A Judicialização da Saúde Suplementar: Estratégia Processual e a Realidade Forense
A crescente demanda por tutela jurisdicional no âmbito da saúde suplementar reflete um descompasso estrutural severo. Para o advogado que atua nesta seara, compreender a judicialização exige ir muito além da análise superficial de negativas de cobertura. Não estamos diante de um mero debate de normas, mas de uma verdadeira “guerra de trincheira” que envolve Direito Constitucional, Consumerista, Regulatório e, cada vez mais, a Medicina Baseada em Evidências.
O fenômeno da litigiosidade não é apenas estatístico; é um sintoma de um choque violento entre a lógica do lucro/equilíbrio atuarial e o direito à vida. A defesa dos interesses, portanto, demanda uma atuação técnica refinada que supere o lugar-comum, capaz de enfrentar bancas especializadas e teses defensivas que utilizam a complexidade técnica para esvaziar direitos.
O Conflito das Fontes: Além da “Harmonia” Teórica
Embora a Súmula 608 do STJ confirme a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) aos planos de saúde (exceto autogestão), a prática forense revela que a “Teoria do Diálogo das Fontes” muitas vezes é substituída por um confronto direto de princípios. De um lado, a vulnerabilidade do consumidor (CDC); do outro, o pacta sunt servanda e o equilíbrio econômico-financeiro, protegidos pela Lei 9.656/98 e invocados exaustivamente pelas operadoras.
O advogado de alta performance não deve apenas alegar a aplicação do CDC, mas estar preparado para o distinguishing. É necessário demonstrar que a regra especial (Lei 9.656/98) não pode servir de escudo para iniquidades. A tese da “harmonia” deve dar lugar a uma estratégia combativa que eviscere cláusulas abusivas, não pela mera alegação de hipossuficiência, mas pela demonstração concreta da onerosidade excessiva.
Para os profissionais que buscam aprimorar suas teses para enfrentar esse choque normativo, o aprofundamento é indispensável. O curso Como Advogar no Direito do Consumidor oferece ferramentas práticas para identificar essas nuances e aplicá-las com eficácia.
O Rol da ANS, a Lei 14.454/22 e a “Prova Diabólica”
A promulgação da Lei 14.454/2022 superou a taxatividade do Rol da ANS, estabelecendo-o como referência básica. Contudo, essa vitória legislativa trouxe um novo desafio processual: a necessidade de prova técnica robusta. O advogado não pode mais se limitar a juntar o laudo do médico assistente. O artigo 10, § 13, da Lei 9.656/98 exige:
- Comprovação da eficácia à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou
- Recomendações pela Conitec ou órgãos internacionais de renome.
Aqui reside o maior ponto cego da advocacia tradicional: a ignorância sobre a Medicina Baseada em Evidências. As operadoras contestam com estudos que apontam a ineficácia ou o caráter experimental do tratamento. Sem saber manejar níveis de evidência (diferenciando uma revisão sistemática de um relato de caso), o advogado verá seu pedido improcedente.
Além disso, enfrentamos a barreira dos NAT-Jus (Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário). Juízes frequentemente solicitam Notas Técnicas antes de decidir, e estas notas podem ser conservadoras. O jurista precisa saber impugnar tecnicamente uma nota desfavorável do NAT-Jus, demonstrando eventuais vieses ou desatualizações científicas.
A “Caixa Preta” dos Reajustes e a Sinistralidade
Nos litígios sobre reajustes — seja por faixa etária ou por sinistralidade nos contratos coletivos —, a batalha é probatória. O STJ (Tema 952) validou o reajuste por faixa etária desde que não sejam aplicados percentuais desarrazoados. Porém, provar a “desarrazorabilidade” exige mais do que retórica; exige cálculo.
Nos contratos coletivos, a situação é ainda mais crítica. As operadoras aplicam reajustes baseados em uma sinistralidade cuja composição é uma verdadeira “caixa preta”. A jurisprudência exige transparência, mas na prática, as operadoras despejam nos autos relatórios unilaterais incompreensíveis.
A simples inversão do ônus da prova pode não ser suficiente. A advocacia estratégica, nesses casos, muitas vezes depende de uma perícia atuarial ou contábil rigorosa para desmontar a planilha da operadora e comprovar a ausência de lastro para o aumento. Sem assistência técnica, a tese de abusividade corre o risco de naufragar diante da proteção judicial ao mutualismo do contrato.
Negativas de Cobertura e a Judicialização “2.0”
As negativas de cobertura para tratamentos oncológicos, medicamentos de alto custo (inclusive orais/domiciliares) e terapias para o Transtorno do Espectro Autista (TEA) exigem uma petição inicial blindada. O STJ mantém que cabe ao médico assistente determinar a terapia, mas o Judiciário tem refinado esse entendimento para evitar abusos.
Para atuar com excelência, é crucial entender as Diretrizes de Utilização (DUTs) da ANS e saber argumentar quando o paciente não se enquadra exatamente nelas, mas necessita do tratamento por peculiaridades clínicas. O profissional que deseja se destacar deve buscar aprofundamento através da Maratona Curso Avançado de Direito Médico, que explora as minúcias dessas controvérsias técnicas.
