O Equilíbrio Contratual no Distrato Imobiliário: Análise Crítica e Estratégia Processual
A estabilidade das relações contratuais é um pilar do Direito Civil, sustentada pelo princípio do pacta sunt servanda. No entanto, a dinâmica do mercado e as crises econômicas frequentemente impõem a dissolução de vínculos contratuais. O distrato imobiliário não é apenas um instituto teórico, mas um campo de batalha processual onde a mera aplicação aritmética da lei pode resultar em prejuízos severos. A discussão transcende a possibilidade de rescisão, focando nas consequências patrimoniais: a quantificação da multa (cláusula penal), a incidência de taxas de fruição e o momento da devolução dos valores.
Para o advogado atuante, compreender as nuances que separam uma retenção legal de uma cobrança confiscatória é mandatório. A jurisprudência, longe de ser estática, exige um olhar atento aos Precedentes Qualificados. A análise da abusividade deixou de ser uma verificação de percentuais para se tornar um exame de proporcionalidade à luz do caso concreto, do tipo de contrato e da conduta das partes.
1. O “Divisor de Águas”: Promessa de Compra e Venda vs. Alienação Fiduciária
Antes de discutir percentuais de retenção, o operador do Direito deve enfrentar a questão preliminar que define o rito da resolução. Há uma diferença abissal entre a rescisão de uma simples Promessa de Compra e Venda e a de um contrato com pacto adjeto de Alienação Fiduciária devidamente registrado.
Ignorar essa distinção é um erro técnico fatal. Conforme definido pelo STJ no Tema 1095, em contratos com alienação fiduciária registrada, a resolução não se submete ao Código de Defesa do Consumidor (art. 53) ou puramente à Lei do Distrato visando a devolução de percentuais. O rito aplicável é o da Lei nº 9.514/97, que prevê o leilão extrajudicial do imóvel. Nesse cenário, o devedor só receberá algum valor se o lance do leilão superar a dívida e as despesas, o que raramente ocorre. Portanto, a estratégia processual muda drasticamente dependendo da natureza do contrato.
2. A Lei do Distrato (Lei nº 13.786/2018) e a Cumulatividade de Penas
A Lei nº 13.786/2018, conhecida como Lei do Distrato, alterou as Leis nº 4.591/64 e nº 6.766/79 para estabelecer parâmetros de retenção em casos de desfazimento por culpa do adquirente. A regra geral estipula que a pena convencional não pode exceder 25% da quantia paga. Contudo, a análise de risco não pode parar neste número.
O Perigo da Taxa de Fruição
Um ponto frequentemente negligenciado, mas devastador para o consumidor, é a taxa de fruição (ou taxa de ocupação). A lei autoriza a cobrança de 0,5% (podendo chegar a 0,75% em contratos anteriores à lei sob certas condições) sobre o valor do contrato pro rata die, caso tenha havido disponibilização da posse.
O advogado deve alertar que a soma da Cláusula Penal + Taxa de Fruição pode, na prática, consumir a integralidade dos valores pagos, e em casos extremos, deixar o consumidor com saldo devedor. A defesa técnica deve focar na comprovação da efetiva posse e uso, combatendo cobranças de fruição sobre lotes não edificados ou imóveis sem habitabilidade, tese que vem ganhando força nos tribunais.
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3. Patrimônio de Afetação: A Análise Além do Registro
A legislação permite que, em empreendimentos submetidos ao regime de patrimônio de afetação, a cláusula penal chegue a 50% dos valores pagos. A justificativa é a proteção da saúde financeira da obra e dos demais adquirentes.
No entanto, o advogado combativo não deve aceitar o teto de 50% apenas pela existência de um registro na matrícula. É necessário investigar a realidade fática da incorporadora:
- A contabilidade do empreendimento é realmente segregada?
- Existe confusão patrimonial entre o caixa da obra e o da holding?
- As obrigações fiscais do patrimônio afetado estão em dia?
Se houver desvirtuamento do instituto, é possível pleitear judicialmente a descaracterização da proteção do patrimônio de afetação, buscando reduzir a multa para o patamar geral de 25%. A diligência nessa verificação separa uma defesa genérica de uma estratégia vencedora.
4. O Momento da Restituição e a Dignidade Econômica
A Lei do Distrato impôs prazos de devolução que desafiam a liquidez do consumidor. Para obras com patrimônio de afetação, o reembolso pode ocorrer até 30 dias após a expedição do “habite-se”. Se o distrato ocorre no início da obra, isso significa anos de capital imobilizado sem retorno.
