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Responsabilidade Fiscal, Veto e Lei: Guia para Advogados

Artigo de Direito
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A Responsabilidade Fiscal e o Processo Legislativo: Do Cinismo Institucional à Estratégia Jurídica

O dilema estrutural e o jogo de “transferência de culpa”

A interação entre os Poderes Executivo e Legislativo no Brasil frequentemente ultrapassa as fronteiras da teoria da separação dos poderes e adentra o terreno do que se pode chamar de cinismo institucional. De um lado, a legitimidade democrática do parlamento impulsiona propostas de políticas públicas geradoras de despesas; de outro, as amarras da legislação fiscal impõem um freio de arrumação necessário, mas politicamente impopular.

Nesse cenário, a tensão jurídica não decorre apenas de descuido técnico. Muitas vezes, trata-se de um cálculo político deliberado. O Legislativo, ciente das restrições orçamentárias, aprova proposições financeiramente insustentáveis — as chamadas “pautas-bomba” — transferindo o ônus político do veto para o Executivo. Cria-se um jogo de blame shifting (transferência de culpa), onde o parlamento colhe os louros da “proposta benéfica” e o Executivo arca com o desgaste de ser o “guardião do cofre”.

Para o operador do Direito Público, compreender essa dinâmica é vital. Não se trata apenas de analisar a ausência de uma planilha de custos, mas de entender que o vício formal na tramitação legislativa é, frequentemente, o sintoma de uma crise de lealdade entre os poderes.

A LRF e a falácia da incapacidade técnica

A Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF) estabeleceu, em seus artigos 15, 16 e 17, requisitos objetivos para a criação de despesas, exigindo estimativas de impacto orçamentário-financeiro trienal e declaração de adequação com as leis orçamentárias (LOA, LDO e PPA).

É comum o argumento de que o Legislativo falha em cumprir esses requisitos por “carência de corpo técnico” ou falta de acesso a dados do Executivo. Contudo, essa visão merece ressalvas. No âmbito federal e em grandes estados, as casas legislativas possuem consultorias de orçamento robustas e altamente qualificadas. A ausência da estimativa, muitas vezes, não é fruto de incapacidade técnica, mas de uma escolha política de ignorar os dados para acelerar a tramitação.

A despesa criada sem esses requisitos é considerada não autorizada, irregular e lesiva. O advogado deve estar atento: a omissão desses documentos não é mera formalidade burocrática, mas um vício insanável que contamina a validade da norma desde o nascedouro.

O Artigo 113 do ADCT e o Ativismo Judicial Fiscal

A Emenda Constitucional nº 95/2016 elevou a exigência fiscal ao patamar constitucional ao inserir o artigo 113 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Agora, a proposição que crie ou altere despesa obrigatória deve ser acompanhada de estimativa de impacto.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) endureceu, reconhecendo a inconstitucionalidade formal de leis que violam esse dispositivo. No entanto, para a advocacia estratégica, surgem pontos de atenção crítica:

  • Seletividade do Controle: Há uma percepção de que o rigor do Art. 113 do ADCT é aplicado com força total contra leis estaduais ou que desagradam o pacto federativo, mas por vezes é mitigado quando envolve despesas de interesse do próprio sistema de justiça sob a rubrica da autonomia administrativa.
  • Modulação de Efeitos e Segurança Jurídica: A declaração de inconstitucionalidade de uma lei que vigorou por anos traz o problema da repetição do indébito. Os beneficiários de boa-fé (servidores, por exemplo) devem devolver os valores? A oscilação jurisprudencial sobre a modulação de efeitos gera insegurança e exige do advogado uma atuação focada na proteção da confiança legítima.

Para quem deseja dominar essas teses constitucionais complexas, a especialização é o caminho. A Pós-Graduação em Direito Público Aplicado oferece o aprofundamento necessário para atuar nesse nível de debate.

O Veto Jurídico como Trincheira no Orçamento Impositivo

Com o advento do Orçamento Impositivo, o Poder Executivo perdeu grande parte de sua margem de manobra para contingenciar despesas discricionariamente. Nesse contexto, o veto presidencial ou governamental deixou de ser apenas uma prerrogativa política para se tornar a ultima ratio de defesa do equilíbrio fiscal.

A distinção clássica entre veto político (contrariedade ao interesse público) e veto jurídico (inconstitucionalidade) tornou-se porosa na prática. Frequentemente, o Executivo fundamenta um veto político com argumentos jurídicos de inconstitucionalidade por falta de dotação, visando forçar uma negociação na derrubada do veto. O advogado legislativo precisa ler as entrelinhas: o veto é técnico e insuperável, ou é um convite para renegociar emendas e alocações orçamentárias?

