A transformação das relações laborais e o “Estar” da jurisprudência
A evolução tecnológica impôs ao operador do Direito a necessidade de superar a mera revisitação de conceitos e enfrentar um verdadeiro embate jurisprudencial. A ascensão dos modelos de negócio baseados em plataformas digitais não criou apenas uma zona cinzenta, mas um campo de batalha entre a Justiça do Trabalho e o Supremo Tribunal Federal (STF). Para o advogado previdenciarista, a discussão transcende a dicotomia clássica entre trabalho subordinado e autônomo; ela exige uma leitura pragmática sobre como garantir a proteção social do artigo 194 da Constituição em um cenário onde a Corte Suprema tem validado, reiteradamente, formas alternativas de contratação e a autonomia da vontade em contratos civis.
O cenário atual não permite mais ingenuidade: temos um contingente expressivo de trabalhadores à margem do RGPS, não apenas por falta de lei, mas pela complexidade de adequar a realidade fática (volatilidade de renda) à rigidez do custeio previdenciário pós-Reforma. A compreensão deste fenômeno exige ir além da teoria da subordinação jurídica e analisar os riscos da sucumbência e as estratégias de planejamento previdenciário para quem não possui vínculo reconhecido.
O enquadramento do trabalhador e as armadilhas do Plano Simplificado
No ordenamento jurídico brasileiro, a filiação ao RGPS é obrigatória. Na ausência de vínculo empregatício formalizado — tese cada vez mais difícil de sustentar diante das recentes decisões do STF em Reclamações Constitucionais —, o trabalhador de plataforma é enquadrado como Contribuinte Individual.
A problemática se intensifica na prática contributiva e na escolha do plano de custeio. O advogado deve alertar seu cliente sobre os perigos do “Plano Simplificado” (alíquota de 11%). Embora reduza o custo imediato, esta opção:
- Exclui o direito à Aposentadoria por Tempo de Contribuição;
- Exige complementação futura (com juros e multa) caso o segurado deseje migrar de plano;
- Muitas vezes, cria a falsa sensação de segurança plena, quando na verdade restringe o espectro de benefícios programáveis.
Para navegar essas complexidades, uma formação técnica robusta é indispensável. A Pós-Graduação em Direito Previdenciário e Prática 2025 oferece o aprofundamento necessário para realizar esse planejamento tributário e previdenciário com segurança.
Do Art. 6º da CLT à Realidade do STF: O fim da subordinação algorítmica?
Durante anos, a doutrina apoiou-se no parágrafo único do artigo 6º da CLT para defender a “subordinação algorítmica”. Contudo, o advogado atualizado deve encarar o “elefante na sala”: a postura firme do STF em cassar decisões da Justiça do Trabalho que reconhecem vínculo com plataformas (vide Rcl 59.795 e outras).
O Supremo tem sinalizado para a licitude da “pejotização” e de outras formas de divisão do trabalho distintas da relação de emprego. Isso altera radicalmente a estratégia previdenciária. Se a tendência é a não caracterização do vínculo (tema que será pacificado no Tema 1.291 de Repercussão Geral), o foco do advogado deve migrar da reclamatória trabalhista incerta para a estruturação da proteção do autônomo.
A insistência em teses de vínculo sem considerar o risco processual pode gerar prejuízos ao cliente. Por outro lado, o reconhecimento do vínculo, quando ocorre, atrai um passivo tributário imenso para as empresas (Cota Patronal, RAT, Terceiros), transformando a vitória trabalhista em uma complexa liquidação previdenciária.
O “Limbo” da EC 103/2019: Ajustes, Agrupamentos e Complementação
A Reforma da Previdência (EC 103/2019) trouxe uma regra técnica que é uma verdadeira armadilha para trabalhadores de renda variável: competências com recolhimento inferior ao salário mínimo não contam para nenhum fim (nem tempo, nem carência, nem qualidade de segurado).
Na advocacia prática, não basta saber a regra; é preciso dominar a burocracia do ajuste:
- O advogado deve saber operar o agrupamento de contribuições ou a emissão de DARFs para complementação dentro do mesmo ano civil;
- O desconhecimento operacional sobre como realizar esses ajustes no sistema “Meu INSS” é hoje a maior causa de indeferimento de benefícios para motoristas e entregadores;
- Existe uma discussão constitucional latente sobre a vedação dessa contagem, ferindo o princípio da contributividade proporcional, tese esta que deve estar no radar dos previdenciaristas de elite.
Direito Comparado: TRADE, Workers e a Categoria Intermediária
O debate brasileiro sobre uma “categoria intermediária” (parassubordinação) é muitas vezes estéril por falta de referências concretas. O advogado que atua nesta área precisa olhar para o Direito Comparado para fundamentar suas teses ou propostas legislativas.
