O Trancamento de Inquérito Policial e a Defesa da Advocacia: Estratégias de Alta Complexidade
O inquérito policial, classicamente definido como um procedimento administrativo de natureza inquisitorial, sofreu mutações dogmáticas relevantes, especialmente com o advento da Lei 13.245/2016. Não se trata mais de um mero caderno de apuração unilateral; hoje, vivemos sob a égide de um contraditório mitigado, onde o desrespeito às prerrogativas do advogado investigado ou atuante pode gerar nulidades insanáveis.
Ainda assim, a instauração de um inquérito contra um advogado no exercício de sua função carrega um estigma pesado e um risco profissional imenso. O sistema processual penal, embora preveja o trancamento via Habeas Corpus, impõe uma “via estreita” para seu manejo. Não basta alegar injustiça; é preciso demonstrar, com prova pré-constituída e sem dilação probatória, que a investigação é uma aberração jurídica.
Neste artigo, superaremos o básico para analisar as teses defensivas de alta indagação, o enfrentamento à criminalização da hermenêutica e os precedentes dos Tribunais Superiores que o criminalista de elite precisa dominar.
A Justa Causa e a Criminalização da Advocacia
A justa causa, condição indispensável para a ação penal e para a manutenção do inquérito, exige lastro probatório mínimo. Contudo, quando o alvo é o advogado, a análise da justa causa deve ser mais rigorosa. Frequentemente, o Ministério Público tenta criminalizar atos típicos da advocacia — como a emissão de pareceres ou o recebimento de honorários — sob a ótica de crimes como lavagem de dinheiro ou fraude processual.
Aqui reside o ponto nevrálgico: a batalha pelo reconhecimento da atipicidade subjetiva. Em crimes de lavagem de capitais, por exemplo, a acusação muitas vezes se vale da teoria da Cegueira Deliberada (Willful Blindness) para imputar dolo eventual ao advogado que recebe honorários de origem supostamente ilícita.
O trancamento do inquérito exige que a defesa demonstre, de plano, a total ausência de dolo. Isso não se faz apenas com retórica, mas com a apresentação documental de que a conduta se deu estritamente dentro dos limites do mandato e da boa-fé objetiva, esvaziando a justa causa pela atipicidade da conduta.
Prerrogativas, Imunidade e a ADI 1.127
É comum o advogado se socorrer do artigo 133 da Constituição Federal como um escudo absoluto. No entanto, uma defesa técnica precisa ser realista. O STF, no julgamento da ADI 1.127, delimitou o alcance da imunidade profissional. Ela abrange os crimes de injúria e difamação praticados no exercício da atividade, mas não protege o causídico de acusações de calúnia ou desacato (embora a tipicidade deste último frente à Convenção Americana seja debatível, a jurisprudência majoritária ainda o aplica).
Portanto, o Habeas Corpus para trancamento não pode se basear em uma imunidade genérica. A petição deve diferenciar o que é excesso punível do que é combatividade técnica. A criminalização da palavra ou da estratégia processual (o chamado crime de hermenêutica) deve ser combatida demonstrando que a interpretação da lei, ainda que ousada ou minoritária, jamais pode configurar ilícito penal.
A Prova Pré-Constituída: O “Como Fazer” no Habeas Corpus
O erro fatal na impetração de HC para trancamento é tentar discutir mérito fático. O rito do writ não admite dilação probatória. Então, como provar a atipicidade subjetiva (ausência de dolo) sem ouvir testemunhas?
A estratégia reside na prova negativa documental. O impetrante deve instruir o writ com:
- Contratos de honorários detalhados e com data certa;
- Trocas de e-mails com o cliente (respeitando o sigilo, mas usando-o para defesa própria) que demonstrem que o advogado agiu baseado nas informações recebidas;
- Pareceres técnicos prévios que fundamentaram a tomada de decisão jurídica.
Se a inocência ou a atipicidade não saltarem aos olhos do Desembargador ou Ministro apenas com a leitura desses documentos, a ordem será denegada. A petição inicial deve ser cirúrgica: se os fatos narrados na portaria de instauração forem verdadeiros, ainda assim, não constituem crime.
Dilema Estratégico: Trancamento vs. ANPP
Com o Pacote Anticrime, surgiu uma nova variável: o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP). O advogado investigado enfrenta um dilema de Teoria dos Jogos. Impetrar um HC para trancar o inquérito pode ser a rota da honra e da absolvição sumária, mas carrega o risco da denegação e posterior denúncia.
