O Debate Jurídico sobre o Marco Temporal: Do Tema 1.031 à Crise Institucional e a Lei 14.701/2023
A discussão acerca do marco temporal para a demarcação de terras indígenas transcendeu o debate hermenêutico clássico e converteu-se, no último ano, em uma das crises institucionais mais agudas entre o Poder Judiciário e o Legislativo. Não se trata mais apenas de interpretar o Artigo 231 da Constituição Federal, mas de analisar a validade de leis ordinárias frente a teses fixadas em Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Para os profissionais do Direito, o cenário exige atualização imediata. A antiga polarização teórica deu lugar a um conflito prático de vigência normativa: de um lado, a decisão do STF no Recurso Extraordinário 1.017.365 (Tema 1.031), que declarou a inconstitucionalidade da tese do marco temporal; do outro, a reação legislativa materializada na promulgação da Lei 14.701/2023, que reinstituiu a data de 5 de outubro de 1988 como critério demarcatório.
Neste artigo, revisitaremos os fundamentos do indigenato, analisaremos a superação do conceito de “renitente esbulho” e detalharemos a nova jurisprudência sobre indenizações pela terra nua — o verdadeiro fiel da balança para a advocacia contemporânea.
A Tese do Indigenato e a Decisão no Tema 1.031
Em setembro de 2023, o STF consolidou o entendimento de que os direitos territoriais indígenas são originários e congênitos, independendo de titulação ou marco temporal. A Corte reafirmou a teoria do indigenato, segundo a qual o direito dos povos indígenas preexiste à criação do Estado brasileiro.
Juridicamente, a tese vencedora estabeleceu que:
- A posse indígena distingue-se da posse civil; trata-se de um habitat necessário à sobrevivência física e cultural (o “tradicionalmente ocupam” do caput do Art. 231).
- O ato de demarcação é declaratório, não constitutivo.
- A data da promulgação da Constituição (05/10/1988) não pode servir como filtro excludente para direitos fundamentais.
Essa decisão visou pacificar a controvérsia hermenêutica, rejeitando a ideia de que a ausência física na área em 1988 (muitas vezes fruto de expulsões violentas) acarretaria a perda do direito.
O “Backlash” Legislativo: A Lei 14.701/2023
Em resposta direta à decisão da Suprema Corte, o Congresso Nacional aprovou a Lei 14.701/2023. O diploma legal positivou a tese do marco temporal, estabelecendo que apenas as terras ocupadas por indígenas na data da promulgação da Constituição seriam passíveis de demarcação.
Este fenômeno, conhecido no Direito Constitucional como backlash ou efeito reação, criou um cenário de insegurança jurídica singular. Atualmente, a constitucionalidade desta lei é objeto de múltiplas ações de controle concentrado no STF. O advogado deve compreender que, até nova deliberação da Corte (provavelmente em sede de medida cautelar ou mérito das ADIs), vive-se um conflito entre a ratio decidendi do Tribunal Constitucional e a presunção de constitucionalidade da lei nova.
A Superação do “Renitente Esbulho” e a Nova Regra de Indenização
Durante anos, a jurisprudência operou com a exceção do “renitente esbulho” (a ideia de que o marco temporal não se aplicava se houvesse disputa possessória comprovada em 1988). Com a derrubada da tese do marco temporal pelo STF, esse conceito perdeu sua centralidade técnica. A discussão deslocou-se para um ponto muito mais pragmático e financeiro: as indenizações.
A grande inovação trazida pelo julgamento do Tema 1.031 — e que impacta diretamente a defesa dos proprietários rurais e a atuação da advocacia pública — foi a alteração no regime indenizatório.
Anteriormente, a Súmula 650 do STF e a interpretação literal do § 6º do Art. 231 vedavam a indenização pela terra nua, permitindo-a apenas pelas benfeitorias. O novo entendimento, construído a partir do voto médio liderado pelo Ministro Alexandre de Moraes, estabeleceu uma distinção vital:
- Ocupantes de má-fé: Mantém-se a regra de não indenização pela terra nua.
- Possuidores com títulos de boa-fé: Aqueles que receberam títulos de propriedade do Estado, mesmo que incidentes sobre terras indígenas, têm direito à indenização prévia pelo valor da terra nua.