Os Tribunais de Contas: O Risco Imediato

Enquanto a discussão sobre a inconstitucionalidade de uma lei pode levar anos no Judiciário, a atuação dos Tribunais de Contas (TCs) é muito mais célere e direta. A execução de uma despesa baseada em lei sem lastro financeiro, violando a LRF, é matéria-prima para rejeição de contas e aplicação de multas pesadas aos gestores.

Para a advocacia consultiva e de compliance público, o temor maior muitas vezes não deve ser a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), mas sim a fiscalização concomitante dos TCs. Ignorar o impacto financeiro na fase legislativa é garantir um passivo administrativo quase imediato para o ordenador de despesas.

Estratégias Práticas para a Advocacia de Alto Nível

Diante desse cenário complexo, “argumentos criativos” para tentar salvar uma lei natimorta no contencioso costumam ter baixa eficácia. A advocacia de ponta deve focar em:

  • Advocacia Legislativa Preventiva: Atuar no lobbying técnico durante a tramitação, garantindo que a instrução do processo legislativo contenha estudos econômicos sólidos. Em uma Due Diligence, a falta do anexo de impacto (Art. 16 LRF) deve ser apontada como risco altíssimo de nulidade.
  • Tese da Eficácia Diferida: Em vez de negar a necessidade de estimativa, argumentar que a lei, embora aprovada, tem sua eficácia suspensa até a inclusão da previsão orçamentária no ciclo seguinte (PPA/LOA), salvando a validade da norma jurídica condicionando apenas a sua eficácia.
  • Natureza da Despesa: Demonstrar tecnicamente que a lei não cria nova despesa, mas apenas realoca ou reestrutura despesas já existentes, fugindo assim da incidência direta da vedação do Art. 113 do ADCT.

O Direito Financeiro deixou de ser uma disciplina acessória para se tornar protagonista no Direito Constitucional. A validade das normas jurídicas agora passa necessariamente pelo crivo das contas públicas. Quer se aprofundar e transformar sua carreira? Conheça nosso curso de Pós-Graduação em Direito e Processo Constitucional.

Insights sobre o tema

A técnica jurídica orçamentária atua como a última barreira contra o populismo fiscal, mas também pode ser usada como ferramenta de bloqueio político.

A omissão do Executivo em fornecer dados e a pressa do Legislativo em votar sem eles configuram uma quebra do dever de colaboração institucional, punindo, ao final, a sociedade com leis ineficazes ou inconstitucionais.

A defesa de leis questionadas por falta de dotação orçamentária exige uma visão sistêmica do Ciclo Orçamentário, deslocando o debate da validade da norma para a condição de sua eficácia financeira.

Perguntas e Respostas

1. O que acontece se uma lei criar despesa sem a devida estimativa de impacto?
A lei padece de vício de inconstitucionalidade formal (violação ao Art. 113 do ADCT) e ilegalidade perante a LRF. Na prática, é uma norma “natimorta” que provavelmente será vetada ou anulada pelo Judiciário, além de poder gerar rejeição de contas pelo Tribunal de Contas.

2. O Executivo pode usar o veto jurídico como ferramenta política?
Sim. Com o Orçamento Impositivo restringindo a gestão de caixa, o Executivo utiliza o veto jurídico (alegando inconstitucionalidade fiscal) muitas vezes para forçar negociações políticas com o Legislativo, transformando um debate técnico em moeda de troca.

3. Qual o risco para o gestor que executa uma lei sem adequação orçamentária?
O risco é duplo: responsabilização por improbidade administrativa e rejeição de contas pelos Tribunais de Contas, o que pode levar à inelegibilidade e multas pessoais, independentemente da validade da lei em si.

4. É possível salvar uma lei aprovada sem estimativa fiscal?
É muito difícil. A jurisprudência majoritária não aceita a convalidação do vício formal. A melhor estratégia defensiva é tentar provar que a lei não criou despesa nova (apenas realocação) ou defender a tese da “eficácia diferida” (a lei vale, mas só produz efeitos quando houver orçamento futuro).

5. Por que a “inércia dolosa” do Executivo é problemática?
Porque configura um comportamento contraditório (venire contra factum proprium). O Executivo, detentor dos dados, não auxilia na estimativa durante a tramitação para, ao final, vetar a lei alegando justamente a falta desses dados, minando a lealdade entre os poderes.

Aprofunde seu conhecimento sobre o assunto na Wikipedia.

Acesse a lei relacionada em Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal)

Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-07/catch-22-fiscal-o-executivo-sabe-omite-e-depois-veta/.

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