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Transporte de Fauna: Crime do Art. 29 da Lei 9.605/98

Artigo de Direito
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Introdução à Advocacia Criminal na Tutela da Fauna

A proteção ao meio ambiente, com status constitucional no artigo 225 da Carta de 1988, impõe desafios dogmáticos e práticos significativos ao advogado criminalista. A fauna silvestre, tutelada não apenas como recurso, mas como elemento de equilíbrio ecológico, encontra sua proteção penal na Lei nº 9.605/98. Contudo, para o operador do Direito, a leitura superficial da lei é insuficiente.

A atuação advocatícia em crimes contra a fauna exige ir além do texto legal: demanda o domínio de conceitos de Direito Penal Ambiental, das teses defensivas de mérito e das nulidades processuais. Não se trata apenas de analisar a conduta, mas de compreender a natureza jurídica dos tipos penais (permanentes ou instantâneos), a validade das normas complementares (já que estamos diante de normas penais em branco) e a complexa relação entre as esferas penal e administrativa.

A jurisprudência tem endurecido o tratamento desses delitos, muitas vezes afastando garantias fundamentais em nome de uma suposta proteção integral ao meio ambiente. Cabe à defesa técnica restabelecer o equilíbrio, manejando institutos como a consunção, o erro de tipo e a insignificância sob uma ótica ecocêntrica e técnica.

O Artigo 29 e a Norma Penal em Branco: Análise Dogmática

O artigo 29 da Lei 9.605/98 é um tipo penal misto alternativo. A prática de qualquer um dos verbos (caçar, apanhar, matar) consuma o delito. Porém, a defesa atenta deve observar a natureza temporal da conduta. Enquanto “matar” é crime instantâneo, as condutas de “ter em cativeiro”, “guardar” e “transportar” configuram crimes permanentes. Isso tem implicações diretas na definição do estado de flagrância e na fixação da competência territorial (teoria da atividade ou do resultado).

Um ponto crucial, frequentemente negligenciado, é a natureza de Norma Penal em Branco do artigo 29. A definição do que é “fauna silvestre” e quais espécies são protegidas depende de atos administrativos (Portarias e Listas do IBAMA/ICMBio).

  • A defesa deve verificar se a espécie apreendida consta nas listas oficiais atualizadas.
  • Erros na taxonomia do animal no laudo pericial podem levar à atipicidade da conduta.
  • Se a norma complementar for revogada ou alterada (abolitio criminis ou novatio legis in mellius), isso deve repercutir imediatamente no processo penal.

Para o profissional que deseja dominar essas nuances legislativas, o estudo aprofundado da Lei de Crimes Ambientais é indispensável para a correta classificação e defesa.

Transporte Irregular: Dolo, Cegueira Deliberada e Confiança

No transporte de animais silvestres, a acusação foca na comprovação do dolo. O transporte oculto (malas, fundos falsos) é utilizado pelo Ministério Público como evidência de dolo direto. Contudo, a advocacia moderna deve estar preparada para enfrentar a aplicação da Teoria da Cegueira Deliberada (Willful Blindness).

Muitas vezes, a acusação alega que o motorista, ao não verificar a carga lacrada, assumiu o risco (dolo eventual), criando uma responsabilidade quase objetiva. A estratégia defensiva deve combater essa presunção combatendo com o Princípio da Confiança, especialmente em relações comerciais de transporte onde a boa-fé é a regra. Demonstrar que o agente atuou sob erro de tipo ou que não tinha o dever jurídico de desconfiar da licitude da carga é essencial para desconstruir o elemento subjetivo do tipo.

Concurso de Crimes vs. Princípio da Consunção

A ocorrência simultânea do transporte ilegal (art. 29) e maus-tratos (art. 32) gera debates intensos. Embora a jurisprudência majoritária do STJ tenda a reconhecer o concurso material (somando as penas), a defesa técnica não deve se conformar.

Há espaço robusto para a tese do Princípio da Consunção. Se os maus-tratos foram o meio necessário para viabilizar o transporte (ex: acondicionamento restrito para evitar fuga ou danos ao animal durante o trajeto), deve-se pugnar pela absorção do crime-meio pelo crime-fim. O advogado deve argumentar que o sofrimento do animal, naquele contexto, é um post factum ou ante factum impunível, inerente à própria conduta de capturar e transportar, evitando o bis in idem.

A análise crítica dos laudos veterinários é vital. O advogado deve questionar se as condições descritas configuram crueldade autônoma (sadismo, dolo específico de maltratar) ou se são meras consequências do transporte irregular, já punido pelo artigo 29.

Insignificância e Bagatela Imprópria

A aplicação do princípio da insignificância em crimes ambientais é restritiva (Súmula 599 STJ por analogia), sob o argumento de que o bem jurídico é indisponível. No entanto, a defesa deve insistir na análise da lesividade ecológica concreta.

Não se trata apenas de contar animais. A apreensão de um único espécime de uma espécie abundante (não ameaçada), que é devolvido saudável à natureza, não gera lesão relevante ao equilíbrio ecológico. Nestes casos, a tipicidade material deve ser afastada.

Subsidiariamente, a tese da Bagatela Imprópria deve ser arguida: o fato é típico e ilícito, mas a aplicação da pena torna-se desnecessária diante das circunstâncias (reparação do dano, primariedade, condições pessoais), conforme permite a política criminal moderna.