Não estamos reinventando a roda. Modelos como o TRADE (Trabajador Autónomo Económicamente Dependiente) da Espanha ou a classificação de “Worker” do Reino Unido (consagrada no caso Uber v. Aslam) oferecem caminhos híbridos. Nestes modelos, garante-se um piso de proteção social e direitos coletivos sem a rigidez total do contrato de emprego. Compreender esses institutos é vital para antecipar para onde a regulação brasileira poderá caminhar após o julgamento do Tema 1.291 pelo STF.
A Contradição Performática: Responsabilidade Civil vs. Intermediação
Há um ponto cego na defesa das plataformas que o advogado habilidoso pode explorar: a contradição entre a tese da “mera intermediação tecnológica” e a teoria do risco da atividade (Art. 927, parágrafo único, do CC).
Se a plataforma alega ser apenas um aplicativo de intermediação para afastar o vínculo trabalhista e previdenciário, como pode ela responder objetivamente pelos acidentes? Por outro lado, se a atividade gera risco acentuado a ponto de atrair a responsabilidade objetiva, não estaria ela exercendo controle sobre o modo de produção?
Este é o ponto de tensão onde a advocacia de danos (responsabilidade civil) encontra o Direito Previdenciário (ações regressivas e benefícios acidentários). Defender a responsabilidade objetiva da plataforma sem atrair a subordinação exige uma engenharia jurídica fina, separando o risco do negócio da subordinação hierárquica.
O futuro da advocacia na Era Digital
A advocacia previdenciária moderna não aceita amadorismo. O cenário de transição normativa, onde a jurisprudência do STF muitas vezes colide com a jurisprudência do TST, exige um profissional estratégico. Seja na consultoria preventiva para plataformas (focada em evitar a caracterização de subordinação e gerir o FAP/NTEP), seja na defesa dos segurados (garantindo que a autonomia não signifique desamparo), o conhecimento técnico é o diferencial.
Dominar as regras de custeio, os ajustes de guias pós-Reforma e as teses constitucionais sobre as novas relações de trabalho não é opcional. É questão de sobrevivência profissional.
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Insights sobre o tema
O advogado deve abandonar a visão romântica da CLT e focar na “Realpolitik” judicial. A tendência é a validação de contratos civis, o que transfere a responsabilidade da proteção social para o planejamento contributivo individual. O grande gargalo não será mais “provar o vínculo”, mas sim “gerir as contribuições” para evitar que meses de trabalho sejam descartados pelo INSS por não atingirem o piso constitucional.
Perguntas e Respostas
1. Diante da posição do STF, ainda vale a pena pedir vínculo de emprego para motoristas de app?
É uma estratégia de alto risco. O STF tem cassado decisões da Justiça do Trabalho que reconhecem o vínculo, remetendo os casos à Justiça Comum ou validando a relação cível. O advogado deve avaliar a viabilidade econômica e alertar o cliente sobre o risco de sucumbência, aguardando a definição do Tema 1.291.
2. Como resolver o problema de recolhimentos abaixo do mínimo após a EC 103/2019?
O segurado deve utilizar os ajustes previstos na legislação: complementar a contribuição (pagando a diferença via DARF), agrupar competências (somar dois meses inferiores para formar um válido) ou utilizar o excedente de um mês para completar outro. Tudo isso deve ser feito, preferencialmente, dentro do mesmo ano civil.
3. O que é o modelo TRADE mencionado no texto?
O “Trabajador Autónomo Económicamente Dependiente” é uma figura jurídica da Espanha. Trata-se de um autônomo que recebe a maior parte de sua renda (pelo menos 75%) de um único tomador. Ele não é empregado, mas tem direitos diferenciados, como férias anuais, cobertura de acidentes e acordos coletivos, servindo de inspiração para uma possível regulação no Brasil.
4. O Contribuinte Individual tem direito a auxílio-acidente?
Via de regra, não. O auxílio-acidente (benefício indenizatório por sequela definitiva) é devido a empregados, avulsos e segurados especiais. O contribuinte individual (autônomo) tem direito ao auxílio por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) e aposentadoria por invalidez, mas não recebe a indenização de 50% se retornar ao trabalho com sequelas, o que representa uma lacuna na proteção deste trabalhador.
5. A plataforma pode ser responsabilizada por acidente de trabalho mesmo sem vínculo?
Sim, através da Responsabilidade Civil. Mesmo que não seja considerado acidente de trabalho típico para fins previdenciários (estabilidade, FGTS), é possível pleitear indenização na esfera cível com base na teoria do risco ou na falha do dever de segurança, embora seja uma tese que enfrente resistência se a plataforma for considerada mero meio tecnológico.
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Acesse a lei relacionada em Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-09/trabalhadores-de-plataformas-e-a-nova-fronteira-da-inclusao-previdenciaria/.