Essa mudança transforma a natureza da desintrusão. Se antes o proprietário de boa-fé perdia a terra sem compensação (caracterizando, na visão de muitos, um confisco), agora a União deve responder civilmente pelo erro na emissão do título. Na prática, o procedimento aproxima-se de uma desapropriação por interesse social, garantindo a recomposição patrimonial.
Dominar as nuances entre a responsabilidade civil objetiva do Estado e os novos requisitos para demarcação é essencial. Uma Pós-Graduação em Direito e Processo Constitucional é o ambiente adequado para entender como aplicar essas teses indenizatórias em processos judiciais complexos, onde milhões de reais em patrimônio dependem da correta qualificação da boa-fé do título.
Controle de Convencionalidade e o Caso Xukuru
A análise do marco temporal não pode ignorar o Direito Internacional dos Direitos Humanos. O Brasil é signatário da Convenção 169 da OIT, que possui status supralegal. Além disso, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, no julgamento do Caso Povo Indígena Xukuru vs. Brasil (2018), condenou o Estado brasileiro pela violação ao direito de propriedade coletiva e pela demora irrazoável nas demarcações.
O advogado constitucionalista deve aplicar o controle de convencionalidade. Sob a ótica do Sistema Interamericano, a imposição de um marco temporal restritivo (como o proposto pela Lei 14.701/2023) é incompatível com as obrigações internacionais do país. Este argumento é uma ferramenta poderosa tanto em cortes domésticas quanto em denúncias internacionais.
Insights Jurídicos para a Prática Advocatícia
O cenário atual exige do jurista uma atuação estratégica em duas frentes:
1. Na defesa dos Povos Originários: Utilizar o precedente do Tema 1.031 e o controle de convencionalidade para afastar a aplicação imediata da Lei 14.701/2023, sustentando sua inconstitucionalidade material e a proibição do retrocesso social.
2. Na defesa dos Proprietários Rurais: Focar na comprovação da cadeia dominial e da boa-fé na aquisição dos títulos. O campo de batalha não é mais apenas a posse física em 1988, mas a validade do título estatal que garante o direito à indenização plena (terra nua + benfeitorias) antes da perda da posse, com base na responsabilidade civil do Estado reconhecida pelo STF.
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Perguntas e Respostas Atualizadas
1. Como ficou a tese do Marco Temporal após o julgamento do STF em 2023?
O STF, no julgamento do RE 1.017.365 (Tema 1.031), rejeitou a tese do marco temporal. A Corte decidiu que a data da promulgação da Constituição (05/10/1988) não pode ser usada para negar o direito à terra às comunidades indígenas, reconhecendo o direito originário (indigenato) sobre as terras tradicionalmente ocupadas.
2. Se o STF derrubou o marco temporal, por que ele ainda é debatido?
Porque, após a decisão do STF, o Congresso Nacional aprovou a Lei 14.701/2023, que reinstituiu o marco temporal no ordenamento jurídico infraconstitucional. Isso gerou uma crise institucional e novas ações no STF (ADIs) para debater a constitucionalidade dessa nova lei.
3. Os proprietários rurais que perderem suas terras para demarcação serão indenizados?
Sim, houve uma mudança significativa. Pelo novo entendimento do STF, os proprietários que possuem títulos de boa-fé emitidos pelo Poder Público devem ser indenizados não apenas pelas benfeitorias, mas também pelo valor da terra nua. Essa indenização deve ser prévia ou, em casos específicos, resolvida via ação de perdas e danos contra a União.
4. O conceito de “renitente esbulho” ainda é aplicável?
Com a rejeição da tese do marco temporal pelo STF, a exceção do “renitente esbulho” perdeu sua função principal. Como não é mais necessário provar a posse em 1988 para ter o direito reconhecido (segundo o STF), a prova do conflito naquela data tornou-se secundária, embora ainda possa ter relevância probatória histórica.
5. O que diz o Direito Internacional sobre o tema?
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, especialmente no caso Xukuru vs. Brasil, entende que os direitos territoriais indígenas devem ser garantidos e que barreiras temporais ou burocráticas excessivas violam a Convenção Americana. Leis internas restritivas estão sujeitas ao controle de convencionalidade.
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Acesse a lei relacionada em Artigo 231 da Constituição Federal
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-09/um-dia-antes-de-julgamento-do-stf-senado-aprova-pec-que-inclui-marco-temporal-na-constituicao/.