Perdão Judicial: A Tese da Mudança de Domicílio

O perdão judicial (art. 29, § 2º) é geralmente restrito à “guarda doméstica”. Porém, uma estratégia defensiva pouco explorada, mas eficaz, é a extensão desse benefício para casos de transporte decorrente de mudança de domicílio.

Se o agente possui o animal há anos (guarda consolidada) e é flagrado transportando-o apenas porque está se mudando de residência, a defesa deve sustentar que o transporte é um mero desdobramento da guarda doméstica. Punir o transporte, neste caso, seria punir a manutenção do vínculo afetivo tutelado pelo próprio instituto do perdão judicial.

Competência e Cadeia de Custódia da Prova

A regra é a competência da Justiça Estadual. A Súmula 91 do STJ esclarece que a competência Federal só ocorre se houver lesão direta a bens, serviços ou interesses da União (art. 109, IV, CF). O simples interesse genérico do IBAMA na proteção da fauna não atrai a competência federal. A defesa deve estar atenta para arguir a incompetência do juízo federal quando não houver transnacionalidade ou origem comprovada de Unidade de Conservação Federal.

Outro ponto nevrálgico é a Cadeia de Custódia da prova material (o animal).

  • O animal periciado é o mesmo que foi apreendido?
  • Houve manuseio adequado e documentado desde a blitz até o centro de triagem?

Falhas na documentação da cadeia de custódia podem gerar a nulidade da prova pericial e, consequentemente, a absolvição por falta de materialidade. O conhecimento profundo sobre Advocacia Criminal instrumentaliza o advogado a identificar essas falhas processuais.

A Tríplice Responsabilidade e a Estratégia Administrativa

A defesa não pode ignorar a esfera administrativa. A apreensão do veículo é uma sanção frequente e gravosa. Embora a jurisprudência permita o perdimento, a defesa deve atuar preventivamente.

  • Mandado de Segurança: Para evitar o perdimento ou doação sumária do bem antes do trânsito em julgado administrativo.
  • Fiel Depositário: Pleitear a nomeação do proprietário como fiel depositário, demonstrando a necessidade do bem para trabalho e a ausência de reincidência.

A tese de que o veículo não foi preparado exclusivamente para o crime e pertence a terceiro de boa-fé ainda é forte nos tribunais para reverter o perdimento, exigindo prova robusta da acusação em contrário.

Aperfeiçoamento Profissional na Área Ambiental

O Direito Penal Ambiental é um campo minado para o generalista. A defesa eficaz exige uma visão multidisciplinar que une biologia, processo penal e direito administrativo. O mercado valoriza o profissional que não apenas repete teses prontas, mas que constrói defesas técnicas baseadas em dogmática refinada e estratégia processual.

Para atuar com excelência e segurança nesses casos complexos, conheça nosso curso de Pós-Graduação em Direito e Processo Ambiental.

Insights Estratégicos

  • Ataque a Materialidade: Verifique sempre se a espécie consta nas portarias atualizadas. O erro de classificação taxonômica é mais comum do que se imagina.
  • Consunção é Vida: Não aceite o concurso material de maus-tratos passivamente. Se o sofrimento decorreu apenas do modo de transporte, brigue pela absorção.
  • Perdão no Transporte: Em casos de animais de estimação, converta a acusação de tráfico/transporte para desdobramento de guarda doméstica (ex: mudança de casa).
  • Cadeia de Custódia: A dúvida sobre a identidade ou procedência do animal apreendido joga a favor do réu. Explore as falhas nos autos de apreensão.

Perguntas e Respostas

1. O transporte de qualquer animal silvestre é crime?
Depende. É crime se for realizado sem a devida licença, permissão ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com ela. Se houver GTA (Guia de Trânsito Animal) e nota fiscal de criadouro autorizado, a conduta é atípica.

2. A alegação de desconhecimento da lei (erro de proibição) funciona na defesa?
É uma tese difícil na atualidade devido à ampla divulgação ambiental, mas pode ser viável em casos de erro sobre o objeto (erro de tipo), onde a pessoa acredita tratar-se de animal doméstico ou não protegido, ou no caso do transportador que desconhece o conteúdo da carga (princípio da confiança).

3. Como evitar o perdimento do veículo usado no transporte?
A defesa deve provar que o veículo não foi modificado especificamente para o crime (ex: fundos falsos) e que não é utilizado habitualmente para o ilícito. Se o proprietário for terceiro de boa-fé (locadora, amigo que emprestou), a chance de restituição via judicial é alta.

4. O crime de transporte prescreve rápido?
Sim. Como a pena máxima é de um ano (para o art. 29), a prescrição ocorre em 4 anos (art. 109, V, CP). Considerando a morosidade da justiça e a possibilidade de prescrição retroativa, esta é uma tese de extinção da punibilidade que deve ser monitorada constantemente pelo advogado.

5. É possível aplicar o acordo de não persecução penal (ANPP)?
Sim. Como a pena mínima é inferior a 4 anos e o crime é cometido sem violência ou grave ameaça, o ANPP é cabível, desde que o réu confesse a prática. O advogado deve avaliar se a confissão e as condições do acordo são mais vantajosas que uma eventual briga judicial pela absolvição ou prescrição.

Aprofunde seu conhecimento sobre o assunto na Wikipedia.

Acesse a lei relacionada em Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998

Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-10/tj-sp-mantem-condenacao-de-homem-que-carregava-aves-silvestres-em-porta-malas/.

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