tanto o proprietário que requereu o serviço quanto o profissional que assinou a ART responderão civil e criminalmente. Para o advogado, isso ressalta a importância de orientar o cliente a não buscar “atalhos” ou pressionar técnicos para alterar limites em desconformidade com a realidade fática do terreno.

A responsabilidade do oficial de registro também é relevante. Embora ele não vá a campo verificar as medidas, cabe a ele a qualificação registral do título. Ele deve verificar se a certificação do INCRA está válida, se o profissional tem habilitação e se a descrição apresentada guarda coerência lógica com os elementos da matrícula, dentro do possível.

A Segurança Jurídica como Fim Último

O objetivo final de todo este aparato técnico e jurídico é a segurança. Segurança para quem compra, sabendo exatamente o que está adquirindo. Segurança para quem financia, tendo a certeza da garantia real. E segurança para o Estado, que passa a ter um controle mais efetivo sobre a ocupação do território nacional.

O georreferenciamento, portanto, não deve ser visto como um mero entrave burocrático, mas como um instrumento de qualificação da propriedade. Ele valoriza o imóvel regular, facilita o acesso ao crédito agrícola e previne conflitos agrários. Para a advocacia, representa um campo de trabalho vasto e em constante atualização, exigindo uma postura multidisciplinar e atenta às inovações legislativas e tecnológicas.

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Insights sobre o Tema

A correta aplicação do georreferenciamento reforça a transição do sistema registral brasileiro de um modelo meramente descritivo para um modelo de alta precisão cartográfica. Isso reduz a margem para subjetividades na interpretação dos limites de propriedade.

A integração entre o sistema registral (Cartórios) e o sistema cadastral (INCRA/SIGEF) é a chave para a governança fundiária. O advogado atua como o elo que garante que a realidade técnica (o terreno) corresponda à realidade jurídica (a matrícula), assegurando a validade dos negócios.

O domínio dos procedimentos de retificação administrativa e usucapião extrajudicial, aliados ao conhecimento técnico do georreferenciamento, permite ao advogado oferecer soluções mais rápidas e econômicas aos clientes, evitando a judicialização desnecessária de demandas imobiliárias.

Perguntas e Respostas

1. O georreferenciamento é obrigatório para todos os imóveis rurais imediatamente?
Não imediatamente para todos. A obrigatoriedade segue prazos escalonados baseados no tamanho da área do imóvel, definidos pelo Decreto 4.449/2002 e alterações posteriores. No entanto, para qualquer ato de transferência, desmembramento, parcelamento ou remembramento, a exigência se aplica conforme o prazo vigente para a dimensão daquela propriedade específica.

2. O que acontece se eu vender um imóvel rural obrigado ao georreferenciamento sem fazê-lo?
O oficial do Cartório de Registro de Imóveis ficará impedido de registrar a escritura de compra e venda. Sem o registro, a propriedade não é transferida formalmente, permanecendo o imóvel em nome do vendedor, o que gera insegurança jurídica para o comprador e inviabiliza o negócio.

3. A certificação do georreferenciamento no SIGEF garante a propriedade da terra?
Não. A certificação do INCRA via SIGEF é um ato administrativo que atesta apenas que a poligonal do imóvel não se sobrepõe a outras áreas constantes na base de dados do órgão. A propriedade só é garantida e constituída com o registro desta certificação e da nova descrição na matrícula do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis competente.

4. É possível realizar usucapião de imóvel rural sem georreferenciamento?
Não é recomendável e, na maioria dos casos, não será aceito. Tanto na usucapião judicial quanto na extrajudicial, a precisa individualização do imóvel é requisito essencial. Para imóveis rurais, essa individualização deve seguir as normas técnicas do INCRA, exigindo-se o memorial descritivo georreferenciado e a respectiva ART do profissional técnico.

5. Se o georreferenciamento apontar uma área maior do que a registrada na matrícula, o que deve ser feito?
Se a diferença de área for decorrente de erro nas medições anteriores e a área georreferenciada respeitar os limites físicos intra-muros já consolidados, deve-se proceder à retificação de registro (administrativa ou judicial). Contudo, se a área excedente englobar terras que não pertenciam ao proprietário originalmente, a via correta não é a retificação, mas sim a aquisição dessa área excedente, possivelmente via usucapião, se preenchidos os requisitos.

Aprofunde seu conhecimento sobre o assunto na Wikipedia.

Acesse a lei relacionada em Lei nº 6.015/1973 – Lei de Registros Públicos

Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-16/georreferenciamento-em-ponto-morto-novo-decreto-acende-alerta-sobre-a-seguranca-fundiaria-brasileira/.

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