Por outro lado, o ANPP exige confissão formal. Para um advogado, confessar um crime — mesmo sem pena privativa de liberdade — pode ter repercussões devastadoras na esfera ético-disciplinar da OAB. A análise de risco deve ser minuciosa: se a tese de trancamento for sólida (ex: atipicidade flagrante ou prescrição), o combate é o caminho. Se houver risco probatório, a estratégia deve ser recalculada.
O Papel do STJ e Precedentes Relevantes
O Superior Tribunal de Justiça tem atuado como guardião contra o abuso acusatório, especialmente a 6ª Turma. A Corte tem precedentes importantes que vedam a criminalização da atividade de consultoria jurídica, salvo quando comprovado o dolo de participar da fraude.
Ao impetrar o HC, fuja do lugar-comum de que “a jurisprudência é pacífica”. Cite precedentes específicos onde o STJ trancou inquéritos por inépcia da denúncia (ou portaria) que não individualizou a conduta do advogado, ou que tentou imputar responsabilidade penal objetiva baseada apenas na posição do causídico como procurador da parte.
A “pescaria probatória” (fishing expedition), onde se inicia um inquérito genérico para devassar a vida do advogado em busca de qualquer crime, tem sido rechaçada pelos tribunais superiores e deve ser arguida como causa de nulidade e trancamento.
Conclusão
O trancamento de inquérito policial é uma medida excepcional, mas necessária para conter o arbítrio estatal contra a advocacia. O advogado que atua em causa própria ou na defesa de colegas deve abandonar o romantismo e adotar uma postura técnica, baseada em prova pré-constituída robusta e no conhecimento profundo das nuances jurisprudenciais do STJ e STF.
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Insights Estratégicos
- Indiciamento Indireto: O indiciamento formal do advogado antes de concluídas as diligências essenciais é uma forma de coação. O HC pode visar especificamente o desindiciamento, mesmo que o inquérito prossiga.
- Lei 13.245/16: Use a violação das prerrogativas (acesso aos autos, indeferimento de diligências) como argumento de nulidade do inquérito para fundamentar o trancamento.
- Blindagem Patrimonial: A discussão sobre a origem lícita dos honorários é a fronteira atual da advocacia criminal. Tenha sempre o compliance do escritório em dia.
- Filtro Processual: O trancamento não é apenas sobre inocência, é sobre impedir que o Estado movimente a máquina sem justa causa, gerando custos e estigmas desnecessários.
Perguntas e Respostas Avançadas
1. A tese de “cumprimento de dever legal” ou “exercício regular de direito” é suficiente para trancar o inquérito?
Apenas se for manifesta. A jurisprudência exige que não paire dúvida sobre a legalidade da conduta. Se houver indícios de que o advogado ultrapassou os limites do mandato para cometer ilícitos (ex: instruir testemunha a mentir), o Tribunal não trancará o inquérito via HC, remetendo a discussão para a instrução processual.
2. Como enfrentar a acusação de Lavagem de Dinheiro via honorários advocatícios?
A defesa deve atacar o elemento subjetivo. Deve-se demonstrar a inexistência de dolo direto ou eventual. A tese defensiva deve focar na natureza alimentar dos honorários e na inexigibilidade de conduta diversa, combatendo a aplicação automática da teoria da Cegueira Deliberada sem lastro fático robusto.
3. Cabe HC para trancar inquérito policial baseado apenas em denúncia anônima?
Sim. O STF e o STJ possuem entendimento consolidado de que a denúncia anônima (delatio criminis inqualificada), por si só, não autoriza a instauração formal de inquérito. É necessária a realização de Verificação de Procedência das Informações (VPI) prévia. Se o inquérito foi aberto direto, é nulo.
4. O advogado pode ser responsabilizado por parecer jurídico?
Em regra, não, devido à inviolabilidade por suas opiniões técnicas. Contudo, o STF admite a responsabilização se comprovado erro grosseiro, dolo ou má-fé, especialmente se o parecer for vinculante em processos administrativos. O trancamento dependerá da prova plana de que o parecer foi estritamente técnico e opinativo.
5. Vale a pena impetrar HC se existe possibilidade de ANPP?
Depende do caso concreto. Se a tese de atipicidade for fortíssima, o HC é o caminho. Se a situação for “cinzenta”, o risco de denegação do HC e posterior oferecimento de denúncia deve ser pesado contra a segurança jurídica (ainda que com confissão) do Acordo de Não Persecução Penal. Lembre-se que a confissão no ANPP pode ter reflexos disciplinares na OAB.
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Acesse a lei relacionada em Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-09/stj-tranca-inquerito-contra-advogados-dos-credores-da-laginha/.