Home Care: A Armadilha do Cuidador vs. Enfermagem
No home care, a tese da operadora evoluiu. Elas raramente negam o serviço integralmente; a estratégia agora é descaracterizar a necessidade técnica. O argumento comum é de que o paciente necessita de “cuidados basais” (higiene, alimentação, troca de fraldas), que seriam responsabilidade de um cuidador ou da família, e não de enfermagem especializada.
O advogado deve estar atento para não cair nessa armadilha. É preciso comprovar, via relatório médico detalhado, a necessidade de procedimentos privativos de enfermeiro (aspiração de traqueostomia, administração de medicamentos endovenosos, manejo de ventilação mecânica). Além disso, há o litígio sobre os insumos: muitas operadoras fornecem o técnico, mas recusam fraldas, dieta enteral e medicamentos orais, transferindo um custo altíssimo para a família (“custo-eficiência” às avessas).
Tutelas de Urgência e a Recomendação 66 do CNJ
O pedido de liminar (tutela de urgência) mudou drasticamente com a Recomendação nº 66/2020 do CNJ. Esta diretriz orienta os magistrados a, sempre que possível, ouvir o NAT-Jus antes de conceder a liminar, salvo em casos de risco iminente de morte.
Isso criou um gargalo processual. Um relatório médico genérico, que apenas diz “urgente”, pode levar o juiz a postergar a decisão para aguardar a nota técnica, tempo que o paciente pode não ter. O advogado precisa instruir a inicial com um relatório que descreva não apenas a doença, mas o risco imediato de dano irreparável em horas ou dias, para forçar a apreciação da liminar inaudita altera pars, contornando a burocracia do NAT-Jus.
O pedido de astreintes (multa diária) também deve ser estratégico. Valores baixos tornam o descumprimento lucrativo para a operadora. O bloqueio judicial de verbas (Bacenjud) tem se mostrado mais efetivo para garantir o tratamento imediato.
Dano Moral e o Desvio Produtivo
A jurisprudência tem sido tímida na condenação por danos morais, muitas vezes aplicando a tese do “mero descumprimento contratual” ou fixando valores irrisórios. Para superar isso, o advogado deve invocar a teoria do Desvio Produtivo do Consumidor e, em casos mais graves, o Dano Existencial.
Não basta alegar aborrecimento. É preciso narrar o calvário do paciente: o tempo perdido em call centers, o agravamento clínico causado pela demora, o impacto psicológico da negativa em momento de fragilidade. A indenização deve ter caráter punitivo-pedagógico real, visando desestimular a prática da operadora de negar procedimentos sistematicamente para lucrar com a desistência do beneficiário (efficient breach of contract).
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Conclusão
A judicialização da saúde não aceita mais amadorismo. A vitória judicial depende de uma postura multidisciplinar, onde o advogado atua como estrategista processual, gestor de riscos e conhecedor da ciência médica. Enfrentar as operadoras exige técnica apurada para desmontar falácias atuariais e superar barreiras probatórias complexas.
Perguntas e Respostas
1. Como superar uma Nota Técnica desfavorável do NAT-Jus?
A impugnação deve ser técnica, não apenas jurídica. O advogado deve apresentar estudos científicos de nível de evidência superior aos citados na Nota Técnica (ex: apresentar uma Revisão Sistemática contra um estudo observacional citado pelo NAT) ou demonstrar que a Nota se baseia em protocolos desatualizados, confrontando-a com as diretrizes das sociedades médicas de especialidade.
2. É possível reverter reajustes de planos coletivos sem perícia?
É muito difícil. Embora o CDC permita a inversão do ônus da prova, juízes tendem a ser conservadores sem uma prova contábil que demonstre a ausência de sinistralidade que justifique o aumento. A “caixa preta” das operadoras geralmente só é aberta mediante perícia judicial.
3. O que fazer se a liminar for postergada para ouvir o NAT-Jus?
Se o quadro do paciente for gravíssimo, o advogado deve despachar imediatamente com o juiz ou agravar da decisão, focando exclusivamente no periculum in mora (risco de morte ou sequela irreversível) para dispensar a nota técnica prévia, conforme a exceção prevista na própria Recomendação 66 do CNJ.
4. A operadora deve custear fraldas e alimentação no Home Care?
A jurisprudência majoritária entende que, se o home care substitui a internação hospitalar, todos os insumos que seriam fornecidos no hospital (incluindo dieta enteral, fraldas e medicamentos) devem ser cobertos. A exclusão desses itens desvirtua a natureza da internação domiciliar.
5. Como aumentar o valor do dano moral em ações de saúde?
Fugindo do pedido genérico. É necessário fundamentar o “Desvio Produtivo” (tempo vital perdido tentando resolver o problema administrativamente) e detalhar o sofrimento psíquico, se possível com laudos psicológicos, para demonstrar que a conduta da operadora ultrapassou o mero dissabor e atingiu a dignidade da pessoa humana.
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Acesse a lei relacionada em Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-09/acoes-contra-planos-de-saude-podem-chegar-a-12-milhao-por-ano-diz-estudo/.