Embora a lei seja clara, o Judiciário pode ser provocado a intervir em situações excepcionais, como doenças graves ou superendividamento, sob a ótica da função social do contrato e da dignidade da pessoa humana. Cláusulas que postergam o pagamento para prazos que ultrapassam o razoável ou impõem parcelamentos não previstos em lei devem ser objeto de impugnação específica.
5. A Culpa da Construtora e a Súmula 543 do STJ
É imperativo distinguir a resilição (desistência do comprador) da resolução por inadimplemento da vendedora. Antes de calcular qualquer multa, o advogado deve auditar o cumprimento das obrigações da construtora (prazo de entrega, vícios construtivos, metragem, memorial descritivo).
Se a culpa pelo desfazimento for da construtora, aplica-se a Súmula 543 do STJ: a restituição deve ser imediata e integral (100%). Nesse cenário, é vedada qualquer retenção, seja de cláusula penal, tributos ou comissão de corretagem. A inversão do ônus da prova e a caracterização da culpa exclusiva da fornecedora são as vias para afastar a aplicação da Lei do Distrato em desfavor do consumidor.
6. Comissão de Corretagem e Dever de Informação
Quanto à comissão de corretagem, o STJ firmou tese de validade da transferência do encargo ao consumidor, desde que cumprido rigorosamente o dever de informação (destaque do valor da comissão no preço total). No distrato imotivado pelo comprador, a retenção da corretagem é lícita, pois o serviço de intermediação foi prestado.
Contudo, o advogado deve estar atento: se a resolução ocorrer por culpa da construtora (atraso na obra, por exemplo), a corretagem deve ser devolvida como parte das perdas e danos, a fim de restituir as partes ao status quo ante.
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Considerações Finais
O equilíbrio contratual no distrato imobiliário não é dado, é construído. O advogado não pode se limitar à leitura fria da Lei nº 13.786/2018. É preciso considerar o Tema 1095 do STJ, a incidência cumulatada de fruição, a realidade do patrimônio de afetação e a causa raiz da extinção contratual.
A multa deve ter caráter indenizatório, não de enriquecimento sem causa. Quando a penalidade, somada a outras taxas, aniquila o patrimônio investido pelo consumidor de forma desproporcional, o Poder Judiciário deve ser acionado para, com base no artigo 413 do Código Civil e no CDC, readequar as bases do negócio jurídico.
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Insights sobre o Tema
A análise técnica do distrato revela que a abusividade é um conceito dinâmico. O ponto nevrálgico para o profissional é compreender que os percentuais da Lei do Distrato (25% ou 50%) funcionam como tetos máximos, mas a sua aplicação depende da regularidade do empreendimento e da ausência de onerosidade excessiva (especialmente quando somada à fruição). Além disso, a estratégia processual deve sempre iniciar pela verificação da natureza do contrato (Alienação Fiduciária vs. Promessa de Venda) e pela busca de culpa da construtora, única hipótese que garante a restituição integral.
Perguntas e Respostas
1. A Lei do Distrato se aplica a contratos com Alienação Fiduciária?
Depende. Se a alienação fiduciária estiver devidamente registrada na matrícula, aplica-se o Tema 1095 do STJ e a Lei nº 9.514/97, afastando a devolução de percentuais da Lei do Distrato e impondo o rito de leilão extrajudicial.
2. O que é a Taxa de Fruição e qual seu impacto no distrato?
É uma taxa de ocupação (aluguel) cobrada pelo tempo em que o comprador teve a posse do imóvel (geralmente 0,5% ao dia mês valor do contrato). O advogado deve cuidar para que a soma da multa + fruição não ultrapasse o valor pago, gerando dívida ao consumidor.
3. Basta o registro do Patrimônio de Afetação para validar a multa de 50%?
Formalmente sim, mas estrategicamente não. Se houver confusão patrimonial ou irregularidade fiscal na afetação, é possível pleitear judicialmente a desconsideração dessa blindagem para reduzir a multa ao patamar de 25%.
4. Se a construtora atrasar a obra, qual o valor da restituição?
Nesse caso, a culpa é exclusiva da vendedora. Aplica-se a Súmula 543 do STJ: a devolução deve ser integral (100% dos valores, incluindo corretagem) e imediata, sem direito a retenções.
5. O prazo de devolução após o “Habite-se” pode ser contestado?
A lei prevê a devolução em até 30 dias após o Habite-se para obras com afetação. Contudo, em casos de extrema vulnerabilidade ou espera desrazoável (anos), teses baseadas na dignidade da pessoa humana e função social do contrato podem ser arguidas para antecipar o pagamento.
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Acesse a lei relacionada em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13786.htm
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-13/multa-por-desistencia-so-e-abusiva-se-desproporcional-ao-valor-pago-pelo-imovel/.